segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Religião | Imperatriz Santa Helena


Importante figura na história do Cristianismo, como mãe do Imperador Constantino, teve papel importante na redescoberta de vários lugares santos na Palestina, principalmente da verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo

*Plinio Maria Solimeo

Flávia Júlia Helena, mãe de Constantino, o Grande, nasceu em meados do século III, possivelmente em Drepanum, na Bitínia (Ásia Menor), mais tarde denominada Helenópolis, no Golfo de Nicomédia. Seus pais eram de origem humilde.

Santo Ambrósio referiu-se a Helena como sendo uma boa stabularia, o que se poderia traduzir como “empregada de estábulo” ou “dona de estalagem”. No entanto, tornou-se a legítima esposa de Marcus Flavius Valerius Constantius Herculius (250-306), mais conhecido como Constâncio Clorus, que quer dizer “Constâncio o Pálido”. Ele foi governador da província da Dalmácia, escolhido depois como um dos dois Césares da tetrarquia constituída pelo imperador Diocleciano, ocupando esse posto de 293 a 306, quando faleceu repentinamente.

Os historiadores sugerem que Constâncio conheceu Helena, e com ela se casou, quando servia na Ásia Menor sob o imperador Aureliano, na campanha contra Zenóbio. Seu único filho Constantino, que reinou de 306 a 337, nasceu em Naissus, na Alta Moésia, num dia 27 de fevereiro logo após o ano 270, mais provavelmente por volta de 272.

Pelo ano 289, tendo-se tornado co-regente do Império, considerações de natureza política, ou então por ordem de Diocleciano, levaram Constâncio a abandonar Helena a fim de se casar com Maximiana Teodora, enteada do imperador Maximiano Heráclio, com quem dividia o poder, para qualificar-se como César do Império Romano do Ocidente.

Helena e seu filho foram mandados então para a corte de Diocleciano, na Nicomédia, onde Constantino cresceu como membro do círculo mais chegado à nobreza. Sua mãe não tornou a casar-se e viveu na obscuridade, mas muito chegada ao filho, que tinha por ela muito apreço, afeição e profunda piedade filial.

St.a Helena encontra a Santa Cruz – Agnolo Gaddi (1385-87). Afresco na Capela da Santa Cruz, em Florença (Itália).

No trono imperial
Com a morte de Constâncio em 306, Constantino foi proclamado Augusto do Império pelas tropas de seu pai. Chamou então a mãe para a corte imperial, conferiu-lhe o título de Augusta e ordenou que lhe fosse prestada toda honra como Imperatriz mãe. Deu-lhe também ilimitado acesso ao tesouro imperial e mandou cunhar moedas com sua efígie.

Após a vitória sobre Maxêncio na Batalha de Ponte Mílvia, em 313, Constantino se tornou cristão e levou a mãe a também abraçar o cristianismo. O historiador Eusébio, Bispo de Cesareia, na Palestina, atesta que “ela [a mãe] tornou-se, sob a direta influência [de Constantino], uma tão boa serva e devota de Deus, que se poderia acreditar ter sido, desde sua mais tenra infância, uma discípula do Redentor da humanidade”.

A partir de sua conversão, Helena teve uma vida fervorosamente cristã, e por sua influência e liberalidade favoreceu a disseminação mais ampla do cristianismo. A tradição associa seu nome à construção de igrejas nas cidades do Império onde a corte imperial residia, principalmente em Roma e Trier, e seu nome está ligado às igrejas por ela erguidas na Terra Santa.

Seguindo os passos de Jesus

No ano 324, depois de sua vitória sobre Licínio, Constantino tornou-se único senhor do Império Romano. Declarou então Roma cidade cristã, no ano 325, e encarregou sua mãe de fazer uma viagem a Jerusalém a fim de reunir, nos Lugares Santos, as relíquias ligadas ao nosso Divino Salvador.

A Cidade Santa ressentia-se ainda de sua destruição no ano 70 pelas tropas de Tito, e estava em reconstrução. Foi na Palestina, como diz Eusébio, que Santa Helena mostrou a Deus, o Rei dos reis, a homenagem e o tributo de sua devoção. Despejou naquela terra suas riquezas e boas obras, “explorou-a com notável discernimento”, e “visitou-a com cuidado, a pedido do próprio Imperador”. Quando “tinha mostrado devida veneração pelos passos do Salvador”, fez construir duas igrejas: uma em Belém, perto da Gruta da Natividade, adornando a gruta sagrada do nascimento com ricos ornamentos; outra no Monte da Ascensão, perto Jerusalém.

