quarta-feira, 20 de abril de 2016

Angola. SILÊNCIOS DE SANGUE

O antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apelou hoje aos líderes africanos para que abandonem os cargos no final dos mandatos e para que evitem excluir a oposição nas eleições, contribuindo para diminuir os conflitos no continente. A Angola a mensagem nunca chegará.

Odiplomata ganês defendeu que, apesar de se terem reduzido alterações inconstitucionais na governação no continente africano, políticas exclusivistas ameaçam reverter os avanços registados.

“Eu penso que África se tem saído bem, de uma forma geral os golpes acabaram, os generais têm-se mantido nas suas casernas, mas estamos a criar situações que podem trazê-los de volta”, alertou o Nobel da Paz de 2001, numa entrevista a propósito do quinto Fórum de Alto Nível de Tana, dedicado ao tema da segurança em África, que decorreu nos últimos dias em Bahir Dar, polo turístico na Etiópia.

“Se um líder não quer abandonar o cargo, se permanecer por demasiado tempo, e se as eleições são vistas como viciadas para favorecerem um líder e ele se mantiver mandato após mandato após mandato, é possível que a única forma de o retirar seja através de um golpe ou o povo saindo à rua”, considerou, em declarações divulgadas pela Organização da Imprensa Africana.

Por mero acaso citem-se os exemplos de Angola e da Guiné Equatorial, onde os respectivos reis estão no poder desde 1979. Coisa pouca, obviamente.

“Nenhuma abordagem deve ser vista como uma alternativa à democracia, às eleições ou às regras parlamentares. As constituições e as regras do jogo devem ser respeitadas”, avisou Kofi Annan, mesmo sabendo que nada disso é praticado em muitos países, desde logo no do seu amigo José Eduardo dos Santos.

O antigo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), orador principal do fórum deste ano, disse que abordagens totalitárias às eleições no continente resultavam na exclusão de cidadãos opositores ao regime, aumentando tensões em redor dos actos eleitorais.

Pois. Palavras leva-as o vento. Aliás, sendo Angola prova disso tudo, a ONU deu-lhe assento no seu Conselho de Seurança.

Kofi Annan recordou ter sido o primeiro a defender, junto da União Africana, que não aceitasse, no seu seio, líderes que estivessem no poder graças a golpes.

O diplomata também sustentou que as soluções para os problemas do continente têm de vir do seu interior. No entanto, o continente deve trabalhar a sua capacidade para tal, incluindo o financiamento às suas instituições.

“Não podemos estar sempre de mão estendida e insistir que queremos ser soberanos e independentes. Devemos liderar e conseguir o apoio dos outros — esse apoio aparecerá muito mais quando virem quão sérios e empenhados nós estamos”, salientou.

Recordam-se, por exemplo, do relatório Africa Progress Report 2013, elaborado por um grupo de personalidades coordenada por Kofi Annan e do qual fez parte Graça Machel? Nele se dizia:

“Enquanto a elite angolana usa o rendimento do petróleo para comprar activos no estrangeiro, em Angola as crianças passam fome”.

Além disso a taxa de mortalidade infantil, até aos cinco anos, de Angola está no topo da lista: é a oitava maior do mundo, com 161 mortes em 1000 crianças por ano, o que representa 116 mil mortes todos os anos. A subnutrição explica um terço destes óbitos de crianças.

“Em nome do desenvolvimento económico, sob a égide do capitalismo, encontram-se justificações para a prática da corrupção, a falta de transparência nas contas do Estado e a falta de reconhecimento dos direitos de propriedade. A moral e a ética não fazem parte da cultura da ‘burguesia angolana emergente’, o que ‘legitima’ a coarctação da democracia em defesa do status quo da elite reinante”, afirma o economista José Dias Amaral.

“José Eduardo dos Santos está há tanto tempo no cargo que passou a governar o país como um autêntico monarca”, acusa por sua vez o cientista político Nelson Pestana, da Universidade Católica de Angola, e dirigente do Bloco Democrático.

Folha 8

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