A mais difícil das cimeiras europeias dos últimos anos? A menos de uma semana de mais um Conselho Europeu a tensão é máxima. E desta vez não é por causa da economia e do euro, mesmo sendo também por causa da futura governação da zona euro. No centro da tempestade está novamente a chanceler alemã, Angela Merkel, só que desta vez chega enfraquecida. Pior: a sua situação e a da Alemanha é parte do problema e não se vê como possa ser parte da solução, pois está encurralada já que a sua coligação de Governo pode não sobreviver a uma solução que não agrade aos seus parceiros da Baviera. E tudo por causa de uma crise que teve enorme visibilidade há três anos, em 2015, quando vagas de refugiados chegaram à Europa vindos da Síria e Merkel anunciou que a Alemanha acolheria até um milhões de entre os que fugiam da guerra. Foi uma decisão que teve grandes custos políticos mas não resolveu um problema que agora regressa em várias frentes, de Itália, onde um novo governo recusa receber mais migrantes, até países como a Hungria ou a Polónia, que não querem aceitar um sistema de quotas, passando pela Baviera onde o partido-irmão da CDU de Merkel, a CSU, teme perder a maioria nas eleições de Setembro. Não por acaso o editor do Handelsblatt chamou-lhe “Merkel’s impossible EU summit”. E também não por acaso a burocracia de Bruxelas já começou a intrigar e conspirar, como nos conta o Politico em Clash of the EU consiglieri.
Mas antes de irmos ao problema europeu – afinal de contas o que está mais perto de nós – recordemos a outra crise com imigrantes que tem dominado a actualidade: a que tem por palco a fronteira entre os Estados Unidos e o México e como tema central a separação forçada das crianças das suas famílias. E não, não vou referir a polémica por causa do casaco que Melanie Trump usou na visita a um dos locais onde estão a ser retidas as crianças, para isso podem ler este artigo do New York Times: Melania Trump’s Jacket Sends a Message, but to Whom?–, vou ficar-me pelo especial que Cátia Bruno preparou para o Observador, 10 respostas para entender a separação de famílias. Recomendo vivamente a sua leitura pois nele explica-se bem o quadro legal que já tinha criado problemas a Obama e que esteve na base das decisões e contra-decisões da actual administração. Um texto que ajuda a esclarecer alguns equívocos e responsabilidades.
Sem entrar no debate das políticas do presidente do Estados Unidos, antes fazendo a transição para a Europa, julgo interessante um artigo da Jonah Goldberg na National Review, Reasonable Politicians Need to Take Immigration More Seriously, por nos mostrar como é realmente difícil enfrentar o problema das migrações – e nos tirar as ilusões sobre a facilidade das soluções, por mais compaixão que exista. Ponto 1, o fluxo é imparável: “Imagine you live in a poor village in Asia or Africa (or in Appalachia 150 years ago) where you still need to fetch water from a well or even a river a mile away. In terms of time used and energy exerted, you’d be richer if you moved to the U.S. even if you spent the rest of your life poor by our standards. Mere access to clean tap water, electricity, and indoor plumbing is considered a luxury in some parts of the world. Not to mention the rule of law, human rights, freedom of conscience, etc.” Ponto 2, nenhuma sociedade, deste ou do outro lado do Atlântico, está preparada para lidar com essas vagas migratórias: “Waves of immigrants invite reactions. Many people like to call these backlashes racist, and in some cases they are. But they are also entirely natural, human responses to sudden cultural changes.”
Se partirmos deste quadro geral é mais fácil começarmos a perceber o que se está a passar em Itália. Comecemos a fazê-lo pela mão do especialista em relações internacionais Walter Russell Mead que, no Wall Street Journal, procura explicarWhy Italy Dares to Turn Away Refugees. Nota ele, primeiro que tudo, que “Africa’s population, currently estimated at about 1.26 billion, is projected to double by 2050. Many of those additional people will be poor, but smartphones and the internet will keep them informed of the enormous gap between European and African living standards. It’s likely that for the next several decades many countries in Africa (as well as the Middle East and Central Asia) will remain underdeveloped, torn by civil and religious violence, and producing large numbers of desperate young men.” Daí continuarão pois a vir vagas de imigrantes que, chegando primeiro a países como a Itália, que estão na linha da frente, gerarão as reacções que sustentam as políticas do seu novo governo e, sobretudo, do líder da Liga, Mateo Salvini.
