58 Mortos e outros tantos abraços para famílias e bombeiros que combatem desalmadamente um inimigo que é mais filho da incúria e do laxismo que das circunstâncias.
Conheço o Pedrogão, conheço o IC-8, bem vi que foram 4 fogos nas imediações que consomem respostas imediatas, bem ouvi a trovoada, senti o vento e suei as estopinhas com o calor. Bem sei que no desespero as pessoas fogem mas voltei a ver o danado do fogo no meio das aldeias, lavrando furiosamente por entre manchas florestais continuas, sem estradões, asseiros, um verde que nos encanta, quase infinito, a transformar-se num cinzento com que o país vai contemporizando ano após ano e apesar da tragédia ainda se sacodem culpas, ainde se coloca o veículo para que as imagens o apanhem, ainda se passeiam fardas, coletes, emblemas e insígnias para nos fazer crer que estamos cá, se soubéssemos podíamos ter salvado aquelas pessoas.
Que triste, repetida e nojenta conversa. E enquanto a imagem, parece ser só disso que vivemos, se propaga o interior perde riqueza, ceifam-se vidas, gastam-se rios de dinheiro com uma floresta que continua a não ter dono,que não é compartimentada, que vive de resinosas e que nunca tem acessos como se os tivesse deixado de ter ontem e fevereiro fosse há muitas décadas atrás. São as ratoeiras do fumo, são os penhascos, valeiros e montanhas é tudo e é nada. Um imenso nada que nos deixa tristes, revoltados, zangados e possuídos de uma fúria vazia, imberbe, enraivecida. Não queremos saber, queremos justificar, procuramos razões que nos desatordoem desta violência e a verdade está à frente dos nossos olhos com a mesma força com que escrevemos livros brancos, pintamos relatórios verdes, acelerámos dispositivos, equipámos forças, criamos grupos de trabalho e nada, mas nada mesmo, nos vale. Chega. Na hora da verdade o país arde, morrem pessoas, de inalação de fumo no que diz tudo de um Estado que não nos protege, de uma sociedade que contemporiza com esta desgraça que todos os anos nos queima e nos mata.
E enquanto o cadastro da propriedade não avança porque ele há dinheiro para tudo menos para o essencial; enquanto permitimos foguetes e balões joaninos em dias de estio; enquanto ficarmos atávicos e vergastados à desgraça que queima uma floresta que leva uma geração a recuperar, contemplamos este número que nos deve envergonhar. Dezanove mortes, bombeiros feridos, floresta em chamas.
Chega. Temos que de uma vez por todas, já hoje, aplicar tolerância zero com comportamentos negligentes, condutas criminosas, laximos e corporativismos. É a nossa floresta que arde. E talvez se formos extremistas no zelo consigamos travar a desgraça e levar a que quem nos governe olhe com mais eficácia e menos imagem para este terrorismo ambiental e ecológico que são os fogos.
Até lá há que enterrar os mortos; proteger os vivos; defender a floresta e o verde, que é o que alimenta o nosso modo de vida e sustenta muita da economia pátria.
E a vós bombeiros, silenciosos e laboriosos, o meu bem-haja e as minhas desculpas por um Portugal que teima em não vos ouvir.
E Deus nos livre e guarde das labaredas que mais que o verde e o ambiente nos queimam a alma e calcinam a vontade de um país que mais que slogans precisa de acção imediata. Nem que seja com milícias nas florestas, autotanques noite e dia de olho no inimigo e que cada um faça o seu trabalho. O nosso, de cidadãos, é não contemporizar com condutas passíveis de colocar em risco o verde que nos refrigera.
Amadeu Araújo
Fonte: BPS
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