Sim, é já neste fim-de-semana. Depois de em 2017 se ter escrito muito sobre o alegado refluxo da vaga populista depois dos maus resultados desses movimentos na Holanda e, sobretudo, em França (mesmo assim não tão maus como isso...), a verdade é que caminhamos para mais um dia decisivo e perigoso, como escreviano Observador Timothy Garton Ash: “Domingo, dia 4 de março, vai ser um ponto de viragem para a Europa. No mesmo dia de uma importante eleição geral em Itália, vamos descobrir se um referendo interno no partido Social-Democrata Alemão (SPD) produziu um “sim” ao governo de Grande Coligação em Berlim, dando continuidade à atual parceria com os Democratas Cristãos de Angela Merkel. A sabedoria convencional diz que este seria um bom resultado para a Europa. Eu acho que a sabedoria convencional está errada.”
Sem sondagens fiáveis que nos indiquem como vão votar os militantes do SPD teremos de ver se eles cumprem ou não o desejo deste historiador, que gostaria de os ver derrotar uma solução de governo que considera perigosa. Como explica em Outra Grande Coligação no coração da Europa? Nein Danke!, não foi persuadido “pela ideia de que é necessária uma GroKo alemã para existirem as coligações europeias essenciais, ou que uma GroKo seja melhor para o projeto europeu a longo prazo. Vamos imaginar um cenário levemente pessimista mas inteiramente plausível. A economia alemã esmorece daqui a uns anos e, ao mesmo tempo, as medidas implementadas pela grande coligação — em resposta a Macron, com insistência dos sociais-democratas — levam a Alemanha a ter de efetuar transferências financeiras para um país do sul da Europa em crise. Imaginem a resposta dos eleitores alemães desapontados. O resultado nas próximas eleições? 20% para a AfD?”
A tese de Timothy Garton Ash é que é melhor um governo minoritário, mesmo que instável, de Angela Merkel, que uma grande “sopa central”. Alguns dos seus argumentos não andam longe dos de Fredrik Erixon na Spectator, só que ste é mais taxativo: Angela Merkel has created Germany’s far-right (é deste texto a ilustração com que abre esta newsletter). Primeiro a chanceler seguiu, na perspectiva do colunista, um caminho errado – “Merkel’s big political project has been to move her party to the left and delete most of its conservative tradition. That’s exactly how she did more than anyone to create the political space AfD is now filling. Almost a quarter of Merkel’s CDU voters went elsewhere in the last election — yet her response now is to offer more of the same.” Depois não tem emenda, pelo que “Prepare for the worst: Merkel is seeking to lead a coalition government offering continuity at a time when voters are demanding change. Except this time around, the Chancellor and her government allies will have far weaker support in the Bundestag and cannot afford rebellion in critical votes.”
Estes duas referências à Alemanha deveriam vir acompanhadas por uma atualização da situação em Itália, que já abordei num anterior Macroscópio, mas por hoje penso ser mais interessante partir das referências italianas para vos recomendar duas leituras sobre a actual crise das democracias liberais, ambas publicadas na imprensa portuguesa:
- Povo, jovens e democracia na desordem mundial, uma análise de Jorge Almeida Fernandes no Público onde cita alguns estudos recentes que ajudam a compreender melhor a erosão da ideia democrática e criam algumas perplexidades sobre a adesão dos mais novos a ideais de liberdade pelos quais os seus país e avós estavam dispostos a dar a vida. Uma das obras que cita é o livro Il secolo greve — Alle origine del nuovo disordine mondiale (Marsilio, 2017), Mattia Ferraresi, o correspondente do Il Foglio em Nova Iorque, dele transcrevendo esta passagem que nos faz pensar: “Os cidadãos de muitas democracias teoricamente consolidadas na América do Norte e na Europa Ocidental não são apenas críticos dos seus líderes políticos. Mais do que isso, tornaram-se também críticos, por vezes cínicos, do valor da democracia como sistema político, pouco confiantes sobre a possibilidade de poderem influenciar as políticas públicas, mais inclinados a exprimir apoio a alternativas autoritárias.”
