terça-feira, 5 de julho de 2016

EM ÁFRICA HÁ QUE VALORIZAR A “PAZ ANTROPOLÓGICA” E A“PAZ SOCIAL”


Tenho assumido a advocacia da lógica com sentido de vida por um conjunto muito alargado de razões, que vão desde a interpretação inteligente e materialista-dialética dos fatores físico-geográfico-ambientais que animam a Mãe Terra, até às questões antropológicas e sociais que animam a humanidade no seu relacionamento não só entre os seres humanos, mas também com a própria natureza.

Num continente onde em grande parte de sua extensão não se registaram os impactos e os efeitos da revolução industrial, é muito evidente, mas pouco ou nada valorizado nas análises de cientistas quanto dos políticos, o peso e a premente necessidade do saber antropológico (por tabela também o conhecimento histórico), no conjunto do conhecimento humano, pois subvaloriza-se o facto de que a sobrevivência humana está intimamente associada às questões físico-geográficas-ambientais, tendo em conta os meios de produção disponíveis em culturas que estão longe de ter acesso à máquina e está ainda muito dependente da estrutura social nas áreas rurais, na utilização de utensílios, em modos de produção familiares, tradicionais e arcaicos, nas pressões que há na utilização dos espaços disponíveis de terra arável, ou ainda na precariedade do acesso à água interior.

Há nessa questão uma íntima relação entre o evoluir da situação nos Grandes Lagos e em Angola, com múltiplas influências recíprocas, bem patentes na paz como na guerra (basta recordar a abrangência no espaço físico-geográfico-ambiental no quadro do que foi considerado como “Iª Guerra Mundial Africana”)!...

Efetivamente o relacionamento humano com o espaço físico-geográfico-ambiental, tendo em conta o aumento das pressões sobre a ocupação dos espaços de terra arável e sobre os acessos à água, estão patentes na imensa região que engloba os Grandes Lagos e as nascentes de três rios vitais para África, as nascentes do Nilo, do Zambeze e do Congo, como em Angola está patente na região central das grandes nascentes, onde nascem e de onde partem rios como o Luena, o Lungué Bungo, o Cuando, o Cubango, a bacia subterrânea do Cuvelai, o Cunene, o Catumbela, o Queve, o Cuanza, o Cuango, o Cassai e outros de menor expressão (incluindo o sistema de afluentes e subafluentes).

Em Angola o relacionamento secular do homem nesse espaço, possibilitou historicamente fenómenos como a organização da resistência à penetração colonial no interior do continente, à geo estratégia adotada pelo MPLA na Luta Armada contra o colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas, tal como esteve na base das geo estratégias de Savimbi, desde os tempos da “Operação Madeira”, até à sua última opção militar, a da “guerra dos diamantes de sangue”, o que lhe permitiu a longevidade de sua organização etno-nacionalista!

Um dos garantes do MPLA na sua identidade nacionalista angolana, relaciona-se também com a sua implantação precisamente na região de maior ocupação humana no espaço nacional, toda ela longe das fronteiras e mais próxima do mar: um vasto triângulo cuja base é a linha de costa e com vértice interior precisamente na região central das grandes nascentes, no planalto do Bié: prevalecer nesse triângulo é fundamental para a construção da identidade nacional e para todo o tipo de ações a curto, médio e longo prazos, faltando-lhe no entanto garantir as geo estratégias a muito longo prazo, algo que só poderá ser conseguido com o domínio do estado angolano sobre as principais nascentes e com programas de desenvolvimento sustentável gerados a partir da valorização dos recursos hídricos do interior, inclusive em áreas de intervenção como os casos do Moxico, ou do Cuando Cubango.

De facto os programas de crescimento em Angola, ainda não possuem um fio condutor que integre, ou agregue, as ações orientadas para o desenvolvimento sustentável, num quadro amplo, valorizador das perspetivas duma “paz antropológica” que seja também uma “paz social” e geo estrategicamente orientada para o muito longo prazo, num horizonte de séculos!

Lutar contra o subdesenvolvimento tem em Angola, como nos Grandes Lagos, que perseguir essa trilha, a única forma saudável, responsável e respeitadora da Mãe Terra, em relação à qual os estados, as elites e os povos se deverão empenhar por muitas e muitas gerações, a única forma na via das potencialidades do renascimento africano!

Foto: Visita do Presidente José Eduardo dos Santos ao Vaticano (30 de Abril de 2014).

Anexo extracto da Laudato Si do Papa Francisco sobre a questão da água:

A QUESTÃO DA ÁGUA

“27. Outros indicadores da situação actual têm a ver com o esgotamento dos recursos naturais. É bem conhecida a impossibilidade de sustentar o nível actual de consumo dos países mais desenvolvidos e dos sectores mais ricos da sociedade, onde o hábito de desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos. Já se ultrapassaram certos limites máximos de exploração do planeta, sem termos resolvido o problema da pobreza.

28. A água potável e limpa constitui uma questão de primordial importância, porque é indispensável para a vida humana e para sustentar os ecossistemas terrestres e aquáticos. As fontes de água doce fornecem os sectores sanitários, agro-pecuários e industriais. A disponibilidade de água manteve-se relativamente constante durante muito tempo, mas agora, em muitos lugares, a procura excede a oferta sustentável, com graves consequências a curto e longo prazo. Grandes cidades, que dependem de importantes reservas hídricas, sofrem períodos de carência do recurso, que, nos momentos críticos, nem sempre se administra com uma gestão adequada e com imparcialidade. A pobreza da água pública verifica-se especialmente na África, onde grandes sectores da população não têm acesso a água potável segura, ou sofrem secas que tornam difícil a produção de alimento. Nalguns países, há regiões com abundância de água, enquanto outras sofrem de grave escassez.

29. Um problema particularmente sério é o da qualidade da água disponível para os pobres, que diariamente ceifa muitas vidas. Entre os pobres, são frequentes as doenças relacionadas com a água, incluindo as causadas por microorganismos e substâncias químicas. A diarreia e a cólera, devidas a serviços de higiene e reservas de água inadequados, constituem um factor significativo de sofrimento e mortalidade infantil. Em muitos lugares, os lençóis freáticos estão ameaçados pela poluição produzida por algumas actividades extractivas, agrícolas e industriais, sobretudo em países desprovidos de regulamentação e controles suficientes. Não pensamos apenas nas descargas provenientes das fábricas; os detergentes e produtos químicos que a população utiliza em muitas partes do mundo continuam a ser derramados em rios, lagos e mares.

30. Enquanto a qualidade da água disponível piora constantemente, em alguns lugares cresce a tendência para se privatizar este recurso escasso, tornando-se uma mercadoria sujeita às leis do mercado. Na realidade, o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos. Este mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições económicas para prover de água limpa e saneamento as populações mais pobres. Entretanto nota-se um desperdício de água não só nos países desenvolvidos, mas também naqueles em vias de desenvolvimento que possuem grandes reservas. Isto mostra que o problema da água é, em parte, uma questão educativa e cultural, porque não há consciência da gravidade destes comportamentos num contexto de grande desigualdade.

31. Uma maior escassez de água provocará o aumento do custo dos alimentos e de vários produtos que dependem do seu uso. Alguns estudos assinalaram o risco de sofrer uma aguda escassez de água dentro de poucas décadas, se não forem tomadas medidas urgentes. Os impactos ambientais poderiam afectar milhares de milhões de pessoas, sendo previsível que o controle da água por grandes empresas mundiais se transforme numa das principais fontes de conflitos deste século.[23]


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