quinta-feira, 13 de abril de 2017

Macroscópio – Uma Páscoa a pensar em França

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Este domingo é o da Páscoa, o próximo o da primeira volta das eleições presidenciais francesas. De todas as eleições europeias de 2017 estas serão, provavelmente, as que mais expectativas suscitam, porque é delas que pode sair uma mudança capaz de mudar o rumo da Europa de forma radical. Falo, naturalmente, da hipótese de Marine Le Pen ganhar, uma hipótese que, hoje por hoje, parece pouco credível mas que, depois das surpresas de 2016 ninguém coloca completamente de lado. Por isso, apesar de este fim-de-semana termos um importante referendo constitucional na Turquia (sobre o qual podem ler quer o pertinente editorial da The Economist, Turkey is sliding into dictatorship, quer o interessante especial do Observador, O que pensam os jovens que temem Erdogan), decidi dedicar o Macroscópio de hoje às eleições francesas.
 
Primeiro, o que está em causa. Uma boa introdução é a do Politico, As goes France, so goes the EU, onde se defende que os eleitores franceses têm o futuro da Europa nas mãos. Ou seja, “in the wake of Britain’s vote to leave the EU and the election of Donald Trump in the United States, the choice between isolationism and internationalism, between a closed, protectionist, angry France and an open, economically liberalizing, optimistic one is a litmus test that will shape Europe’s future for years to come.”
 
Outra excelente introdução – porventura melhor, perdoem-me a prosápia – é a que resulta das análises de Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto no Conversas à Quinta de hoje, As eleições francesas podem ser mais renhidas do que muitos pensam. Com detalhe analítico e profundidade histórica, falámos sobre o que realmente representa a Frente Nacional, o significado da candidatura de Macron, o fenómeno da extrema-esquerda representada por Jean-Luc Mélenchon, o provável desastre socialista com Hamon e, ainda, o dia seguinte de uma direita que a candidatura de Fillon não uniu. (Podcast aqui.)
 
Já para conhecer o sentido das mais recentes sondagens, vou até à The Economist de hoje e à sua síntese, France’s presidential election is a four-way race, onde se destaca a subida nas sondagens de Mélenchon e os especialistas confessam a sua dificuldade em prever o que se vai passar daqui a apenas 10 dias: “Two elements make predicting the results especially precarious. One is turnout, which averages about 80% for presidential votes. Polls suggest that it might drop to as low as two-thirds this year, which could further damage traditional candidates and help Ms Le Pen. Equally unusual, only 60% of voters say they are sure of their choice, a figure that is highest among Ms Le Pen’s voters (76%) and low among those who back Mr Macron (55%). This not only hints at the fragility of Mr Macron’s vote. It also leaves a big chunk of volatile voters close to voting day, possibly ready to vote tactically depending on the final polls. Last-minute deciders, says Edouard Lecerf, of Kantar TNS-Sofres, a pollster, used to reflect the national averages; this time, they may not.”

Como se chegou aqui e como Marine Le Pen surge como favorita para chegar à frente na primeira volta é a pergunta que muitos se fazem – e que tem levado muitos jornalistas à procura de respostas junto do seu eleitorado. Gostava de vos recomendar dois trabalhos diferentes do mesmo jornal, o Financial Times. O primeiro é uma reportagem numa cidade do sul da França, a região onde a FN começou a crescer ainda no tempo do pai de Marine, o fundador do partido. Em The French town that shows how Marine Le Pen could win vamos até Béziers ver como a população local lida com uma minoria muçulmana que é cada vez menos minoria. Ouçamos o presidente da edilidade, eleito pela FN: “Look around, 30 years ago, it wasn’t like that,” the 63-year-old politician says of the estate. He lived in this part of Béziers as a teenager: his Alsatian family settled in Algeria then returned to France when he was nine. “The population is changing, it’s a fact, and it’s a fact I dislike. This is France in 20 years,” he says, adding: “Minorities are never a problem as long as they stay minorities.”
 