Escrevendo a partir de Itália e sem se preocupar com alinhar com o coro dominante de condenação destas políticas, Nicholas Farrell expõe-nos na Spectator o porquê de Matteo Salvini’s tough immigration stance is paying off. Em concreto as suas medidas são apoiadas pela maioria dos italianos e a sua Liga até está a subir, e muito, nas sondagens, muito porque no país existe a percepção de que foi abandonado pela Europa, que pouco ou nada fez pelos países na linha da frente, aqueles onde os migrantes desembarcam: “At any one time, there are 180,000 migrant asylum seekers in Italy’s government-funded hostels costing 5 billion euro a year. Only seven out of every hundred asylum applications are accepted, Salvini has said, but few migrants are ever deported. Even more migrants refuse to apply for asylum and just disappear. The Italians are angry with the EU, which has done next to nothing either to stop these migrants being shipped to Italy or to help share them out to other member states. They are angry with neighbouring EU states such as France and Austria which have suspended Schengen (...) at their borders with Italy and send back all migrants caught trying to get north as in Italy there is neither welfare nor work.” Ou seja, o apoio a Salvini não resulta de os italianos serem racistas, “It is because, since 2013, 700,000 migrants have arrived in Italy by sea.” Mais: “Whether left-wing multiculturalists or right-wing global capitalists, they see migrants as the key weapon to end both Europe’s demographic crisis and its nation states. But guess what? Most Italian people do not agree with them at all. They see this mass illegal immigration as an existential threat to their country, culture and jobs.”
Mas coloquemos alguma água na fervura e procuremos enquadrar a crise e as divisões europeias com a ajuda de Paulo Rangel que, no Público, em Migrações: a política europeia em migração , nos explica bem como este tema se tornou bem mais central do os relacionados como o euro, tornando-se naquele que realmente divide águas entre países e políticos europeus: “Seja pelo enorme afluxo de refugiados, seja pelo crescimento substantivo de migrantes económicos, seja pelas dificuldades de convivência multicultural nas grandes cidades, seja pela eclosão de múltiplos atentados terroristas com ligação ao fundamentalismo islâmico, seja pelo inverno demográfico que afecta a globalidade das sociedades europeias, o problema das migrações e a saga da identidade converteram-se no problema axial da política europeia. Volveram-se, portanto, num factor decisivo de definição e de agregação dos campos políticos.” Neste texto o eurodeputado do PSD faz também uma apresentação sumária da situação nos diferentes países da União Europeia.
Numa análise mais crítica, Rui Ramos distancia-se do maniqueísmo dos bons e dos maus nesta temática, lançando uma pergunta provocatória: Quem inventou o problema da imigração? Eis uma parte da sua resposta: “Cresce também por causa dos cálculos e cinismos das elites ocidentais, em que uns estão tentados a resolver o recuo demográfico através da importação de mão de obra barata, e outros andam fascinados pela transformação dos migrantes em blocos eleitorais cativos (como a esquerda americana, esperançada com a expansão do “voto latino”). Sim, o problema da imigração foi criado pelos políticos, mas por políticos do “sistema” como Angela Merkel, que ao tentar fazer do descontrolo migratório uma prova de virtude provocou uma enchente em que demasiada gente se arriscou e morreu.”
Para uma explicação mais exaustiva e mais jornalística, recomendo o trabalho de Jacopo Barigazzi e James Randerson no Politico, What is Europe’s migration fight about?Aí se explicam os motivos pelos quais as Europa não consegue chegar a um acordo sobre um pacote de medidas políticas, mesmo sendo certo que os fluxos migratórios estão a diminuir, muito por virtude dos acordos com a Turquia que fecharam os caminhos de fuga da Síria em direcção à Europa. Em concreto, “In the first four months of 2018, asylum applications dropped further, according to provisional data from EASO, with about 197,000 people seeking protection in the EU, fewer than during the same period in each of the last three years, though still higher that the pre-crisis levels in 2014.” Só que os problemas criados nestes últimos anos continuam por resolver: “Back in September 2015, EU states committed to relocating up to 160,000 people who had arrived in Italy and Greece around the Continent within two years. By May the following year only a few thousand had been relocated with some countries not taking any at all.” Sendo assim, e depois de percorrer algumas possíveis soluções e mostrar como qualquer uma delas gera sempre uma forte oposição de alguns países membros, o Político sugere que talvez exista pelo menos uma medida que pode vir a ter o apoio de todos: “Draft guidelines for the European Council summit next week include a proposal for the creation of “regional disembarkation platforms” outside the European Union. These are locations, possibly in North Africa, where officials could quickly differentiate between refugees in need of protection and economic migrants who would potentially face return to their countries of origin.”
