A revista Nature dedicou esta semana uma edição especial à ciência da adolescência. Em vários artigos e em várias revistas do grupo, fala-se desta fase crítica de um ser humano onde existem tantas oportunidades como vulnerabilidades.
ANDREA CUNHA FREITAS 26 de Fevereiro de 2018, 7:42
Desde o smartphone que não largam da mão até às sinapses e outras mudanças que ocorrem no cérebro, passando pelos riscos que se atrevem a correr e ainda pelo debate actual sobre quando começa e quando acaba esta fase entre a infância e a idade adulta. A edição especial desta semana da revista Nature, que inclui vários artigos científicos e reportagens dispersos por diferentes revistas científicas do grupo editorial, é dedicada à ciência da adolescência. Só para início de conversa fica, desde já, um aviso: há uma mudança em curso e, ao que parece, agora a adolescência pode começar aos dez anos e só acabar aos 24 anos.
Um dos artigos desta edição alerta para um dado importante que pode ajudar a contextualizar os vários trabalhos sobre o mesmo tema: 90% dos adolescentes vivem em países pobres, mas os que são envolvidos nos estudos dos cientistas pertencem à minoritária fatia dos 10% dos países mais desenvolvidos, com acesso a saúde, educação, tecnologias, entre outras experiências que os separam e os afectam em todos os sentidos. E o retrato do adolescente que vive no nosso moderno mundo cheio de oportunidades e tentações pode ter muitas diferenças mas terá, pelo menos, uma coisa em comum: um smartphone na mão.
“Smartphones são maus para alguns adolescentes mas não para todos” é o título de um artigo de opinião que faz parte do “pacote” da ciência da adolescência da Nature. O texto nota que mais do que fazer parte das forças do bem ou do mal, as actividades online dos adolescentes podem é reflectir ou mesmo agravar vulnerabilidades que já existem.
O artigo reforça que a vida social dos adolescentes faz-se sobretudo online e apresenta uma série de dados sobre a saúde mental dos miúdos que se apoiam neste convívio à distância.Uma revisão de 36 estudos publicados entre 2002 e 2017 concluiu que os adolescentes usam a comunicação digital para fortalecer as suas relações, partilhar detalhes íntimos, manifestar afectos e combinar encontros. E isso é mau? Depende. “Os adolescentes que enfrentam mais adversidade offline parecem estar mais vulneráveis aos efeitos negativos do uso dos smartphones”, apontam os investigadores, especificando ainda que um historial de vitimização fora das redes sociais fará com que sejam alvo de bullying e outras agressões também online. Fica ainda um alerta para uma vigilância da actividade online que pode revelar pistas sobre saúde mental, acrescentando-se que cientistas da área da computação já demonstraram que é possível prever um cenário de depressão através da análise dos padrões de envolvimento e das publicações nas redes sociais.
“Sexo, drogas e autocontrolo”
Uma vida social online pode ter os seus perigos, mas há mais perigos na estrada da adolescência. “Sexo, drogas e autocontrolo” é outro dos artigos e, desta vez, o tema é a já muito investigada propensão dos adolescentes para correr riscos. Kerri Smith assina a reportagem na Nature com testemunhos de vários especialistas na matéria. A repórter lembra, por exemplo, que os neurocientistas associaram a imagem do cérebro de um adolescente a um carro com um motor acelerado e falhas nos travões. A propósito de carros, cérebros e riscos, Kerri Smith fala sobre os curiosos resultados de uma experiência em laboratório com adolescentes que relacionou os perigos com a influência dos pares. O teste era uma espécie de jogo de corrida com o objectivo de percorrer um trajecto com 20 semáforos em seis minutos.
Os resultados dispensam qualquer comentário. Quando jogaram sozinhos, os adolescentes correram tantos riscos (passar sinais vermelhos enfrentando o perigo de colidir com outro carro) como um adulto a jogar o mesmo jogo. Quando souberam que os seus amigos os estavam a observar “correram significativamente mais riscos”. E quando sabiam que as mães os estavam a observar “correram menos riscos”. Nas experiências, os cientistas observaram os padrões de actividade cerebral e detectaram, por exemplo, uma activação de áreas associadas à recompensa quando os amigos estavam a observar e uma activação da região do córtex pré-frontal (associada ao controlo cognitivo) quando os observadores eram as progenitoras.
