O ponto de partida para o Macroscópio de hoje é um livro que está a chegar às livrarias: As 10 Questões do Colapso, de João César das Neves. Depois de As 10 Questões da Crise e As 10 Questões da Recuperação, neste terceiro livro o professor de Economia fala-nos de uma provável derrocada financeira em Portugal com data marcadas: 2016-2017. Escrito neste Verão, é um livro mais pessimista sobre a evolução da economia e das finanças portuguesas do que o optimismo dominante das semanas mais recentes. Desactualizado ainda antes de poder ser lido? Nem por isso. Catastrofista em tempos de “descompressão”? Também não. Sobretudo didático ao abordar as suas dez questões – “O colapso é inevitável?; O mundo vive uma mudança de época?; Porque temos taxas de juro negativas?; Porque se agrava a desigualdade?; O extremismo vai vencer?; O que se passa no orçamento?; Porque está a banca assim?; Porque não cresce a economia?; Que vai acontecer?; Que devemos fazer?” – a obra de César das Neves chama sobretudo a atenção para as debilidades estruturais do nosso país, aquelas que fazem com que a economia praticamente não cresça desde que aderimos ao euro.
No Observador pré-publicamos precisamente uma parte do capítulo sobre as razões porque não cresce a economia num especial chamado As 10 questões para a (futura) derrocada financeira, segundo César das Neves. Não me querendo substituir à leitura que vivamente recomendo desta passagem do livro, aqui vos deixo apenas um aperitivo: “Depois de grandes quedas costumam surgir recuperações fortes, mesmo que seja só por ressalto. Não é esse o caso em Portugal. Aquilo que se conseguiu desde o primeiro trimestre de 2013 tem sido a dinâmica mais anémica de que qualquer pessoa viva se consegue lembrar. É possível provar este facto com alguns exercícios simples mas sugestivos.”
Deixo esses exercícios à vossa curiosidade e acrescento alguma informação, recorrendo a uma pequena entrevista que César das Neves deu ao Expresso, O colapso financeiro de Portugal(paywall), onde ele critica a apatia e a condescência com que se encaram os problemas: “A situação na economia portuguesa é muito ambígua. Temos sinais muito bons. O desemprego está a descer muito. A economia está a crescer. E, por outro lado, temos sinais assustadores: o investimento, a situação na banca. Há gente que olha para aquilo que está a correr bem e acha que está tudo resolvido, que tudo pode voltar ao normal. Aliás, essa é a atitude de muita da nossa elite.”
Fugindo da discussão política e partidária, que essa tem palco de sobra nos ringues das nossas televisões, não é difícil perceber que o professor da Universidade Católica se refere aos que, nesta altura, mesmo não fazendo parte desses círculos, preferem ver apenas o copo meio-cheio e não ter grandes dores de cabeça. Contudo, lendo com atenção o que foi sendo publicado de análises e reflexões sobre os números mais recentes do crescimento económico, verifica-se que o tom geral é de prudência, quando não do mesmo pessimismo lúcido que perpassa pelo livro que César das Neves. É o caso, por exemplo, de Pedro Romano, que alimenta um dos nossos mais interessantes blogues de economia, Desvio Colossal, e que numa análise aos primeiros números do PIB do terceiro trimestre, se interroga sobre se esses resultados “sinalizam uma nova tendência, ou acrescentam apenas ruído?” Ao que responde: “Aqui eu seria bastante prudente. Desde 2013 já houve pelo menos dois trimestres de crescimento rápido – e aqui defino ‘crescimento rápido’ como crescimento-acima-de-0,5% – e em ambas as alturas a boa performance (barras verdes) foi seguida de uma forte correcção (barras vermelhas), com o PIB a recuar.” (gráfico abaixo)
A mesma prudência informa a coluna Centeno é mágico ou ilusionista? de João Vieira Pereira no Expresso: “Tudo aponta para que tenha sido o turismo a principal causa deste resultado inesperado. E resta saber se não houve nenhum facto pontual que fez mexer a agulha mais para cima. O Correio da Manhã escreve que a venda concretizada em Setembro dos F-16 à Roménia ajudou o crescimento das exportações (dizendo que a explicação é do próprio INE). Como não temos aviões dados pelos EUA para vender a outros países todos os trimestres, este valor não se voltará a repetir. (…) Por último a procura interna, embora mais ativa, continua a desapontar. E longe das metas do Governo. E aquela que existe parece sustentada no aumento exponencial do crédito ao consumo e na diminuição da poupança. Tudo isto é muito mais uma ilusão do que estrutural. Muito menos é sustentável. E pouco ou nada está ligado à política económica de Mário Centeno”.
Enquanto esperamos pelo final do mês, altura em que o INE dará informação mais detalhada sobre as diferentes componentes do crescimento económico do 3º trimestre, passemos ao que pode ser dito sobre o que já se sabe. E o que se sabe, por exemplo, é que o que aconteceu neste período pode não se repetir no último trimestre do ano, como nota André Veríssimo em O PIB na superlua, um editorial do Jornal de Negócios, onde considera que “Os números mostram que as exportadoras e o sector do turismo estão a fazer bem o seu trabalho. Mas dificilmente o cenário irá repetir-se no último trimestre. Se o Governo não se intrometer, é bom. Melhor seria que ajudasse a tornar ainda mais competitiva a economia portuguesa, mas não se vê que isso seja uma prioridade.”
