Adelino Cardoso Cassandra – Téla Nón, opinião
O primeiro-ministro, Patrice Trovoada, acabou de chegar ao país, depois de ter cumprido uma longa temporada fora, e, como é hábito em si, exigiu aos deputados nacionais que pensavam não comparecer na sessão solene da tomada de posse do novo presidente da República, por alegada evocação de fraude eleitoral na referida eleição, que deveriam comparecer na sessão em causa custe o que custasse. Ninguém sabe, todavia, o que pensa o senhor presidente da Assembleia Nacional sobre tal facto nem tão pouco sobre os propósitos de transferência da referida sessão da Assembleia Nacional para a Praça da Independência.
Como habitualmente faz, noutras ocasiões, é o primeiro-ministro que dá ordens para que a sessão em causa seja transferida da Assembleia Nacional para a praça da independência, independentemente daquilo que o presidente da Assembleia Nacional e o órgão principal, neste caso o Plenário, composto por Deputados diretamente eleitos, que representam todo o país, possam entender nesta matéria. O presidente da Assembleia Nacional bem como os deputados nacionais, diretamente eleitos pelo povo, são ignorados neste processo e a própria Assembleia Nacional funciona como uma caixa-de-ressonância dos caprichos monárquicos do senhor primeiro-ministro.
Se existe coisa que deve ser dignificada, neste momento, em S.Tomé e Príncipe, é a nossa casa da democracia que é a Assembleia Nacional.
Quando o senhor primeiro-ministro decidi não informar os deputados sobre as decisões políticas que toma, recusando ir para a Assembleia Nacional fazê-lo está, direta ou indiretamente, a contribuir para a fragilização desta instituição.
Quando o senhor primeiro-ministro dá ordens para que a sessão solene da tomada de posse do novo presidente da República seja realizada na praça da independência, em detrimento da Assembleia Nacional, está, consciente ou inconscientemente, a fragilizar este órgão.
A cerimónia de posse do Presidente da República perante a Assembleia Nacional, representativa de todos os cidadãos nacionais, já é uma tradição entre nós que deveríamos criar condições para a sua continuidade. Tem um valor simbólico inquestionável porque é o momento instituidor da presidência de quem representa a República e garante a independência e unidade do Estado. É na Assembleia Nacional que todos os cidadãos se sentem ou deveriam sentir representados.
Ninguém compreende esta mudança sem uma explicação fundamentada. Entrando no domínio da interpretação política só se pode admitir esta mudança intempestiva com a necessidadede o senhor primeiro-ministro querer diluir ou minimizar, junto do povo e da comunidade internacional, a perceção da fraude associada ao candidato vencedor das referidas eleições ou; em alternativa, num gesto de populismo anacrónico, querer apoucar a elite nacional, que ele diz não precisar dela para nada, festejando, em contrapartida, somente com o seu “povo pequeno”.
Por outro lado, abrindo este precedente, as populações de Cauê, Mé-Zóchi, Lobata, Cantagalo, Lembá e até do Príncipe poderão questionar a razão de tal ato se restringir ao local definido para a sua realização, em detrimento dos respetivos locais, pretendendo-se, todavia, com o momento em causa, dar uma marca fundadora da representatividade, unidade do Estado e garantia da independência.
As instituições da República devem ter uma identidade própria, forjada pelo tempo e pelos homens, disso não tenho dúvidas. E esta identidade decorre das competências definidas nos regimentos de cada organização bem como de outros elementos que não resultam da lei, designadamente a missão, a tradição e o simbolismo próprio.
Ora, se existe a necessidade de aprofundamento da nossa democracia e que, particularmente, este aprofundamento deve ser dado, também, valorizando-se a evolução das instituições da república, a sua tradição e simbolismo, ninguém de bom senso pode compreender que, por manifestação de um populismo vergonhoso, o senhor primeiro-ministro possa mandar transferir a sessão solene da tomada de posse do novo presidente da República para outro lugar quebrando uma tradição e simbolismo que vinha contribuindo para a solidificação da importância da nossa casa de democracia. Isto parece-me insólito e incompreensível porque representa a demonstração de posso, quero e mando com todas as consequências negativas para a solidificação da nossa democracia. Bem sei que a história política e institucional do país não pode ser compreendida ignorando-se as pessoas, quaisquer que elas sejam, na sua grandeza e na sua pequenez. E Patrice Trovoada, no futuro, vai ser julgado, quer queiramos ou não, tendo em conta a sua conduta política nos últimos tempos, como um fraco primeiro-ministro.
O episódio de “Colonos Negros”, fomentado pela nossa televisão pública, desvalorizado de propósito pelo senhor primeiro-ministro, para dividir os Santomenses em bons e maus, consoante estejam ou não com o “Rei”, é um sinal de fraqueza demonstrativo do desprezo com que o senhor primeiro-ministro quer brindar pessoas da dimensão de Alda Espírito Santo, Guadalupe de Ceita, Leonel Mário d´Alva, Filinto Costa Alegre, José FretLauChong, Maria Manuela Margarido,António Barreto Pires dos Santos (Oné),Carlos Graça, Frederico Sequeira, Armindo Vaz, o atual presidente da República, Manuel Pinto da Costa e outros nacionalistas e ex-governantes que, em condições desfavoráveis e difíceis, de ponto de vista físico, nalguns casos, demonstrando caráter de forte gente, criaram condições para que, hoje, ele pudesse ter “ambições monárquicas” na organização do poder na nossa terra.
