quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Opinião: Eleição de Mário Centeno é um factor de esperança


Rui Pedro Nascimento
No princípio de 2016, o resultado da votação de ontem para a presidência do Eurogrupo pareceria pertencer à realidade de um universo alternativo. As declarações públicas de responsáveis europeus eram a face visível das dificuldades que o Orçamento para 2016 enfrentava com a apreciação europeia do “draft budgetary plan”. Estas dificuldades, por sua vez, refletiam a desconfiança quer face à solução governativa portuguesa, quer face às opções de política económica que o Orçamento concretizava. Não era só na política interna que alguns davam as metas orçamentais como impossíveis e o recurso a um “plano B” como inevitável.

Pude nessa época testemunhar de perto como as qualidades do Ministro das Finanças foram essenciais para ultrapassar esse momento de dificuldade. O sorriso e a franqueza que exibe em público são também o seu modo de estar em privado, e não perde a calma perante situações adversas. Não tem necessidade de hostilizar a outra parte para acentuar a sua firmeza na negociação. Domina profundamente os números e a sua solidez na economia dá-lhe a vantagem de o tempo vir geralmente demonstrar que estava certo.

Ao longo de 2016, as mesmas qualidades do Ministro das Finanças de Portugal ajudaram o Governo – e o país – a ultrapassar outros processos difíceis com a Europa – a revisão do PEC, a recapitalização da CGD, o processo de sanções pelos resultados orçamentais de 2015, o Orçamento do Estado para 2017. Mas foi também visível que a desconfiança face ao país, e ao Governo, se esbatia.

Esbatia-se porque, se o discurso de Portugal continuava a ser crítico face a decisões políticas europeias, era claro o comprometimento do governo com a moeda única e com finanças públicas sustentáveis; e era também claro que o governo conseguia algo que tinha falhado em anos anteriores: as metas financeiras assumidas foram efetivamente atingidas, e os resultados económicos e na criação de emprego ultrapassaram consistentemente as previsões europeias. Foi por causa desses resultados que, em 2017, Portugal saiu do Procedimento por Défices Excessivos e viu a sua dívida soberana deixar de ser classificada como “lixo”.

Estou convicto que os resultados económicos que Portugal hoje apresenta podiam ter sido conseguidos mais cedo e com menos sacrifícios, e que para tal poderia ter contribuído uma Zona Euro que tivesse tido, entre 2010 e 2012, uma resposta diferente à crise financeira do que aquela que efetivamente adotou. Parte dos problemas identificados por muitos – no funcionamento da união bancária, nas políticas orçamentais em situação de armadilha de liquidez, na garantia de último recurso das dívidas soberanas – continuam presentes. A eleição de Mário Centeno não vai milagrosamente fazer desaparecer todos esses problemas. Mas é um fator de esperança.

Essa esperança não resulta apenas do facto de as reuniões do Eurogrupo passarem a ser dirigidas por alguém que aplicou com sucesso uma política que visa garantir, não só finanças públicas sustentáveis, mas também que o euro é socialmente sustentável.

As decisões do Eurogrupo são enquadradas e condicionadas pelas posições da tecnocracia, que são verdadeiras opções políticas para a Zona Euro disfarçadas de verdades técnicas. À maioria dos políticos, mesmo ministros das finanças, falta muitas vezes a capacidade de questionar essas opções. Mário Centeno, que tem a competência para as discutir, e aplicou com sucesso uma política alternativa, está agora na posição de confrontar essa tecnocracia e de lhe perguntar, relativamente a cada uma dessas opções, “porquê?”. Isso é bom para Portugal – e é bom para a Europa.

(Artigo de opinião escrito para o Público)

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