São 15 dias certos, os que passaram desde aquela aziaga noite de sábado. Surgiram entretanto, além da audição da ministra e do secretário de Estado no Parlamento (na quarta-feira), dois relatórios essenciais, da Secretaria-Geral do MAI e o do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, que ajudam a começar a perceber a cronologia dos eventos, e nomeadamente das mortes, até à respetiva publicação desconhecida.
O segundo, além de não subscrever a tese da PJ para o início do fogo, descreve o seu comportamento: a partir do final da tarde terá avançado com velocidade e intensidade avassaladoras. Se essa velocidade (ainda não calculada) justifica a falta de tempo para resgatar as pessoas que estavam no seu caminho e interditar a zona, incluindo a estrada onde houve mais vítimas, é algo que ainda não se sabe. Como não se sabe o quão determinante para a tragédia foi a dificuldade nas comunicações. E se a Proteção Civil fez tudo o que podia - e devia.
Sabemos ainda muito pouco, e é, apesar da justa exasperação que sentimos - estes 15 dias parecem meses - normal que assim seja. Estas coisas levam tempo a investigar. Mas algo não podemos ignorar: a escancarada incompetência e indecorosa irresponsabilidade de vários dos organismos envolvidos.
Por exemplo: diz a SGMAI que nunca soube, até depois das 21.00, que havia problemas com as comunicações e que devia ter sido a Proteção Civil a avisá-la; a Proteção Civil devolve-lhe a acusação, dizendo que como responsável pelo SIRESP a SGMAI tinha de saber o que se passava com as antenas. Desde logo, uma pergunta: como é que se processavam as comunicações da SGMAI com a Proteção Civil? Era através do SIRESP? Quantas vezes falaram e para dizer o quê? Não sabemos. Mas sabemos que, apesar de dizer que "até às 21.15 o COG [Centro de Operação e Gestão da SGMAI] não teve da parte da Autoridade Nacional de Proteção Civil nem de nenhuma outra entidade utilizadora ou da operadora da rede SIRESP qualquer relato da existência de dificuldades nas comunicações", a SGMAI admite logo de seguida: "A estação de Pedrógão Grande esteve em modo intermitente entre as 19.38 e as 21.52, período durante o qual para o COG esteve em modo intermitente (...). Não podia ter real noção dos problemas operacionais no terreno sem ser alertado pela ANPC." Como é que é? Sabia que a estação principal da zona "estava em modo intermitente" mas parecia-lhe que estava tudo OK? É normal um sistema de comunicações de emergência estar intermitente, ou é essa a "normalidade" do SIRESP?
Depois, diz a SGMAI que a Proteção Civil sabia que seriam precisas mais de quatro horas para que as unidades móveis, que podiam substituir as antenas fixas em caso de estas deixarem de funcionar, estivessem, operantes, no local. Tem muita razão a SGMAI; a Proteção Civil deveria ter previsto a possibilidade de aquelas serem necessárias e tido em consideração o tempo de deslocação. Mas, sendo a SGMAI a entidade responsável pelo SIRESP, não deveria antes de mais aplicar esse raciocínio a si?
Até porque já tinha havido problemas com o SIRESP num incêndio anterior. Sabendo a SGMAI (ou não saberia?) que a ligação entre as antenas terrestres é feita por fibra ótica, não lhe ocorreu que o fogo pode destruir essas ligações? Pelos vistos não. Aliás, o que resulta do relatório é que não só não tomou providências para que as unidades móveis estivessem em estado de prontidão como nem sabia onde andavam: reconhece no relatório que só após contacto com a GNR e a PSP, depois das 21.00, soube do respetivo paradeiro.
Ficamos pois por entender em que consiste a "gestão" que a SGMAI diz fazer das unidades móveis do SIRESP e que tipo de coordenação existe nesse sentido entre a SGMAI e a GNR e PSP: há regras? E se há, quais são e como foi possível que estando uma das unidades, a confiada à GNR, em Espanha em reparação desde o início de junho, a outra, confiada à PSP, fosse metida numa oficina com dois dias de antecedência em relação à data da revisão, agendada para segunda 19 de junho, resultando daí que não havia nenhuma disponível para a emergência em causa?
Continuando a lavar as mãos, a SGMAI culpabiliza a PSP. Que, é claro, também tem esclarecimentos a prestar. Sobre o exposto e pelo facto de só ter ido buscar a estação móvel três horas após ser avisada de que devia fazê-lo. Explicitando: tendo a SGMAI conseguido contactar o responsável pela oficina - donde se retira que a PSP não o fez - às 23.54, às 00.11 avisou a PSP de que tinha de ir levantar a viatura. Mas esta só saiu da oficina, em direção a Pedrógão, às 03.10. Que se passou nessas três horas?
Acrescente-se a toda esta desgraça o insulto do relatório do SIRESP, que assegura ter tudo corrido às mil maravilhas com o sistema. Como fazer sentido disto perante 64 mortos? Como é possível que, para começar, os responsáveis da SGMAI não tenham, ante o vergonhoso relatório que apresentaram, sido forçados a pedir a demissão?
Não; não se trata de exigir demissões como preço da dor e da perda. Mas há conclusões para as quais não precisamos de investigação: independentemente de se terem ou não perdido vidas por causa da colossal incompetência explanada acima, não se pode correr o risco de tal suceder. Chega de lágrimas. Agora é preciso agir.
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