segunda-feira, 15 de maio de 2017

ACORDAR DO SONHO


Afonso Camões* | Jornal de Notícias | opinião

Não fora o Papa, o Benfica ou o Salvador, a maré-cheia dos noticiários estaria, desde sexta-feira, no ataque informático de grandes dimensões que atingiu sobretudo empresas de telecomunicações e energia, mas também a Banca e, no caso britânico, os hospitais do serviço nacional de saúde. "Um ciberataque sem precedentes", diz a Europol, o gabinete europeu de polícias de investigação. Foram mais de 40 mil incidentes em 74 países, Portugal incluído. Nalguns casos, os piratas reclamam resgate em troca de informações sequestradas nos computadores violados. Confirma-se a profecia do antigo diretor de segurança norte-americano, James Clapper que, há um ano, alertava que os ataques cibernéticos são ameaça maior do que o terrorismo jiadista.

Lembram-se de a Internet nos sorrir como um espaço de liberdade? Ali não existiam estados, nem fronteiras, nem ideologias, nem poder. Havia apenas pessoas livres, navegando e comunicando entre si. Esse sonho libertário, imaginado por jovens de jeans e sapatilhas, é cada vez mais uma utopia irrealizável. Em mãos criminosas, a Internet é também arma de crime. E converteu-se hoje num espaço de competição geopolítica que os estados aspiram a controlar. Ou a evitar que outros controlem.

O mapa-mundo da pirataria digital é arrepiante. Os ataques, ou invasões, na forma de vírus ou cavalos de Troia, podem roubar códigos de acesso a contas bancárias ou alterar e destruir redes elétricas, sistemas de abastecimento de água, centrais nucleares. Ou seja, podem afetar severamente a vida dos cidadãos e o normal funcionamento das economias.

As maiores e mais ricas empresas do Mundo são desse universo de inteligência eletrónica. Nenhuma delas é europeia. Fora do alcance dos nossos olhares há também uma geração de armas digitais, com enorme poder de destruição. E nesse jogo perigoso, China, Rússia, Israel e Estados Unidos vão à frente. Assim como a pólvora ou a máquina a vapor redistribuíram o poder entre os estados, estamos perante uma nova revolução. E, nesta, só sobrevive em liberdade quem dominar a tecnologia digital. A Europa poderia disputar e ganhar o jogo, tem os recursos para isso. Mas antes deveria tomar consciência de que o seu futuro se joga aí: generalizar as redes, aperfeiçoar o mercado interno digital, mais wi-fi e sem roaming, e, sobretudo, fomentar e reter a inovação, para que os nossos jovens talentos não tenham de emigrar para as Silicon Valley deste Mundo, em busca de capital e oportunidades.

* Diretor

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