Criar campos de triagem em África é, como se imagina, um tema tão sensível que na Comissão Europeia já se garante que não se estarão a criar nos Guantanamos, o que não evita que jornais como o alemão Handelsblatt considere que Europe has lost its soul in the refugee crisis: “Emmanuel Macron enthused over a year ago that Angela Merkel saved Europe’s “collective dignity” and “joint values” with her humane refugee policy. Those words didn’t age well.”
E assim chegamos à Alemanha onde, para compreendermos melhor a difícil situação em que está Angela Merkel vale a pena recorrer aos detalhados artigos da Spiegel. Em Inside the Coalition Battle That Could Topple Merkelconta-se como “at this crucial time, the German government is being held hostage by a regional party that fears losing its majority in the Bavarian state elections in October. And it's glaringly obvious that Merkel does not have the strength to quell this rebellion once and for all.” E em Trapped in the Past: Increasing Headwinds for Angela Merkellamenta-se a situação em Merkel se encontra: “Just a few months ago, German Chancellor Angela Merkel was being described as the new leader of the free world. But recently she has been having trouble getting her way even in Berlin and Europe. Her days of dominance appear to be over.”
Ao mesmo tempo é preciso perceber que esta evolução está a mostrar que, depois da implosão da esquerda moderada um pouco por toda a Europa, agora é Europe’s center right cannot hold, como explica Paul Taylor no Politico. Aí nota, por exemplo, que “Political scientists still expect the EPP to be the largest group in the next European Parliament, but the center right is certain to lose seats and could end up neck and neck with the massed ranks of Euroskeptics, even if the populists do not form a single coherent caucus.”
Escrevendo a partir de uma posição tipicamente alinhada com a das elites europeístas europeias, Philip Stephens alerta no Financial Times para que Europe should beware a nationalist Germany. Na verdade “Many Germans — a majority, the latest poll suggests — remain suspicious of the chancellor’s open borders strategy. Among neighbours, the Visegrad Four — Poland, Slovakia, the Czech Republic and Hungary — are fierce critics.” O que torna muito estreito o caminho a seguir pela chanceler: “Ms Merkel is still convinced — and rightly so — that the nation’s long-term interests reside in liberal internationalism. The chancellor will not easily surrender her convictions. But she has been weakened. After 12 years, her time is running out. And Mr Seehofer and his allies are setting a different direction of travel.”
Este domingo, depois da mini-cimeira em que alguns líderes europeus, nomeadamente os da Alemanha, de França e da Itália, vão tentar limar arestas antes do Conselho Europeu da semana que vem, talvez tenhamos mais claridade sobre a possibilidade de Merkel obter um acordo que lhe permita salvar a sua coligação, a Itália garantias que não continuará a arcar com o esforço de acolher quase sozinha os migrantes que cruzam o Mediterrâneo e os países de Leste uma escapatória ao sistema de quotas. É quase a quadratura do círculo, mas veremos.
Até, e para fechar este Macroscópio com uma leitura mais inspiradora, e boa para o fim-de-semana, deixo-vos com a sugestão da entrevista que o Financial Times fez a uma escritora que foi ela também uma refugiada – Lore Segal: refugees are never mentally entirely safe: “Her story is different from those of the children being separated from their families by American authorities at the US-Mexico border or crossing the Mediterranean or Sahara. But she understands the mindset. “I think refugees are never mentally entirely safe . . . This is hardly my own thing. Many people go through many experiences, and there’s some of us who know that when the gun points at you, it goes off.”
Por aqui me fico depois de um intervalo de quase duas semanas. E fico-me com os votos de tenham um bom fim-de-semana, o primeiro de um Verão que, aqui por estes lados, chegou chuvoso mas já parece querer sorrir-nos.
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