Hoje vou fazer um pequeno interregno nos Macroscópios dedicados às eleições norte-americanas, mas prometo-vos que amanhã deixarei aqui um amplo conjunto de pistas que possam ajudar quem se predispuser a ficar acordado para seguir o curso da votação (como eu ficarei). Até lá aproveitemos para outras leituras, um pouco salteadas, mas todas estimulantes.
Começo por dois textos que julgo relevantes a propósito da recente decisão da justiça britânica de obrigar a que o pedido de saída do Reino Unido da União Europeia passe pelo Parlamento. É um tema a que deveria ter dado mais atenção, mas mesmo assim aqui fica uma primeira contribuição:
- Article 50 decision: what does this mean for Brexit?, um guia muito bem feito pelo Financial Times sobre o que se segue agora que o tribunal decidiu a favor de um voto parlamentar. Eis o ponto em que se explica a importância histórica da dcisão dos juízes: “The crux of the case was whether the government could trigger Article 50 using its prerogative powers — the residue of powers once held by the monarch, which covers the making and unmaking of international treaties. The government said it did have these powers. The case is of huge historic importance because it defines the extent of royal prerogative in Britain’s uncodified constitution, which has been built up over many centuries.”
- Supremacy of Parliament is the whole point of Brexit, um oportuno comentário de Ambrose Evans-Pritchard, alguém que votou pelo “leave” mas que agora veio defender a decisão dos juízes que enfureceu os mais radicais e sanguíneos adeptos do Brexit. Recorde-se que Ambrose tinha justificado a sua opção de voto por entender que só assim se defendia a soberania do Parlamento de Westminster (citei o seu texto no Macroscópio, posso recordá-lo hoje: Brexit vote is about the supremacy of Parliament and nothing else: Why I am voting to leave the EU). Agora neste texto onde expõe o modelo de Brexit que defende que a decisão “is a triumph for those who want a liberal withdrawal from the EU on cordial terms, and place the highest value on the cohesion of the UK’s four constituent nations”. Mais adiante explica que é necessário mais cabeça fria e mais espírito de compromisso: “No party or grouping has ownership of this process, or a monopoly on how to interpret the vote. The British signalled many different things on June 23. There was not a single word on the ballot sheet about immigration, despite a reductionist attempt by some in the Leave camp to make it seem so. Remainers and moderate Brexiteers together form a large majority of citizens. They are in implicit alliance over the nature of Brexit, if they could only stop arguing like maniacal factions”.
Numa altura em que temos estado com os olhos postos nos Estados Unidos é possível que estejamos a dar menos atenção ao que se passa na nossa própria casa. Ora a verdade é que a ascensão dos populismos não é um exclusivo norte-americano, pelo que vale a pena passar os olhos por dois textos que o recordam de forma muito vívida.
- The ruthlessly effective rebranding of Europe’s new far righté uma longa, longa reportagem/inquérito do The Guardian, fruto do trabalho de um ano de investigação de Sasha Polakow-Suransky em vários países do nosso velho continente. Escrito de acordo com o ponto de vista daquele jornal tradicionalmente identificado com a esquerda trabalhista, nele toca-se na ferida: “Across the continent, rightwing populist parties have seized control of the political conversation. How have they done it? By stealing the language, causes and voters of the traditional left”. Mas não só, como se vê neste exemplo do que se passou na Holanda: “The Dutch Labour party, he argues, gave up on its working-class base: “They made a major mistake,” he says of his old rivals, with a tinge of satisfaction. Faced with “the choice between the foreign-born and the labour classes, they chose the foreign-born … and they’ve paid for it dearly”. Current polls project that the party will drop from the 36 seats it now holds (out of 150) to just 10. Marcouch concedes that, like the old leftists in France, many former Labour voters now back Wilders. Moreover, he says, they still live in the very neighbourhoods that families such as his own moved into in the 1980s, as many white Dutch families were moving out. “Their message to the Labour party,” he said, “is: ‘You ignored us. You let it happen.’”
- Europe’s Populist Surge, de Cas Mudde na última edição da Foreig Affairs é uma análise cuja tese central se resume em poucas palavras: “In essence, the populist surge is an illiberal democratic response to decades of undemocratic liberal policies”. Ou seja, não estamos perante um fenómeno conjuntural, derivado de problemas com a imigração ou a crise económica: “But although the threats to security and economic stability that have rattled Europe in the past few years may have spurred the current populist surge, they did not create it. Its origins lie further back, in the structural shifts in European society and politics that began in the 1960s. Because so much commentary on contemporary populism overlooks its deep historical sources, many observers fail to appreciate the durability of today’s populist appeals and the likely staying power of the parties built around them.”
Para acabar por hoje, pois é tarde e o dia de amanhã será longo, uma última sugestão remetendo para uma região de eterno conflito, sempre a ganhar novos contornos: Israel e o mundo árabe. Desta vez a minha escolha recai num ensaio do Wall Street Journal, How Archaeology Became an Israeli-Palestinian Battleground que tem como ponto de partida um muito controverso voto da UNESCO sobre a Terra Santa que, ao mesmo tempo que reconhece o carácter sagrado do Monte do Templo para os muçulmanos, omite a existência do Muro das Lamentações, um local de ainda maior veneração para os judeus e que é parte do mesmo conjunto histórico. Este trabalho inclui também referências às escavações que estão a ter lugar na Igreja do Santo Sepulcro, onde a pedra que cobria o local onde tradicionalmente se considerava que Jesus foi sepultado foi levantada para trabalhos de restauro. Tudo isto com muito pano para mangas: “Archaeology has long been used by the state of Israel as a means of demonstrating modern Jewish rights to an old land. Palestinians, for their part, have often resisted these findings, either rejecting them outright or pointing to other ancient artifacts to support their own national claims. In the Holy Land, historical heritage is one of the few truly abundant resources, and it stands at the center of the latest battle in the decades-old conflict.”
E por hoje é tudo. Bom descanso, boas leituras e só não vos desejo que votem bem esta terça-feira pois suponho que poucos poderão depositar o seu papelinho para escolherem entre Hillary e Trump.
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