O dever fiduciário que o Estado, e através dele o Governo, tem para com os contribuintes e cidadãos é defender o bem comum. O que este Governo tem feito, de braço dado com o Bloco de Esquerda e o PCP, é distribuir benefícios por aqueles que maior capacidade reivindicativa têm.
André Veríssimo | averissimo@negocios.pt21 de novembro de 2017 às 23:00 |
O crescimento económico voltou e em força, o défice das contas públicas nunca foi tão baixo, e os funcionários públicos querem partilhar do benefício. A vontade é legítima e em causa está, em certos casos, a eliminação de discriminações e queixas justificadas. Tal como é legítima a arma para o conseguir: o direito à greve que a Constituição garante.
A questão é qual deve ser o papel do Governo perante as reivindicações? Deve resistir à pressão das corporações públicas ou deve ceder, em maior ou menor grau, às reivindicações?
O dever fiduciário que o Estado, e através dele o Governo, tem para com os contribuintes e cidadãos é defender o bem comum. O que este Governo tem feito, de braço dado com o Bloco de Esquerda e o PCP, é distribuir benefícios por aqueles que maior capacidade reivindicativa têm. Uma capacidade que é tanto maior quanto maior o incómodo ou o sofrimento que a paralisação desse grupo pode infligir.
O critério não é o da gestão racional e o resultado é um enorme paradoxo. O Governo das forças que mais se dizem defensoras da diminuição das desigualdades é o mesmo que as alimenta cedendo às reivindicações de apenas alguns. Não uns alguns quaisquer. Aqueles que contam para os votos e que podem, gerando perturbação social, retirá-los ao Governo.
Para os sindicatos é uma oportunidade histórica, pelo momento económico e pelo contexto político. E professores, médicos, enfermeiros ou magistrados têm conseguido levar a água ao seu moinho. Aberta a caixa de Pandora, outras corporações de interesses se seguirão. O caminho desbravado pelos professores nas progressões há-de agora ser percorrido por polícias, militares, médicos...
É inquestionável que os funcionários públicos foram penalizados nos anos de aperto. Acontece que a abundância é ilusória e há que cuidar da sustentabilidade antes de ceder. Os desequilíbrios macroeconómicos podem ter-se atenuado, mas continuam graves. Estranha-se é que só agora António Costa se tenha apercebido de que acordara um monstro.
Agora já diz que não é possível "tudo para todos", que "não podemos consumir todos os recursos com quem trabalha no Estado", que "Portugal não pode sacrificar tudo o que conseguiu do ponto de vista da estabilidade financeira, porque isso, no futuro, colocaria em causa o que foi até agora conquistado".
O próprio primeiro-ministro assume que o seu dever fiduciário para com os portugueses pode estar posto em causa. Se é que já não está. Depois queixamo-nos dos puxões de orelhas de Bruxelas.
Fonte: Jornal de Negócios
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