Estes tiques absolutistas, de implementação de grandeza real,num pequeno território como o nosso, com características arquipelágicas, têm ganho contornos incomensuráveis, com duas grandes consequências: a fragilização das nossas instituições e, nalguns casos, restrição de direitos fundamentais dos cidadãos.
No processo de avaliação dos juízes, por exemplo, o senhor primeiro-ministro, substituindo-se aos responsáveis pela organização e desenvolvimento da tarefa em causa, andou a dar palpites sobre destino dos juízes avaliados com uma classificação de medíocre descredibilizando todo o processo em causa e contaminando-o politicamente. Não creio que este processo tenha pernas para andar, depois da intervenção política do senhor primeiro-ministro nele, de forma desastrosa e inadvertida.
Por outro lado, ninguém compreende a tentação do senhor primeiro-ministro quando, substituindo-se ao presidente da Comissão Eleitoral Nacional, andou a debitar juízos de valor definitivos sobre os resultados e consequências do recente processo e ato eleitoral comprometendo-os politicamente. Creio mesmo que esta intervenção extemporânea e desnecessária do senhor primeiro-ministro no referido processo é que criou condições para o aprofundamento do antagonismo que se veio verificar posteriormente.
O senhor primeiro-ministro quer, ao mesmo tempo, ser presidente da Assembleia Nacional, Presidente da Comissão Eleitoral Nacional, membro da equipa de inspeção do Conselho Superior de Magistratura e simultaneamente primeiro-ministro.
Ou seja, o senhor primeiro-ministro não abdica de se comportar como um Rei que, em vez de criar condições para a consolidação da nossa democracia decorrente do aprofundamento do institucionalismo, (coisa de que precisamos neste momento, como de pão para a boca)por oposição à indistinção de funções, assume-se como o principal obstáculo àquele propósito criando condições, objetivas ou subjetivas, para a continuação da promoção do abuso de poder na nossa terra.
Só assim se compreende, por exemplo, que um cidadão exemplar como Filinto Costa Alegre, tenha sido vilipendiado, maltratado, perseguido politicamente, condenado e julgado na praça pública, injustamente, por sequazes a soldo de um poder, aparentemente invisível, contando com a ajuda da TVS, pelo facto de ter sido, atempadamente, identificado pela cúpula de tal poder, como um forte e potencial candidato presidencial às eleições que aconteceram recentemente no país. Nada justifica um ato tão vil e cobarde, em nome da política, tendo como referência a criação de condições para a amplificação do poder na nossa terra. Eu, também, como cidadão, senti-me atingido com esta atitude e só espero que o julgamento deste caso, salvaguardando o princípio constitucional da presunção da inocência, seja tão claro quanto possível e que todos os malfeitores desta iniciativa, independentemente da sua posição política e social, paguem um preço alto por aquilo que fizeram. Não pode ser este o exemplo que podemos fornecer aos cidadãos, sobretudo às gerações mais novas, em nome da política.
Da mesma forma, ninguém compreende que a melhor jornalista que temos na nossa televisão pública, Conceição Deus Lima, continue a ser perseguida, marginalizada, desprezada e desvalorizada tendo como propósito único, a construção de uma televisão, como a da Correia do Norte, cuja referência fiz no artigo anterior e que o episódio “Colonos Negros”, desvalorizado pelo senhor primeiro-ministro, veio caracterizá-la de forma definitiva. Qualquer país do mundo que tenha uma profissional com as competências culturais e qualificações profissionais da Conceição Deus Lima, teria a única tentação de colocar este recurso ao serviço da nação justamente num contexto onde prospera, ainda, infelizmente, a ignorância, a incompetência e a iliteracia. Isto, contudo, não pode acontecer no nosso país porque, como afirmou o próprio primeiro-ministro, a nossa elite está proibida de servir a pátria em detrimento do “povo pequeno” pelo menos durante a presente dinastia Trovoadesca.
Estes dois casos, entre tantos outros que eu poderia mencionar neste artigo, traduzem uma experiência governativa: desastrosa; intimidatória; que restringe os direitos fundamentais dos cidadãos; que divide a nossa sociedade entre bons e maus, de acordo com a classificação e preferência do senhor primeiro-ministro caracterizada entre o “povo pequeno” e a elite nacional; que cria uma cultura política arcaizante, dificultadorada emergência do debate político no país e, consequentemente, de condições para um sistemático escrutínio das ações do governo; que demoniza, humilha e persegue os potenciais adversários políticos e críticos; que tem como base de sustentação o culto de personalidade contando com o exercício e colaboração da TVS e rádio nacional; cuja tentação populista de contacto direto entre o “Rei” e o povo é sobrevalorizada em detrimento de criação de condições para a consolidação das nossas instituições e, por último, cujo exercício do poder estatal está a serviço de favorecimento de clientela partidária em desfavor de causas.
Estamos, por isso, neste momento, mais fracos, mais pobres e menos esperançosos. Somos, cada vez mais, menos respeitados por outros países e povos. É neste clima político e emocional que o próximo presidente da república vai tomar posse, no meio do povo, por vontade expressa do primeiro-ministro que, por sua vez, fará o papel de Rei.
Como diria Camões: O Fraco Rei faz Fraca a Forte Gente!
Na foto: PM Patrice Trovoada, o Monarca - como já lhe chamam.
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