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Debate do Estado da Nação? Estilhaços do roubo de Tancos? Remodelação, mini-remodelação, remodelação forçada, Galpgate? Imagino que muitos leitores, a meio de Julho e com a temperatura a subir de novo nos termómetros não deseje regressar às polémicas do momento, por muito importantes que algumas delas sejam – e são. O fim-de-semana exige algum repouso, ou pelo menos alguma distância. Por isso regresso hoje a uma tradição do Macroscópio, a de selecionar algumas leituras, porventura mais longas, não necessariamente leves, mas que julgo serem interessantes. E variadas.
Como é habitual, começo pelo Observador, até porque tenho um excelente pretexto: a entrevista com António Barreto na qual, partindo da reedição do seu estudo clássico sobre a Reforma Agrária, Anatomia de uma Revolução, revisitamos a história de Portugal dos últimos 40 anos e lemos a presente actualidade à luz daquilo que nela também aprendemos. Isso mesmo sucede com a análise que sustenta o título que escolhemos – “O PCP percebeu há dois ou três anos que era agora ou nunca”. Nota Barreto que “reparem que, hoje em dia, de cada vez que aparece em público, o Jerónimo de Sousa fala na ‘nova correlação de forças’. O critério essencial da estratégia dos partidos comunistas desde há 100 anos é o mesmo: a relação de forças. O que fez com que [Charles] de Gaulle tenha dito uma vez: “os comunistas fazem o que se lhes permite e permitem o que se lhes faz”. Ora, explica mais adiante, o PCP da geringonça percebeu que “nesta relação de forças”, e desde “há dois ou três anos que era agora ou nunca e que a via do declínio estava nas cartas”. Como sempre vale a pena ler e ouvir António Barreto.
No que respeita ainda aos nossos especiais, e porque imagino que possam ter deixado escapar algum que lhes interesse mais, deixem-me destacar ainda a reportagem de Tânia Pereirinha que andou pelo país com aqueles cantores que andam de festa em festa – Danceterias, frutarias, e festas de aldeia. Estivemos atrás do palco com quatro artistas portugueses –, a entrevista de Ana Cristina Marques à psicóloga Clementina Almeida, e que não se dirige apenas aos jovens pais – “Os bebés não têm manhas, isso são coisas dos adultos” – e mais um trabalho de José Carlos Fernandes, com a sua habitual profundidade, desta vez a escrever sobre música e um dos seus grandes criadores – Vivaldi: a extravagância do príncipe de Veneza continua.
Guardei propositadamente para o fim a investigação de Rita Ferreira Óscar e Maria Monteiro Torres: uma história de amor em sete cartas perdidas, um notável trabalho que nos permite não só conhecer melhor a figura daquele piloto desaparecido nos céus de França durante a I Guerra Mundial, mas também nos conta como estas sete cartas estavam guardadas (perdidas?) no Arquivo Histórico-Militar de Lisboa, nela se relata uma extraordinária história de amor e, por fim, como a jornalista conseguiu reencontrar a única descendente de Óscar e Maria, depois de muita procura. Trabalho multimédia que se lê e se escuta, termina com um reencontro: “A porta do prédio abre-se ao primeiro toque da campainha. Subimos dois andares. Batemos à porta. “Boa tarde, temos umas cartas que pertencem à sua família e que estão perdidas há cem anos”. Sabria Mohamed Azizi — está a tratar de colocar os apelidos Monteiro Torres no nome — abre. Não é baixa, é de facto morena, e nada nela parece árabe. É natural. Sabria é parecida com a sua bisavó Maria. Aquela que escreveu as cartas que agora temos para lhe dar.”
Mas deixo agora o Observador para ir até outras paragens, bem variadas. Ei-las:
- In a masterful new book, an author looks to Holocaust memorials for clues to his family’s fate, uma peça da Tablet na qual Liel Leibovitz analisa o livro de Victor Ripp ‘Hell’s Traces’ e conclui que se trata de “a fine meditation on trying to make sense of history’s ultimate senseless act of violence”. Hei-de ler também o livro, até porque eu próprio, sem ser judeu e muito menos ter perdido alguém no Holocausto, já visitei várias memoriais e museus e também já reflecti sobre o que aí aprendi sobre o lado mais negro da alma humana.