Mas, se a influência dos pares foi negativa neste jogo de corrida, os cientistas também sabem que esta é uma rua com dois sentidos. Os amigos dos adolescentes também podem ser uma influência positiva nas suas vidas. Um aplauso ou simples incentivo para uma boa acção (também houve jogos em laboratórios com donativos e outros exercícios) funciona como um estímulo para mais coisas boas.
Depois há riscos e riscos. O artigo jornalístico lembra, por exemplo, que convidar alguém para sair à noite pode ser encarado como um acto arrojado (um risco social, portanto). Aliás, sublinhe-se, que os cientistas já perceberam também que os circuitos cerebrais usados para correr riscos “negativos”, que ponham em causa a sua integridade física, são os mesmos que ajudam os adolescentes a enfrentar “riscos positivos”. E os receptores de dopamina, um mensageiro químico no cérebro, aumentam em ambos os casos.
Porém, há uma importante ressalva a fazer. Tudo isto são conclusões retiradas de estudos em laboratório, ou seja, adolescentes num ambiente controlado. “Como é que conseguimos imitar num frio laboratório numa quinta-feira à tarde o que se passa num sábado à noite?””, questiona a neurocientista Adriana Galván, da Universidade de Califórnia em Los Angeles (EUA), citada na reportagem.
O que sabemos do que salta da rua, longe dos laboratórios, é que os primeiros lugares na lista de causas de morte entre os dez e os 19 anos são ocupados por comportamentos de riscos. Os rapazes (sobretudo entre os 15 e 19) morrem em acidentes na estrada, por causa de episódios de violência e por ferimentos causados pelos próprios (suicídio). As raparigas entre os 15 e 19 anos morrem da sequência de complicações durante uma gravidez, ferimentos causados por si e acidentes na estrada. Por esta ordem.
Há, no entanto, algumas dicas para prevenir os prováveis desvios. Exemplo? Deixar os adolescentes dormir até mais tarde. “Os adolescentes que não dormem o suficiente são mais propensos a adoptar comportamentos de risco, como fumar e relacionados com a actividade sexual.” Foi baseada em dezenas de estudos publicados sobre este tópico que a Academia Americana de Pediatria divulgou recentemente uma recomendação para que nesta faixa etária as aulas comecem a partir das 8h30 ou mais tarde ainda, se possível.
Adolescência pode durar 14 anos?
A investigação sobre esta parte da viagem para a vida adulta num carro com falhas nos travões tem estado muito apoiada nas tecnologias de imagem que nos permitem ver o cérebro a funcionar. No entanto, e apesar dos muitos avanços nesta área, estas fotografias ou filmes da actividade cerebral ainda têm muito ruído e sinais difíceis de interpretar.
A adolescência é um momento único de sintonização e amadurecimento do cérebro. Hoje, ao contrário do que julgávamos há relativamente pouco tempo, sabemos que o cérebro continua a mudar e a moldar-se durante a adolescência. Neste período, assiste-se, por exemplo, à afinação das sinapses (as ligações entre os neurónios) que se reduzem entre a infância e a idade adulta.
Um comentário assinado por Matthew B. Johnson e Beth Stevens, investigadores no centro de neurobiologia do Hospital de Crianças de Boston e na Escola Médica de Harvard, no Massachusetts, nos EUA relaciona a quebra de sinapses (ou o momento da poda das ligações neuronais, como os neurocientistas lhe chamam) com a probabilidade de sofrer de esquizofrenia. O texto lembra que esta associação foi feita (pela primeira vez) em 1979, mas só foi explorada nos anos mais recentes. As novas tecnologias de imagem, por exemplo, levaram à conclusão de que uma poda excessiva das sinapses aumenta o risco de sofrer deste distúrbio mental. As ferramentas para estudos genéticos permitiram identificar um gene (C4) que não só interfere neste mecanismo cerebral como também apresenta alterações em doentes com esquizofrenia.