- Porque odeiam eles os liberais, do politólogo Jan Zielonka, publicado no Diário de Notícias, é uma tentativa de explicação da ruptura entre as elites liberais e um eleitorado cada vez mais hostil: “Porque está a ser rejeitado um vasto conjunto de provas científicas que demonstram os benefícios do livre comércio, da integração e até da migração? Por que motivo políticos obscuros prevalecem sobre os mais esclarecidos e experientes? Beppe Grillo explicou isto de maneira eloquente: "Sois incapazes de compreender o nascimento e a ascensão do meu movimento porque traduzis tudo para a vossa própria língua. Estais simplesmente fora da realidade." Os liberais e os seus adversários populistas provêm simplesmente de universos alternativos.” Mais adiante sublinha-se que “O liberalismo não defende as minorias contra as maiorias; consiste em as minorias - políticos profissionais, jornalistas, banqueiros e especialistas do jet set - dizerem às maiorias o que é melhor para elas. Ao transferirem cada vez mais poderes para instituições não maioritárias - tribunais constitucionais, bancos centrais e a Comissão Europeia - os liberais privaram efetivamente o eleitorado de uma intervenção na política.”
Julgo que esta última reflexão permite uma boa passagem para a entrevista do novo primeiro-ministro polaco à Spiegel, onde Mateusz Morawiecki defende precisamente que 'Europe Has Run Out of Gas'. Numa troca de argumentos em que se defende das críticas que têm vindo a ser feitas ao seu país, ele aponta o dedo ao desvanecer do sonho, ou do mito, europeu, por falta de “combustível”: “During the post-World War II era, this fuel was the prospect of growth and lower unemployment. Later, it was the integration of the formerly communist countries. People today consider that to be self-evident. Peace, the market economy -- that worked for decades, but it is no longer enough. European societies are making that loud and clear. They want fairness and less inequality.” Mais: “Brussels should not create policies that disregard the societal moods in the individual countries. Podemos in Spain, the success of the AfD (Alternative for Germany), Le Pen and Mélenchon in France, Five Star in Italy -- there is lava flowing beneath us, there are massive tensions...”
A fechar, e para abrir o âmbito da reflexão alargando-o aos Estados Unidos e ao mundo, recomendo-vos The Liberal Democratic Order in Crisis, de Larry Diamond, publicado na The American Interest. É um ensaio onde se descrevem os retrocessos da ordem democrática em muitas países e se recorda como, no passado, a luta pela democracia não era deixada apenas aos povos, também havia um ambiente internacionalista mais favorável e empenhado. Senão vejamos:
The most important contribution of Samuel Huntington’s landmark study, The Third Wave, was not to give this name to the democratic expansion of the late twentieth century, but rather to see how indispensable international—and especially American—efforts to foster democracy were to this transformation. In particular, the renewal of American power and resolve under Ronald Reagan, and the expansion of efforts and instruments to support democracy abroad, helped bring about the end of Soviet communism and the rapid spread of freedom. Back then the zeitgeist was all about democracy. Now it is about democratic weakness, apathy, and decay.
Neste texto são também recomendados dois livros recentes, um publicado em Janeiro – How Democracies Die Hardcover, de Steven Levitsky –, outro a sair em Março – The People vs. Democracy: Why Our Freedom Is in Danger and How to Save It, de Yascha Mounk – e ainda a mais recente Seymour Martin Lipset Lecture on Democracy in the World, uma aula magistral do académico do Brookings Institution William A. Galston, The populist challenge to liberal democracy, a que podemos assistir em vídeo.
E por hoje é tudo. Espero ter-vos deixado mais alguma “food for thought”, desejando-vos como sempre bom descanso e boas leituras.
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