Há pouco mais de dois anos, Ferreira Fernandes não sabia, nem queria, ser director do DN. O que mudou, entretanto, para passar a saber e a querer?
João Miguel Tavares |
Ferreira Fernandes tomou posse como director do Diário de Notícias a 3 de Abril, numa das mais silenciosas mudanças de direcção da história da imprensa – nesse dia, o seu nome apareceu em primeiro lugar no cabeçalho do jornal, e pronto. Até hoje, Ferreira Fernandes não disse ao que vinha, não explicou o que queria, não dirigiu aos leitores um só “bom dia, sou o novo director”. A única decisão visível que tomou a 3 de Abril foi acabar com os editoriais, uma novidade em Portugal entre os diários de referência, e provavelmente no mundo. É uma opção bizarra, mas com vantagens. Por exemplo, em Outubro do ano passado, durante semanas a fio, eu estranhei que o DN não fizesse um único editorial sobre a acusação da Operação Marquês. Agora já não será possível estranhar, porque não há editoriais.
Nos últimos quinze dias, aguardei pacientemente que Ferreira Fernandes fizesse prova de vida como director – mas apenas continuei a encontrar o cronista da última página. Dado não ser esse que me interessa, tomo a liberdade de perguntar pelo outro. É que, se o Ferreira Fernandes director do DN realmente existe – como o cabeçalho do jornal parece indicar –, então ele tem algumas explicações a dar, e eu gostava de as ouvir. Em Fevereiro de 2016, foram publicadas as primeiras notícias envolvendo o seu nome na Operação Marquês. Não se trata de nenhuma escuta que tenha sido feita ao próprio Ferreira Fernandes – convém deixar isto claro –, mas sim a José Sócrates e a Afonso Camões, numa época (ano de 2014) em que o estudante de Sciences Po tentava afanosamente influenciar a escolha do futuro director do DN. No entender de Sócrates, o nome certo para dirigir o Diário de Notícias era Ferreira Fernandes: “O homem da última página, com reputação e aceitação na redacção.” Por isso, combinou que Camões tudo faria para que “o nosso amigo lá fique”. Na altura, não ficou.
A primeira jornalista a divulgar esta história foi Felícia Cabrita, no semanário Sol de 20 de Fevereiro de 2016. Aí recordava como Ferreira Fernandes tinha sido um dos grandes defensores de Sócrates, recuperando uma frase dos tempos do Freeport: “Sobre os factos não sei nada, só posso ser testemunha abonatória: ele é o melhor primeiro-ministro que já tive.” Ferreira Fernandes continuou a defender Sócrates já depois da prisão – até que um certo dia calou-se, e não mais se lhe ouviu um pio sobre o tema. Só que ficar calado não chega. Dois dias após a notícia do Sol, Ferreira Fernandes escreveu uma crónica no DN intitulada “Desculpem, mas é tarde para me alistarem”, que concluía assim: “Director do DN?! Todos os meus sabem: não saberia sê-lo. Logo, queiram ou não, eu não quero.” Há pouco mais de dois anos, Ferreira Fernandes não sabia, nem queria, ser director do DN. O que mudou, entretanto, para passar a saber e a querer?
Esta é a explicação que nos é devida. Se em 2014 Sócrates não conseguiu impor todos os nomes que desejava, hoje, com a entrada da misteriosa KNJ na Global Media, via Macau, o que existe é isto: Proença de Carvalho, ex-advogado de Sócrates, como chairman; Afonso Camões, o “general prussiano que não se amotina”, como director do JN; Ferreira Fernandes, o favorito de Sócrates, como director do DN; e Paulo Rego, grande amigo de Camões e ex-director adjunto da Lusa, como vice-presidente do grupo, nomeado pelo accionista maioritário KNJ. Só falta reaparecer Luís Miguel Viana. Parafraseando Ricardo Salgado: ele há coincidências do diabo.
Fonte: Público
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