Segundo a tradição registrada pela primeira vez por Rufino, nessa sua permanência na Cidade Santa foi descoberta a Cruz de Cristo. Tirânio Rufino, ou Rufino de Aquiléia (entre 340 e 345-410) foi um monge, historiador e teólogo, amigo de São Jerônimo, que viveu em Jerusalém; por isso deveria estar bem a par da tradição local.

Santo Ambrósio relata a respeito da descoberta da Santa Cruz: “O Espírito Santo inspirou-lhe [a Santa Helena] procurar o madeiro da Cruz. Ela se aproximou do Gólgota, e disse: ‘Aqui está o lugar do combate. Onde está a vitória? Eu procuro o estandarte da salvação, mas não o vejo’”. Mandou então escavar o solo no provável local onde fora plantada a cruz, e encontrou três patíbulos colocados de maneira desordenada. Fixou-se então na cruz do meio, nela encontrando a inscrição posta por Pilatos. Ali estava a verdadeira Cruz do Senhor, e Santa Helena a adorou.

É muito divulgada a legenda que se formou sobre esse augusto acontecimento, com sabor e tintas de autenticidade. Segundo Eusébio, o imperador Adriano havia mandado construir no Calvário, exatamente no local provável da crucificação, um templo em honra de um deus pagão, Vênus ou Júpiter. Santa Helena, assistida pelo bispo Macário, de Jerusalém, ordenou que ele fosse demolido, e escolheu um local para iniciar a escavação, o que levou à recuperação de três cruzes diferentes. Mas Helena recusou-se a ser influenciada por qualquer coisa que não fosse uma prova sólida. Foi então trazida de Jerusalém uma mulher agonizante. Tocaram nela a primeira e a segunda cruz, e nada sucedeu. Quando lhe foi tocada a terceira e última, ela repentinamente se sentiu curada. Santa Helena declarou então que essa era a verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. No local da descoberta foi construída a 

Igreja do Santo Sepulcro. Capela de Sta. Helena na igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém

Carta de Constantino

Um documento do imperador Constantino, embora um pouco prolixo, como costumeiro na época, dá autenticidade ao fato. Na chamada “Carta de Constantino a Macário de Jerusalém”, citada na “Vida de Constantino” escrita por Eusébio, diz o Imperador: “Tal é a graça de nosso Salvador, que nenhum poder da linguagem parece adequado para descrever a maravilhosa circunstância que estou prestes a referir. Pois, que o monumento de sua mais sagrada Paixão, há muito tempo enterrado, permanecesse desconhecido por tanto tempo numa sucessão de anos, até que seu reaparecimento aos seus servos, agora libertados através da remoção daquele que era o inimigo comum de todos [o demônio], é fato que realmente supera toda admiração. Eu não tenho maior cuidado senão o de adornar com esplêndida estrutura aquele local sagrado que, sob a direção divina, eu liberei do grande peso da louca adoração de ídolos [o templo de Vênus]. É um lugar que foi considerado sagrado desde o princípio, no julgamento de Deus, mas que agora parece ainda mais santo, já que trouxe à luz uma clara garantia da Paixão de nosso Salvador”.1

Dois escritores antigos – Hermas Sozomeno (375-447), que escreveu acerca da Igreja recolhendo as tradições orais da história da Palestina; e Teodoreto de Cirro (393-466) – afirmam que Santa Helena encontrou também os cravos da crucifixão. E para ajudar seu filho nas batalhas, com seu miraculoso poder, mandou colocar um deles no elmo de Constantino. Segundo antiga tradição, a Imperatriz também encontrou a Sagrada Túnica de Jesus, que enviou para Trier, onde até hoje é venerada.

Ao que parece, Santa Helena deixou Jerusalém e as províncias da Ásia Menor em 327, para retornar a Roma, levando consigo grande pedaço da verdadeira Cruz e outras relíquias, que colocou na capela privada de seu palácio, onde podem ser vistas ainda hoje.

