Não houve surpresa nas eleições presidenciais francesas. Ou se houve foi a da dimensão da vitória de Emmanuel Macron. E na derrota de Marine Le Pen que ficou longe, muito longe, do patamar dos 40%. Depois de uma noite marcada pela encenação da entrada do Presidente eleito no palco montado junto à pirâmide do Louvre e de uma segunda-feira em que surgiu ao lado do ainda Presidente Hollande nas comemorações do fim da II Guerra Mundial, a generalidade das atenções volta-se já para as eleições legislativas, marcadas para daqui a seis semanas e que serão decisivas para saber se Macron consegue uma maioria para governar. No Macroscópio de hoje reunimos algumas análises e opiniões sobre o que se passou e vai passar em França, que organizaremos por blocos.
Os resultados de domingo.
Não sei se os leitores me acompanham, mas não dispenso mapas e gráficos no dia seguinte a umas eleições – e um dos melhores conjuntos que encontrei foi no Financial Times, em French election results: Macron’s victory in charts (de onde é o mapa com que abre esta newsletter). Para completar a informação, dois “décodeurs” do Le Monde: la carte des résultats du second tour, commune par commune e un record de votes blancs et nuls (12%, algo de nunca visto). No Observador também seleccionámos alguns dos números mais significativos em As eleições francesas em 10 números.
Para uma análise mais fina do que passou uma boa sugestão é a leitura da do Le Figaro, Plébiscite dans les grandes villes pour Macron, Le Pen conserve des places fortes. Aí se sublinha, por exemplo, que “Le candidat d'En marche! dépasse les 80% dans de nombreuses grandes villes. Il frôle même les 90% dans la capitale. Loin de ces résultats, Marine Le Pen conserve certains fiefs dans le Nord ou le Sud-Est du pays, même si elle a perdu dans plusieurs communes dirigées par des maires frontistes.”
Continuando na análise dos resultados mas alargando já horizontes para as suas consequências, destaco o texto de Pierre Briançon no Politico, 5 takeaways from Emmanuel Macron’s win in France. O autor defende que a eleição foi um “Setback for far right, but populism alive and well”. O que explica assim: “Populism is not only a right-wing movement and the divide, as described by Macron, over whether economies should be open or closed is one that runs through the Left as well. The surge of Mélenchon in the first round showed that Macron’s ideas aren’t shared by many of those who voted for him Sunday.”
Para quem quiser recapitular a noite de ontem, João Almeida Dias, o enviado do Observador, escreveu uma interessante reportagem a partir de Paris – Macron ganhou, mas a próxima batalha é já daqui a seis semanas – e para uma leitura brevíssima dos resultados eu próprio gravei uma pequeno vídeo - Alívio mas... Le Pen já não mete tanto medo.
O que se escreveu em Portugal
Desta vez já há bastantes textos de opinião e análise em quase todos os sites noticiosos, dos quais começo por destacar os do Observador, começando por Rui Ramos que, em França: a dúvida no coração da Europa, reflecte sobre as estratégias que poderão ser seguidas nas próximas e cruciais eleições legislativas, notando que delas podem resultar efeitos indesejados: “Se Macron destruir mesmo os velhos partidos, não irá, ao mesmo tempo, libertar votos para os extremos – a direita incomodada com o seu liberalismo cultural, a esquerda indignada com o seu liberalismo económico? Funcionarão então, na segunda volta das legislativas, os tradicionais cruzamentos de voto contra a Frente Nacional? (...) Macron é, neste momento, a esperança de Le Pen para emergir como a “primeira força de oposição”, congregando os “patriotas” da direita e da esquerda contra os “mundialistas” (como se diz em França).”
Do Observador ainda, referência às crónicas de Alexandre Homem Cristo, Melhor do que Hollande – “A França escolheu um liberal que evitou o triunfalismo eleitoral e fugiu ao irrealismo dos que acreditam que basta boa-vontade para mudar a UE. É uma amostra, mas chega para ser melhor do que Hollande” – e João Carlos Espada, Celebrando a derrota de Le Pen… com interrogações europeístas, esta fazendo algumas reflexões de filosofia política – “Os europeístas defensores do comércio livre e da globalização não devem aceitar a infeliz dicotomia entre “nacionalismo e globalismo”. Nem entre “contra-revolução e revolução”. No Observador também escreveram Manuel Villaverde Cabral (Em marcha!), Inês Domingos (Os desafios de Emmanuel Macron) e José Pinto (O cenário macro(n)económico).
De outros órgãos de informação, e de um blogue, aqui fica uma possível selecção:
- Vai Emmanuel Macron conseguir governar?, de Jorge Almeida Fernandes (Público): “Ao propor uma aliança entre reformistas da esquerda, centro e direita, Macron desenha um novo espaço político que poderia englobar a maioria social-democrata dos socialistas, os centristas e a direita moderada representada por Juppé. O politólogo espanhol Pablo Simón vai mais longe: “A vitória de Macron supõe o fim do PS e a emergência de um novo pólo de poder, um Partido Democrático à imagem do italiano.” Os 40 dias que nos separam das legislativas vão ser alucinantes. Só depois saberemos se, e como, vai Macron governar.”
