De crcadv|Outubro 20, 2017|Direito Penal Econômico|
Publicada no Diário Oficial da União no dia 16 de outubro de 2017, a Portaria de nº 1.129/2017 foi capaz de abalar o país por um retrocesso sem tamanho, coisa que, infelizmente, não tem sido muito difícil de vermos por aqui. Determinou-se nesse dispositivo, entre outras conjunturas, que jornadas extenuantes e condições degradantes de trabalho só serão, a partir de agora, consideradas como trabalho análogo à escravidão se houver restrição de locomoção do trabalhador.
É importante salientarmos que embora o trabalho escravo contemporâneo não seja a realidade de muitos, e que os direitos trabalhistas mais básicos negados a milhares de brasileiros sequer são alvo de muita atenção, essa realidade existe. Na verdade, tal prática está enraizada em muitas localizações simplesmente disfarçada de vínculo empregatício, num contexto no qual os trabalhadores em condições degradantes não deixam seu local de trabalho por acreditarem estar em “débito” com o empregador, por alguma razão. Esse ciclo vicioso é chamado de “Escravidão por Dívida” e é apenas um de um rol de exemplos que poderiam ser citados para explicar a gravidade da Portaria.
Ademais, as maneiras de se manter um trabalhador em condições análogas à escravidão são muitas! O trabalho sem condições de higiene adequadas ou em instalações precárias, com jornadas exaustivas, que submeta o trabalhador a maus tratos, retenção de documentos, dentre outros são exemplos de como a restrição de locomoção do trabalhador – apesar de lamentável – não é o único fator caracterizados do trabalho escravo.
Por esses motivos, é imprescindível, que se faça uma análise com enfoque nas consequências da Portaria 1.129/2017 no âmbito criminal, ante a incongruência da sua redação com o tipificado no Código Penal, o qual estabelece em seu artigo 149 que a redução de alguém à condição análoga à de escravo perpassa por quatro requisitos basilares, que podem atuar conjunta ou isoladamente, quais sejam: submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, exposição do trabalhador a condições degradantes e restrição da liberdade por conta da servidão por dívida. Vejamos.
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera
de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – Contra criança ou adolescente;
II – Por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Ora, uma das principais alterações previstas na portaria diz respeito à publicação da chamada “Lista Suja” do trabalho escravo, essa lista contempla as empresas autuadas por submeter seus empregados a esse tipo de trabalho. O documento publicado prevê, agora, que um empregador só poderá integrar a lista por determinação expressa do ministro do Trabalho. Antes, a inclusão era resultado de uma avaliação com critérios estritamente técnicos, o que garantia a transparência e legitimidade do processo.
Outra alteração importante a ser debatida é a eliminação de todos os requisitos para a celebração do TAC da regra anterior, que condicionava esse direito a uma série de obrigações, como a indenização às vítimas, a adoção de medidas de combate ao trabalho escravo, e o monitoramento por parte de autoridades de proteção aos direitos dos trabalhadores. Desse modo, a nova portaria também retira a obrigação de que a lista de empregadores que assinam os TACs venha publicada junto à Lista Suja.
Diante de todas essas polêmicas pautadas pela multidisciplinaridade natural do tema, há que se pensar nas consequências lógicas da atuação da justiça frente a casos análogos à escravidão, uma vez que aquilo que seria típico, deixa de ser.
Não é surpresa que condições precárias a um trabalhador vulnerável somadas a facilidades empresárias de encobrir irregularidades resultarão em um fator inevitável nesse contexto: o trabalho escravo.
Além disso ao dificultar a fiscalização, abrem-se brechas que também dificultam a comprovação, e, consequentemente, a ausência de penalização desse crime.
Barbara Marchioro Pagliosa
Estudante de Direito na UNICURITBA
Curitiba, 26 de novembro de 2017
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