quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Agredidos pela perplexidade

Gregorio Vivanco Lopes (*)
 
“A traição de Judas”. Pintura de Giotto (1302-1305) na Capela Scrovegni (Pádua – Itália). Na cena, Judas Iscariotes negocia com os sacerdotes do templo a entrega de Jesus por 30 moedas — que o traidor segura na mão esquerda, enquanto a fumaça de Satanás (como um vulto negro) o inspira a entregar nosso Divino Redentor.
Encontros sociais às vezes são cansativos, às vezes são esclarecedores.

Tive de ir a um jantar promovido por amigos, ao qual compareceram pessoas das mais diversas tendências ideológicas e temperamentais.

Tudo começou num salão, onde se tomavam aperitivos vários, acompanhados de azeitonas recheadas e salgadinhos, em diversas mesas redondas, em torno das quais se aglutinavam pequenos grupos de ocasião, que entabulavam conversas de todo tipo.

Aproximei-me de um desses grupos, composto por umas 7 ou 8 pessoas, e logo notei que o álcool, mesmo moderado, além de alegrar os corações, solta as línguas... Um indivíduo de estatura média, cabeça raspada, rosto avermelhado e olhos um tanto esbugalhados, comentava:

— “Estou começando a gostar da Igreja. Com o novo Papa, vejo que minhas posições a favor do aborto, do casamento homossexual, do socialismo, dos matrimônios sucessivos e dos vários tipos de pílula são agora compreendidas. Sempre fui ateu e combati a Igreja, mas agora ela está mudando. Penso em deixar de criticá-la”.

— “Ela não está propriamente mudando”, disse eufórico um indivíduo roliço, de orelhas grandes, que eu já vira várias vezes sair de prédios eclesiásticos, e que desconfio ser diácono ou pelo menos ministro da Eucaristia. Em todo o caso, certamente um “progressista”. “Ela está se adaptando aos dias de hoje e isso é bom, está seguindo o Concílio Vaticano II”, afirmou.

Passei os olhos pela roda e notei uma grande perplexidade nos presentes. Um desses perplexos, que logo mostrou ser católico fervoroso, fazendo esforço para vencer a inibição de falar do Papa Francisco, atalhou:

— “V. fala em adaptar-se aos dias de hoje e cita o Concílio Vaticano II. Esse Concílio já está ficando velho, tem pelo menos 50 anos. Eu nem sequer era nascido quando ele se deu. A novidade hoje em dia é que boa parte da juventude está buscando posições mais conservadoras. Veja, por exemplo, as manifestações multitudinárias na França contra o casamento homossexual e o socialismo, as manifestações de junho no Brasil, a proliferação dos grupos pró-vida”.

A essa altura resolvi intervir.

— “Estou achando interessante essa discussão. Por isso queria perguntar como vocês encaixam nesse panorama as afirmações de Paulo VI de que a Igreja estava sujeita a um processo de autodemolição (já no tempo dele!) e que a fumaça de Satanás penetrara no templo de Deus”.

Um silêncio pesado seguiu-se à minha intervenção. Notei que a perplexidade aumentava. Quebrou o silêncio o “progressista”:

— “Olha cara, disse-me ele, a doutrina não mudou em nada. Francisco está pondo apenas em execução uma nova pastoral. O tempo de São Pio X passou”.

Eu ia responder que não me tinha referido a nenhuma doutrina, mas que, de outro lado, a toda pastoral corresponde uma ideologia por detrás, ainda que não explícita. Entretanto, não pude fazê-lo, porque fui atalhado pelo católico fervoroso que disse:

— “Não é porque São Pio X morreu que os ensinamentos dele não valem mais. Aliás, a Igreja tem uma tradição imutável. Além disso, as palavras do Papa Francisco não têm o peso de um ato magisterial. Ele não quis fazer isso”.

A discussão — talvez se prefira qualificá-la de diálogo — terminou abruptamente com o aviso de que o jantar deveria ter início. Cada um daquela roda foi designado para uma mesa diferente. Na medida em que nos encaminhávamos para o salão principal, fui observando as fisionomias dos componentes da roda. Todos estavam perplexos com os acontecimentos. Não de uma perplexidade qualquer, mas como que agredidos pela perplexidade. Lembrei-me então do título de um artigo de Plínio Corrêa de Oliveira que li anos atrás: “Perplexidade que agride”. Ele falava de uma saudação que Paulo VI enviara ao socialista Salvador Allende, que há pouco vencera a eleição presidencial no Chile.
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(*) Gregorio Vivanco Lopes é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)

Postado por Paulo Roberto Campos

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