No bar da Universidade Autónoma de Lisboa fazem-se as primeiras apresentações em frente de uma chávena de café, um dos vários que Constança Urbano de Sousa toma por dia. |
O ambiente leva-nos a Coimbra dos anos 1980, ao curso superior, e a Vila do Conde, a cidade onde faz a primária e o secundário, depois duma primeira infância saltimbanca.
No pátio da universidade ninguém estranha o aparato para a fotografia, nem a câmara de filmar. A professora, há muito da casa, está de regresso, depois dos episódios que acabaram por levar à sua demissão do governo.
A pedido da entrevistada, a conversa decorre nas instalações da escola, num dos últimos dias de dezembro, baço e húmido. Constança é longa, pausada, disponível - não se recusa a falar do que aconteceu nos incêndios. Pelo contrário, percebe-se que o assunto lhe pesa no pensamento. Sempre.
Mas a conversa abre-se e, durante a sessão fotográfica, fala-se de labradores e de filhotes maltês, de Gabriel García Márquez e de Pérez-Reverte, de Era uma Vez na América, de Pink Floyd, de GNR e de Samuel Barber. De Madonna, com quem se encontrou mas sobre quem não tem nada a dizer. A fechar, de novo o ensino: «Gosto tanto de ensinar como de aprender.
Como acha que é vista hoje pelos portugueses?
A imagem da imprensa escrita e de alguns comentadores não corresponde ao que sinto no dia-a-dia. Não há dia em que as pessoas não venham ter comigo a abraçar-me. O carinho que recebo das pessoas na rua é imenso e gratificante.
Fazem perguntas?
Nunca fazem perguntas, escolhem sempre palavras de apoio. Depois há aquela imagem que vem em alguma imprensa, a que não ligo. A consciência é minha.
E está tranquila?
Posso dizer que estou tranquila, dentro das circunstâncias.
Aprendeu alguma coisa sobre si?
Descobri que sou ainda mais agarrada aos meus princípios do que pensava, que sou incapaz de fazer cedências, que não consigo ser calculista a esse ponto. Descobri forças que achava que não tinha e essa foi uma bela descoberta. Tornei-me ainda mais resiliente. Quando não há nada a aprender perco o interesse. Dou-lhe o exemplo de Bruxelas, seis anos nos quais aprendi muito sobre relações internacionais e pude tratar de dossiês muito importantes. Quando já não estava a aprender tomei a decisão de regressar. Voltei a ser professora na Universidade Autónoma de Lisboa e no Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna e aceitei a assessoria jurídica da Gulbenkian, um trabalho entusiasmante que me renovou.
Se pudesse voltar atrás evitaria as declarações que fez na tragédia de outubro? Aquela em que se refere às férias...
Provavelmente sim. Mas fazer a análise no fim do jogo é bem mais fácil. Somos um país de treinadores de bancada e todos temos uma opinião, baseada muitas vezes em ideias ligeiras. Ir ao fundo dos problemas dá muito trabalho e exige reflexão. Volto à espuma mediática e a como as pessoas se deixam ir com ela sem nunca se questionarem mais aprofundadamente. E sem calçarem os sapatos dos outros. Aquele momento foi aquele momento. E como não sou calculista, nem gostaria de ser, não fiz nem faço nada a pensar no sound byte ou para o momentinho televisivo. E era fácil - basta ser-se minimamente esperto para perceber o que os jornalistas querem ouvir. Acontece que não estava a trabalhar para imprensa mas para o meu país. Trabalho para as pessoas.
Magoou-a o que leu nesses dias?
Não tenho o hábito de ler sobre mim. Mas magoou-me que algumas pessoas, que tinha por sérias e inteligentes, tivessem embarcado na espiral das acusações fáceis, reduzindo todas as tragédias, fruto de uma série de fatores e de desinvestimentos de décadas, à minha competência ou falta dela.
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