Na segunda reportagem, um vídeo, o Financial Times conduz-nos até uma região completamente diferente, o nordeste, já próximo da fronteira com a Bélgica, uma zona onde antes a esquerda socialista e comunista era esmagadoramente maioritária. Em The town that turned to Le Pen viajamos até Henin Beaumont, uma antiga cidade mineira, e ouvimos tanto apoiante de Marine Le Pen como velhos, e raros, militantes comunistas que continuam a ser comunistas. Muito educativo e revelador. Eu, que estive na Pensilvânia em zonas desindustrializadas que trocaram a sua filiação aos democratas para votarem em Trump encontrei nesta reportagem muitos paralelismos.
 
Igualmente interessante para conhecer melhor a personagem Marine Le Pen é o trabalho do correspondente do Expresso em Paris, publicado no passado sábado com grande destaque. Acessível online apenas a assinantes, Simplesmente Marine conta-nos como a líder da Frente Nacional se tornou na figura quase familiar para a generalidade dos franceses: “Chamavam ao pai “monsieur Le Pen”. À filha, Marine, sua sucessora na liderança da Frente Nacional, não chamam sequer “madame”. Ela parece já fazer parte da família de toda a gente. Raramente se assistiu em França a tamanha familiaridade com uma personalidade política.” Mais adiante explica-se que “As razões da ascensão fulgurante de Marine Le Pen na cena francesa têm muito que ver com a sua modernidade pessoal apesar de ela, no discurso político, manter muitos dos mesmas temas que outrora caracterizavam a FN: a prioridade aos franceses no emprego, na habitação e no acesso aos subsídios e serviços sociais, a luta contra a imigração e a globalização, contra as elites e a classe dirigente francesa do poder, que ela acusa de estar vendida a Bruxelas, à banca e às multinacionais. No entanto, com ela, desapareceram todas as referências, ao racismo e ao antissemitismo. O pai era useiro e vezeiro neste tipo de provocações, ela despreza-as e combate-as. Tem mesmo expulsado do partido todos os que ousam repetir este género de asserções que eram tão caras a Jean-Marie Le Pen.”
 

Com estes trunfos, “Marine” podrá bailar, escreve Sami Nair no El Pais: “Marine” es casi una amiga protectora de los desheredados nacionales en un país “colonizado” por inmigrantes y amenazado a sangre por los tecnócratas europeos. A muchos su discurso les parece legítimo, natural, necesario. Domina poco a poco el sentido común, lo cual expresa, como bien se sabe, la quintaesencia de la política de las pasiones en oposición a la política de la razón. Tiene éxito, porque la democracia francesa está enferma y tendrá más peso aún, porque el sistema partidario tradicional está muriendo.”
 
Mas se sobre Marine Le Pen muito se tem falado e escrito, quem é afinal Emmanuel Macron, antigo ministro socialista, hoje um centrista independente, que parece o melhor colocado para disputar com ela a segunda volta? Uma boa forma de o começar a conhecer é ouvi-lo, e acontece que a RTP o entrevistou esta semana, uma conversa de meia hora conduzida por Paulo Dentinho que pode ser vista através do RTP Play em Edição Especial: Entrevista Emmanuel Macron. Talvez o mais marcante do que ouvimos tenham sido as suas propostas para o futuro da Europa, uma Europa a várias velocidades mas com uma zona euro fortalecida e com um orçamento próprio.
 
Já o britânico The Times também esteve à conversa com ele – Emmanuel Macron on Brexit, Le Pen and the teacher who became his wife –, sendo que neste encontro também esteve presente a sua mulher (que tem 63 anos, ou seja, é 24 anos mais velha do ele) que faz declarações que ajudam a perceber melhor a sua personalidade. Pequeno extracto: “To meet Macron is to meet an enigma, both unsettling and attractive. This unknowability has lent itself to countless conspiracy theories. The most demented hold that Macron has a double life as a freemason and — apparently because he once worked at a Rothschild investment bank — is an agent of a Jewish conspiracy to take over the world, despite the fact that he went to a Catholic school. Type “Macron est il ...” into Google and the first result is “juif” — Jewish. He isn’t.”
 