Sabia-se que a esquizofrenia tende a manifestar-se no final da adolescência. O que nos leva a outra importante questão: onde é que, afinal, começa e acaba a adolescência? Hoje, baseados na biologia como o aparecimento cada vez mais precoce da menarca e outros sinais de puberdade, muitos cientistas já consideram que a adolescência começa por volta dos dez anos. E se o fim dos teenagers se adivinhava pelos 18 e 19 anos como o próprio estrangeirismo sugere, agora isso está a mudar. Em Janeiro deste ano, foi publicado um estudo na revista Lancet Child & Adolescent que defende que os “teens” podem ir afinal até aos… 24 anos.
Dizem os cientistas que, por um lado, o cérebro continua a desenvolver-se no início dos 20 anos e, por outro lado, que as mudanças sociais mostram que a entrada na vida adulta acontece mais tarde do que no passado. Saem de casa mais tarde, entram no mercado de trabalho mais tarde, casam mais tarde, têm filhos mais tarde.
Na reportagem “Os limites em mudança da adolescência”, a repórter Heidi Ledford mostra que a discussão já chegou a um ponto em que se antevê a necessidade de adaptar a sociedade a estes novos marcos. “Cientistas, médicos e decisores políticos enfrentam um momento em que se debatem com estas fronteiras em mudança”, sublinha o artigo, acrescentando ainda que a comunidade médica e judicial terá de decidir urgentemente quando é que uma pessoa é considerada capaz de tomar decisões adultas. “Uma conceptualização clara da adolescência não é só uma picuinhice semântica”, diz Jay Giedd, neurocientista na Universidade de Califórnia em San Diego. “Tem implicações profundas para os sistemas clínicos, educativos e judiciais.”
Fixar limites é útil para todos, mas a especialista Sarah-Jayne Blakemore avisa, na reportagem, que dificilmente serão os neurocientistas a defini-los. A neurocientista da Universidade College de Londres estuda os adolescentes há vários anos e sabe do que fala. Nota que as diferentes culturas desenham diferentes limites e que a estrutura e funcionamento do cérebro variam tanto de pessoa para pessoa que a tarefa de colocar um ponto final biológico na adolescência parece impossível. “Não existe tal coisa como um adolescente típico.”
A edição especial da Nature explora várias frentes da ciência da adolescência. São uma dúzia de artigos que respondem a algumas questões sobre esta fase entre a infância e a idade adulta, cada vez menos enigmática. Uma altura crítica para prevenir comportamentos ilegais ou criminosos? A adolescência. O momento para “ensinar” as bases de uma sociedade apoiada na igualdade de género? A adolescência. Uma fase em que os media, as redes sociais e outros mecanismos digitais têm um “poder” que pode fazer a diferença entre o bem e o mal? A adolescência. Uma oportunidade para prevenir, tratar, criar problemas ou agravar a saúde mental? A adolescência. O grupo etário com menos acesso à saúde nos países pobres? Os adolescentes.
No pequeno texto que apresenta esta colectânea de trabalhos sobre a adolescência, a Nature fala da sua natureza paradoxal. Um tempo de riscos e vulnerabilidades que coincide com crescimento e oportunidades. E os cientistas parecem finalmente rendidos ao tema. “Não consigo encontrar um período de desenvolvimento mais desafiante”, conclui B.J. Casey, neurocientista da Universidade Yale em New Haven, Connecticut, num dos textos. Porém, acrescenta: “Sempre que dou uma palestra, peço às pessoas que levantem a mão se estivessem dispostos a passar pela adolescência outra vez. E ninguém o faz.”
Enviado por José Rabaça
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Apresentação do Mapa de Sessões de Colheitas de Sangue a realizar no ano de 2018 no Posto Fixo da ADASCA em Aveiro
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