quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Portugal. ASSOBIAR PARA O LADO

Inês Cardoso* - Jornal de Notícias, opinião
Nasci na zona do país que já foi classificada como a maior mancha contínua de pinheiro-bravo da Europa. Conheço a angústia causada pelo toque insistente da sirene dos bombeiros, o pânico perante o agigantar das chamas, o cheiro a queimado colado à pele. Sei o que se sente ao tocar o tronco enegrecido de uma árvore que plantámos. O meu avô começou a morrer no dia em que um incêndio varreu a terra a que ele pertencia. Se fosse para escrever com emoção, seria fácil. Mas as vítimas das chamas e dos seus danos merecem que se vá além da emoção quando se aborda o tema.

É tempo de ultrapassarmos os mitos. E o maior é o de que somos um país de pirómanos e incendiários movidos por interesses económicos. Uma petição posta a circular exigindo pena mais pesada para incendiários conseguiu em poucas horas 11 mil assinaturas. Mesmo lavrando em vários equívocos. A pena máxima do crime não é de oito, mas pode ir até 12 anos. E havendo vítimas, entra noutras molduras penais, nomeadamente homicídio por negligência - tivemos em 2014 incendiários condenados a 18 anos de cadeia.

Ao noticiarem a petição, houve meios de comunicação a dizer que 75% dos fogos têm "mão humana". O que é apenas uma meia verdade. A mão remete para a intencionalidade. Têm, isso sim, origem humana. A principal causa dos fogos em Portugal é a negligência: 56%, na média das causas apuradas na última década. Também não somos um país de pirómanos. E o perfil traçado demonstra que são escassos os fogos postos por motivos económicos. A maior parte nasce de vinganças entre vizinhos ou outros motivos fúteis.

Há, depois, o mito de que não temos conseguido definir uma política florestal. O primeiro-ministro veio agora prometer que em setembro é de vez e será feito o que nunca foi. A verdade é que só desde 2003, pior ano de sempre em área ardida e vítimas mortais, foi feita mais de uma dezena de diagnósticos e produzida abundante legislação com medidas transversais de ordenamento, fiscalização e reorganização do combate.

Não precisamos de mais diplomas ou estratégias. Precisamos que decisores políticos e não só cumpram as leis que já existem. E desta vez, ao contrário de tantas outras áreas em que podemos apenas bater em quem nos governa, precisamos mesmo todos de agir. Incluindo os proprietários, porque é deles o primeiro dever de cuidar do que é seu. E todos os que andamos pelas matas e nem sempre identificamos os nossos próprios comportamentos de risco. Se isto se resolvesse com mais prisão e mais leis, a tarefa estaria facilitada. Mas talvez seja melhor pararmos de assobiar para o lado.

*Subdiretora

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