Para compreender o que pode significar a candidatura de Macron para a esquerda, e para o PS francês em particular, mais três leituras:
  • Macron: o candidato do pós-socialismo, de Cristina Semblano, uma economista e autarca na região parisiense, que saiu hoje no Diário de Notícias e que é revelador da fúria dos sectores mais à esquerda com este homem que vêm simultaneamente como prolongamento da “traição” de Hollande. Esta passagem é reveladora do registo deste texto: “Foi durante este quinquénio que os socialistas franceses deixaram cair por completo a máscara. Agora, ficou patente perante todos que os socialistas podiam fazer exatamente como a direita e, até, ir mais longe do que ela, se necessário.” Mais: “O seu sucessor é o macronismo, uma tendência indefinida, nem de direita nem de esquerda, desideologizada, como desideologizado é o neoliberalismo que esconde a ideologia atrás da técnica, para reduzir as opções de vida a uma só, a do there is no alternative de Margaret Thachter e dos seus discípulos.”
  • O fim do PS francês, de Ricardo Costa no Expresso diário (paywall), onde procura explicar as consequências de Hamon, o candidato socialista, ficar num humilhante quinto lugar: “Se a vitória sorrir a Macron - apesar das permanentes mudanças nas sondagens, ainda é o cenário mais provável - o Presidente não tem tecnicamente grupo parlamentar e o seu En Marche nem sequer é bem um partido. Algo vai ter que acontecer no PS para esta nova fase da V República e o mais lógico é o fim ou a refundação de um partido que cruzou as últimas décadas da política francesa.”
  • Macron’s movement confronts challenge of political renewal, de novo uma reportagem do Financial Times, sendo que nesta se mostra como é difícil um novo partido, como o que Macron criou, o Em Marche!, afirmar-se no terreno e criar uma máquina que lhe permita, uma vez eleito Presidente, conseguir depois ter maioria nas eleições legislativas que se seguem às presidenciais. Por exemplo: “There’s a tension between a willingness to break the codes of politics and the reality on the ground,” Prof Faucher says. “Locally, voters tend to turn to known political figures. You need seasoned politicians to run local campaigns.” She adds: “Macron said he would reject partnerships but he will have to strike alliances à la carte, case by case. He is going to be criticised for it but it’s necessary if he wants a majority in parliament.”
 
Faltam, como dissemos a abrir, 10 dias. Serão 10 dias especialmente interessantes. Para já desejo a todos os leitores do Macroscópio bom descanso e uma boa Páscoa.
 
PS. Um pequeno alerta, para os interessados marcarem já nas suas agendas: no próximo dia 18 de Abril o Observador lança uma série de Conversas em parceria com o Banco Popular, numa iniciativa a que chamámos OBSERVAMOS MAIS e onde vamos reunir convidados de várias áreas para conversar sobre temas como Mais Cooperação, Mais Tempo, Mais Cidadania, Mais Educação, Mais Solidariedade. Nesta primeira discussão sobre mais cooperação participarão, sob moderação de Helena GarridoSofia Tenreiro, diretora-geral da Cisco, Claudio Sunkel, investigador, professor catedrático e vice-diretor do I3S, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, Luísa Valle, diretora do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano e responsável pelo programa PARTIS – Práticas Artísticas para Inclusão Social, e André Valério, co-fundador da Kunoleco, projeto pioneiro de engenharia social. Haverá transmissão em directo aqui no site do Observador, mas a sessão é aberta a todos e decorrerá no Espaço Conversas Soltas Popular, Rua Ramalho Ortigão, 51, em Lisboa. Pode reservar o seu lugar aqui.
 
 
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