Gregorio Vivanco Lopes (*)
Encontros sociais às vezes são
cansativos, às vezes são esclarecedores.
Tive de ir a um jantar promovido por
amigos, ao qual compareceram pessoas das mais diversas tendências ideológicas e
temperamentais.
Tudo começou num salão, onde se tomavam
aperitivos vários, acompanhados de azeitonas recheadas e salgadinhos, em
diversas mesas redondas, em torno das quais se aglutinavam pequenos grupos de
ocasião, que entabulavam conversas de todo tipo.
Aproximei-me de um desses grupos,
composto por umas 7 ou 8 pessoas, e logo notei que o álcool, mesmo moderado,
além de alegrar os corações, solta as línguas... Um indivíduo de estatura
média, cabeça raspada, rosto avermelhado e olhos um tanto esbugalhados,
comentava:
— “Estou começando a gostar da Igreja.
Com o novo Papa, vejo que minhas posições a favor do aborto, do casamento
homossexual, do socialismo, dos matrimônios sucessivos e dos vários tipos de
pílula são agora compreendidas. Sempre fui ateu e combati a Igreja, mas agora
ela está mudando. Penso em deixar de criticá-la”.
— “Ela não está propriamente mudando”,
disse eufórico um indivíduo roliço, de orelhas grandes, que eu já vira várias
vezes sair de prédios eclesiásticos, e que desconfio ser diácono ou pelo menos
ministro da Eucaristia. Em todo o caso, certamente um “progressista”. “Ela está
se adaptando aos dias de hoje e isso é bom, está seguindo o Concílio Vaticano
II”, afirmou.
Passei os olhos pela roda e notei uma
grande perplexidade nos presentes. Um desses perplexos, que logo mostrou ser
católico fervoroso, fazendo esforço para vencer a inibição de falar do Papa
Francisco, atalhou:
— “V. fala em adaptar-se aos dias de
hoje e cita o Concílio Vaticano II. Esse Concílio já está ficando velho, tem
pelo menos 50 anos. Eu nem sequer era nascido quando ele se deu. A novidade
hoje em dia é que boa parte da juventude está buscando posições mais
conservadoras. Veja, por exemplo, as manifestações multitudinárias na França
contra o casamento homossexual e o socialismo, as manifestações de junho no
Brasil, a proliferação dos grupos pró-vida”.
A essa altura resolvi intervir.
— “Estou achando interessante essa
discussão. Por isso queria perguntar como vocês encaixam nesse panorama as
afirmações de Paulo VI de que a Igreja estava sujeita a um processo de
autodemolição (já no tempo dele!) e que a fumaça de Satanás penetrara no templo
de Deus”.
Um silêncio pesado seguiu-se à minha
intervenção. Notei que a perplexidade aumentava. Quebrou o silêncio o
“progressista”:
— “Olha cara, disse-me ele, a doutrina
não mudou em nada. Francisco está pondo apenas em execução uma nova pastoral. O
tempo de São Pio X passou”.
Eu ia responder que não me tinha
referido a nenhuma doutrina, mas que, de outro lado, a toda pastoral
corresponde uma ideologia por detrás, ainda que não explícita. Entretanto, não
pude fazê-lo, porque fui atalhado pelo católico fervoroso que disse:
— “Não é porque São Pio X morreu que os
ensinamentos dele não valem mais. Aliás, a Igreja tem uma tradição imutável.
Além disso, as palavras do Papa Francisco não têm o peso de um ato magisterial.
Ele não quis fazer isso”.
A discussão — talvez se prefira qualificá-la
de diálogo — terminou abruptamente com o aviso de que o jantar deveria ter
início. Cada um daquela roda foi designado para uma mesa diferente. Na medida
em que nos encaminhávamos para o salão principal, fui observando as fisionomias
dos componentes da roda. Todos estavam perplexos com os acontecimentos. Não de
uma perplexidade qualquer, mas como que agredidos pela perplexidade. Lembrei-me
então do título de um artigo de Plínio Corrêa de Oliveira que li anos atrás:
“Perplexidade que agride”. Ele falava de uma saudação que Paulo VI enviara ao
socialista Salvador Allende, que há pouco vencera a eleição presidencial no
Chile.
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(*) Gregorio Vivanco Lopes é colaborador
da Agência Boa Imprensa (ABIM)
Postado por Paulo Roberto Campos
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