Basílica da Santa Cruz “em Jerusalém”

A memória da Santa Imperatriz em Roma é identificada principalmente com a basílica de Santa Croce in Gerusalemme. De acordo com a tradição, ela queria construir em Roma um oratório para os peregrinos que não pudessem ir a Jerusalém. Com esse fim, transformou em igreja seu palácio — o Palatium Sessorianum, que ficava perto das Thermæ Helenianæ, e cujos banhos derivavam de seu nome. Diz-se que sobre o piso dessa igreja ela mandou espalhar terra trazida do Calvário, daí seu título de Santa Cruz “em Jerusalém”. Além dessa terra oriunda da Palestina, Santa Helena também transferiu para a nova igreja sagradas relíquias que havia trazido da Terra Santa, pelo que todos consideravam a basílica como sendo uma parte da Cidade Santa transferida para Roma. Essa basílica foi consagrada por volta de 325, e se tornou uma das mais importantes da Cidade Eterna. Durante séculos foi atendida por monges cistercienses do mosteiro anexo à igreja.

São João de Latrão

A Basílica de São João de Latrão não tem ligação direta com Santa Helena, mas com seu filho, embora seu início tenha ocorrido durante a vida da Imperatriz. No local em que se situava o quartel da cavalaria do Imperador Septímio Severo, construiu-se no século I o chamado Palácio Laterano, pelo sobrenome da família proprietária.

Esse palácio passou para o controle do Imperador Constantino quando de seu casamento em segundas núpcias com Fausta, irmã de Maxêncio. Ele então o doou ao Bispo de Roma — segundo consta, era o Papa São Miltíades, que reinou de 311 a 314 —, doação que teria ocorrido bem a tempo de nele se poder celebrar um sínodo de bispos, reunido em 313 para analisar o cisma donatista, o qual terminou declarando o donatismo uma heresia.

O palácio foi então ampliado, tornando-se a residência do Papa São Silvestre I (314–335), que nele construiu sua catedral. São João de Latrão – denominada Catedral do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e João Evangelista — é a igreja do Papa, Bispo de Roma. Embora conhecida popularmente como São João de Latrão, como o indica a inscrição em sua fachada, continua tendo como patrono principal Cristo Salvador.

Morte e glorificação
Crânio de Sta. Helena, na catedral de Trier

A generosidade principesca de Santa Helena era tal que, segundo Eusébio, ela ajudava não apenas indivíduos, mas comunidades inteiras. Os pobres e indigentes eram os objetos especiais de sua caridade. Conduziu-se desse modo enquanto esteve na Terra Santa, como testemunhou Eusébio, e não devemos duvidar que tenha demonstrado igual piedade e benevolência nas outras cidades do Império em que residiu após sua conversão, principalmente Roma e Trier.

Segundo o historiador grego Sócrates de Constantinopla (século V), em 327 o Imperador melhorou Drepanum, cidade natal de sua mãe, e decretou que ela deveria chamar-se Helenópolis. É provável que nessa época Santa Helena já tivesse retornado da Palestina.

Santa Helena entregou sua alma a Deus com cerca de 80 anos, tendo Constantino a seu lado, o que deve ter ocorrido por volta do ano 330, uma vez que as últimas moedas cunhadas com o seu nome tinham essa data. Segundo alguns, seu corpo foi levado a Constantinopla, para o mausoléu imperial na igreja dos Apóstolos. Presume-se que seus restos mortais tenham sido transferidos em 849 para a Abadia de Hautvillers, na Arquidiocese de Reims, na França. Segundo outros, ela teria sido sepultada no Mausoléu de Helena, fora de Roma, na Via Labicana. Seu sarcófago estaria no Museu Pio-Clementino do Vaticano, próximo ao de Santa Constantina, sua neta. Seu crânio estaria na catedral de Trier, na Alemanha.

A festa de Santa Helena é celebrada no dia 18 de agosto. Ela passou a ser reverenciada como santa no Oriente, difundindo-se essa veneração pelos países ocidentais no início do século IX.2

ABIM
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Notas:
2. Outras fontes:
• J.P. Kirch, St. Helena, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition. 

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