Ou seja, tivemos estes bons resultados apesar das políticas públicas desta maioria, não induzidos por elas. Este é, de resto, um dos tópicos mais recorrentes nas diferentes análises, como a de outro economista, Pedro Arroja, noutro blogue, O Insurgente, em... ainda bem! Escreve ele que “Os dados são duplamente surpreendentes. Porque surpreenderam pela positiva, e ainda bem. E, ao mesmo tempo, são surpreendentes porque não reflectem de modo algum a estratégia económica do Governo. É, pois, paradoxal que um Governo que fez da aposta no consumo interno a sua força motriz veja a economia portuguesa alcançar os melhores resultados trimestrais dos últimos anos não por via da procura interna, mas sim através da procura externa. A este propósito, na decomposição da variação em cadeia do PIB (entre o segundo e o terceiro trimestres) observa o INE [que] “a procura interna registou um contributo negativo”. Moral da história: a política económica do Governo pouco tem a ver com o número hoje divulgado. Ainda bem.”
Saúde-se o que é de saudar, compreenda-se o que deve ser compreendido, defende também Pedro Braz Teixeira no Eco, em Reconhecer os erros. Para ele estes dados “deveriam ajudar o governo a perceber o erro de ter mudado a estratégia económica do país, de um foco nas exportações (ou bens transaccionáveis se preferirem) para a procura interna. Se não têm coragem de o assumir publicamente, já que existe a errada ideia feita de que reconhecer um erro é uma falta grave em política, ao menos reconheçam-no na prática, aumentando o apoio e, sobretudo, retirando os obstáculos absurdos à actividade das empresas exportadoras.”
Veremos se estes desejos se concretizam – ou se estes conselhos são seguidos – pois, como notou no Observador Helena Garrido em O que nos diz a economia, se é verdade que “neste momento, parece que a economia portuguesa está a navegar para águas mais calmas”, também é verdade que “Não, ainda não estamos fora da zona de perigo”. Pelo que “É preciso que esta recuperação da economia no terceiro trimestre se confirme e se reforce rapidamente antes de chegar o aumento das taxas de juro”.
Sem este rápido reforço do crescimento económico – que na realidade ninguém prevê, nem os “irritantes optimistas”, podemos estar limitados à menor das ambições, à ambição de que Tudo o que não seja um resgate já é bom, como defendeu Paulo Ferreira no Eco. Aquele jornalista considera que a euforia com os números do PIB do terceiro trimestre são um sintoma de que nos contentamos com pouco, com muito pouco: “Resignados com a crónica anemia, consideramos um grande feito que a economia possa crescer 1,2% este ano, abaixo do número do ano passado mas, sobretudo, muito distante daquilo que o país precisa em nome da decência. Já temos os níveis de exigência a zeros. Qualquer coisa que não seja uma recessão ou a iminência de um resgate já nos serve de alegria e como prova de que tudo está nos devidos carris e a ser um enorme sucesso.”
Esta resignação – para mais travestida de grandes festejos – contrasta com a ambição de há apenas um ano, uma ambição que então se traduzia num discurso político bastante assertivo por parte da oposição de então. Isso mesmo recordo na minha própria análise a estes números, no Observador: Estamos tão afogados em boas notícias que nem notamos que estamos… afogados. Mais concretamente, “A dura verdade é que estes números permitem que o crescimento fique, muito provavelmente, pelos 1,2% da mais recente previsão do Governo, ou seja, metade do que o PS prometera no seu programa eleitoral e um terço menos do que estava inscrito no Orçamento do Estado, que já fora revisto em baixa. Mais: 1,2% ou mesmo 1,3% de crescimento em 2016 compararão sempre com os 1,6% de 2015.”
Em política o confronto entre a realidade e as expectativas é sempre muito importante, e desta vez as expectativas para o crescimento era tão baixas que o lucro político foi todo da maioria. Que tirou partido de outras notícias favoráveis (a aprovação do OE2017 pela Comissão Europeia) para continuar a festejar, nomeadamente com dados da execução orçamental que parecem muito positivos mas estarão a ser pouco escrutinados, como notei na mesma crónica, ao falar da “pouca atenção que é dada à forma como estará a ser conseguido” cumprir o défice de 2016, a começar pela falta de investimento que permitiu o actual “estado catatónico dos equipamentos de empresas públicas como o Metro” ou “o silêncio que acompanha a falta de meios no Serviço Nacional de Saúde”. Mais: “Há também a informação recente de que as dotações orçamentais públicas para a investigação científica caíram 4,4% em 2016. Mas que tal acrescentar-vos que nalgumas escolas deste país as cartas são rejeitadas pelos CTT por falta de pagamento? E que noutras a EDP recebe às prestações? Ou que nalgumas os fornecedores de papel ou de livros têm contas por pagar há mais de um ano? As cativações são isto, são esta penúria escondida pelo silêncio cúmplice e interesseiro dos sindicatos.”
O Orçamento e a execução orçamental, mesmo podendo ser parte do quadro geral desta economia sem um crescimento saudável e sustentável – a derradeira causa do “colapso” com que iniciámos esta newsletter, são mesmo assim contas de outro rosário a que, tal como a novela sem fim da CGD, um dia teremos de voltar, quando mais luz se fizer.
Tenham um bom descanso.
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