- En Marche, Macron?, de António Costa (jornal online Eco): “A França tem um Estado pesado, um mercado laboral pouco flexível e uma taxa de desemprego de 10%, uma dívida pública que vale quase 100% do PIB. Ora, Macron bem poderá falar em voz alta, e exigir reformas das instituições europeias, Angela Merkel bem poderá dar-lhe o palco para a reativação do eixo franco-alemão, mas será uma oferta calculada, talvez até calculista e cínica. Macron terá, primeiro, de mudar o seu próprio país.”
- 11 milhões de fascistas, de Leonídio Paulo Ferreira (Diário de Notícias): “Sobretudo, trata-se de um voto de gente zangada e assustada. Zangada porque vê a sua qualidade de vida piorar e ninguém dos partidos de governo reagir e assustada porque a criminalidade instala-se e o terrorismo ataca, e quem está no poder parece impotente na resposta. Marine Le Pen perdeu, e por muito, mas não foi derrotada.”
- A pobreza das nações, de Celso Filipe (Jornal de Negócios): “A vitória de Macron nas presidenciais francesas é muito mais do que uma injecção de calma para quem receia os extremismos. É sobretudo um desassossego para os actuais sistemas de representação política.”
- Macron é bom!, de Henrique Monteiro (Expresso, paywall): “Macron tem ideias, tem programa, tem juventude, determinação e tolerância (recordam que quando ontem os seus apoiantes assobiavam Le Pen ele disse: “Não assobiem, convençam-nos!”) Não sei o que conseguirá fazer, mas do mesmo modo que Hollande nunca me convenceu (...) hoje sou eu quem tem esperança que Macron seja uma lufada de ar fresco na velha e decrépita França e uma dose de bom senso na Europa e no mundo.”
- A França é a frente de batalha, de André Abrantes Amaral (O Insurgente): “Aquilo a que estamos a assistir é uma guerra ideológica cuja frente de batalha é a França. As ideias até podem ser (e nem sempre são) de origem anglo-saxónica, mas é nas cidades e nos campos franceses que as batalhas se travam.”
Olhares europeus
Abro este bloco sobre alguns olhares europeus com uma referência ao editorial do diário francês Le Monde. O director, Jérôme Fenoglio, escreveu uma longa crónica, Présidentielle : les exigences d’une victoire, onde, por exemplo, se chama atenção para a importância das clivagens reveladas nesta eleição, clivagens que podem condicionar, e muito, o futuro de Macron e da França: “De fait cet entre-deux-tours a fait apparaître la gravité des fractures qui passent au sein des territoires aussi bien que des familles. La France est désormais divisée en quatre blocs, répartis autour des principaux candidats à cette élection, auxquels s’ajoutent les abstentionnistes. Dans cette société balkanisée, il ne s’agit plus de « fatigue démocratique », mais d’une incapacité croissante à consentir les compromis qui permettent de fonctionner ensemble.”
Já o enviado do El Pais, Rubén Amón, descreve em De casi nada a todo en un año a forma surpreendente como Macron chega ao Eliseu, considerando que a sua ascensão ao poder supremo em apenas 13 meses foi “beneficiado por la fe y las carambolas” mas mesmo assim “representa un fenómeno insólito y explosivo de la política europea”. É curioso ver a que carambolas ele se refere, momentos imprevistos que acabaram por beneficiar o Presidente eleito de França: “Primera carambola. Las primarias socialistas descarrilan la candidatura oficialista de Manuel Valls en beneficio de Benoît Hamon. (...) Segunda carambola. (...) El Penelopegate malogra las aspiraciones de Los Republicanos. (...) La tercera carambola. No cabía mejor adversario para Emmanuel Macron que Marine Le Pen en la finalísima del 7 de mayo.”
Já o Wall Street Journal opta por um posicionamento mais exigente, descrevendo as condições que considera serem necessárias para que a Presidência Macron tenha realmente sucesso. Em Europe’s French Reprieve escreve-se que, “as for European Union elites, the temptation will be to view the Macron triumph as vindication of the status quo, given Ms. Le Pen’s vow to leave the EU and ditch the euro. It is at most a reprieve. Ms. Le Pen improved on her father’s performance 15 years ago, she and Mr. Mélenchon drew broad support among the young, and France’s mainstream parties were repudiated. The EU project is far from secure unless it can provide more economic opportunity and better security, and show more respect for voters who resent dictates from Brussels.”
Deixei para o fim a crónica mais azeda, de um inglês que vivendo em França e até sendo membro eleito de conselho municipal, não se deixa mesmo cativar por Macron. Trata-se de Jonathan Miller, autor de France, a Nation on the Verge of a Nervous Breakdown, e que na Spectator considerou que Macron is president – but he starts out under a deep cloud of suspicion. Na sua perspectiva “Very little about Macron’s purported stunning political insurgency rings true. His campaign cost maybe €80m but who paid? And who will benefit? Perhaps Macron will reveal hidden depths of character and powers of persuasion, but so far there’s been little evidence that this is present.” São estes aspectos menos falados do líder do En Marche! que, de acordo com o mesmo cronista, justificam a elevada abstenção e o número excepcionalmente elevado de votos nulos e em branco, como relata em The third party of France: the abstainers, um texto onde descreve aquilo a que ele mesmo assistiu na secção de voto onde esteve de serviço no dia das eleições.
E por hoje é tudo. Prometo fazer agora um intervalo no que respeita à França, em parte porque se respirou de alívio, em parte porque ainda estamos longe das eleições legislativas. Tenham boas leituras e, também, boas horas de descanso.
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