- La época de los cristales rotos, de Javier Marrodán no El Español, mesmo evocando um episódio célebre da perseguição dos nazis aos judeus, é sobre um tema completamente diferente: a perseguição dos extremistas bascos aos políticos que se lhes opunham no território que queriam só seu, tudo a propósito do 20º aniversário do assassinato de Miguel Angel Blanco, um jovem autarca do PP de Ermua. É que não podemos esquecer: “Durante los últimos años del siglo XX, los concejales del PP, del PSOE y de UPN en el País Vasco y Navarra convivieron con la posibilidad real de que les pegasen un tiro o les colocaran una bomba lapa en los bajos del coche. Seguramente todos ellos se sumaron a una candidatura electoral con la ilusión de mejorar su pueblo y la vida de sus vecinos, pero asumiendo además que a partir de ese instante formaban parte de los objetivos de una banda terrorista, que sus días podían estar contados, que la pena de muerte seguía vigente para ellos, que todo el empeño y el esfuerzo y la ilusión que pusieran en el trabajo municipal les podría acercar al centro de la diana. A pesar de todo, aceptaron llevar cosida la estrella amarilla en la noche de los cristales rotos que ETA prolongó durante medio siglo.”
- En defensa de los Sanfermines permite-nos continuar em Espanha. Nesta crónica (polémica) publicada no El Pais, Borja Hermoso faz a defesa das festas de Pamplona, aquelas em que se corre à frente dos touros, as mesmas que apaixonaram Hemingway e inspiraram a sua novela Fiesta. Num texto em que ataca “La corrección política, el desconocimiento y la vocación moralista”, explica como, no fundo, o que nas Sanfermines se pretende é tão só divertir-se: “Resulta que hay personas bárbaras y extrañas, marcianos en la tierra, a los que les gustan esas fiestas, o la Tomatina de Buñol, o la Semana Grande de Bilbao, o las Fallas, o el Cipotegato, porque se lo pasan bien, porque encuentran dosis de algo tan denostado por los guardianes de las esencias como es el placer. El hedonismo. La farra pura y dura, el desfase y el descoloque mientras no te metas con nadie.” (Quem quiser conhecer melhor a história destas festas pode encontrá-la aqui; quem preferir conhecer as polémicas e ver as imagens das festas deste ano pode passar os olhos pelos muitos artigos que o El Pais lhes dedicou.)
- How Venezuela’s ‘Bolivarian bourgeoisie’ profits from crisis é uma surpreendente investigação do Financial Times onde se conta como, numa Venezuela onde falta tudo e a grassa a corrupção, há quem enriqueça e exiba a sua riqueza.
- Revisiting Turkey's Failed Coup Attempt. Parece que foi ontem mas já foi há um ano que um golpe de Estado falhado na Turquia proporcionou a Erdogan o reforço dos seus poderes. Neste trabalho publicado na Spiegel faz-se a reconstituição do que se passou nessa longa noite, revelando alguns segredos e procurando responder a algumas interrogações sobre, por exemplo, a impressão de que os golpistas tinham tudo mal planeado. Não se pense contudo que são encontradas respostas para tudo: “The documents, indictments and investigation reports that SPIEGEL has obtained must be approached with caution. Witnesses contradict themselves, the judiciary is under Erdogan's control and some confessions are said to have been coerced through torture committed by Turkish police. Taken together, however, the documents -- including files from state prosecutors, reports from the military and the parliamentary investigative committee, witness statements from the police investigation and interviews with more than two dozen participants such as military officers, politicians and police personnel -- provide a new and more immediate narrative of that fateful day.”
- Termino com o trabalho de maior fôlego, America’s Future Is Texas, uma longa e muito interessante reportagem de Lawrence Wright para a New Yorker, na qual se defende que “With right-wing zealots taking over the legislature even as the state’s demographics shift leftward, Texas has become the nation’s bellwether.” É impossível sintetizar em poucas linhas esta investigação, mas ela vale imenso sobre o que revela sobre a maneira como funciona a política nos Estados Unidos, e como nos diferentes estados nem sempre se actua de acordo com as mesmas regras.
Antes de me despedir recordo que a muito aguardada sétima temporada de Game of Thrones começa já (nos Estados Unidos) na noite de domingo para segunda-feira. Falaremos dela, como sempre, mas para já deixo dois aperitivos: um trabalho do Observador destinado a ajudar os que nunca seguiram a série a conhecerem o seu enredo (e os demais a recordá-lo) – Um guia para seis temporadas: tudo o que já aconteceu na “Guerra dos Tronos”, preparado (como todo o talento e graça) por Alexandre Borges – e um documentário disponível no YouTube cujo título diz tudo: The Real History Behind Game of Thrones.
Tenham um bom fim-de-semana, descansem, não se aborreçam, gozem as férias ou sonhem com elas. Nós estaremos de volta para a semana.
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