Sobas
do Cuango, na Lunda Norte, entregaram hoje uma queixa na
Procuradoria-Geral da República (PGR), denunciando uma empresa
diamantífera por retirar “à força” centenas de lavras aos
camponeses, ou pagando falsas indemnizações.
Segundo
o documento entregue na PGR, em Luanda, subscrito por dois sobas e
dois regedores – autoridades tradicionais angolanas – de Cafunfo,
município do Cuango, trata-se de uma “participação de crimes
públicos de extorsão e usurpação de imóvel” contra a Sociedade
Mineira do Cuango (SMC) e cinco administradores e directores, por
actos alegadamente cometidos desde 2015.
“Nestas
operações participam quadros da empresa acompanhados por forças de
segurança de uniforme, que afastam as pessoas das terras e destroem
as culturas”, lê-se no texto da participação, a que a Lusa teve
acesso. Pede-se ainda a “intervenção imediata do Ministério
Público”, para “fazer cessar as violações do direito de
propriedade e instaurar o processo criminal”.
Contactada
hoje pela Lusa, fonte oficial daquela empresa negou o teor da
denúncia, garantindo que cumpre na totalidade o acordo estabelecido
com a população local e as autoridades municipais, no qual se
prevê, entre outros aspetos, a forma de cálculo de indemnizações
— que servem para os camponeses comprarem sementes e prepararem
outros locais de cultivo — e se “dá tempo” para a sua
retirada.
“Não
há nada que indique que tenhamos feito isso. Não o fazemos, se
existe alguma situação desse tipo, nós não temos conhecimento.
Não violámos de forma nenhuma os acordos que temos”, garantiu a
fonte da SMC.
Já
os sobas acusam a administração da empresa de, com o “intuito de
expandir a exploração de diamantes”, ordenar aos directores de
operações “que expulsem e destruam terras pertencentes a
terceiros, recorrendo ao uso da força e pagando por vezes uma
indemnização fingida”.
“Fazem
a exploração e deixam só os buracos para os lundas [povo das
províncias da Lunda Norte e Sul]. Não temos benefícios de nada”,
criticou, por seu turno, o regedor MwaCapenda Camulemba, um dos
subscritores desta queixa, juntamente com o regedor MuaCafunfo e os
sobas Muamuxico e Txindjanga.
“Se
não fizerem nada, vou mobilizar todo o povo das lundas. A minha
resposta é manifestar e denunciar isto. Sem resposta para a
exploração nem quero ouvir falar de eleições [gerais, em Angola,
em 2017], não fazemos”, disse ainda o regedor à Lusa.
A
denúncia refere que, entre 2015 e 2016, a SMC “destruiu 402
lavras” de camponeses locais, 98 das quais entre Julho e Setembro
últimos, nas margens dos rios Pone e Lué, e nos riachos Kamaconde,
Kamilengo, Kamalowa e Sachi, no Cuango.
“Sucedeu-se
a ocupação dos terrenos por parte da SMC, com vista à exploração
de diamantes”, acusam, afirmando que a secção de Agricultura do
município do Cuango estará em posse de uma lista com mais 123
lavras adicionais “a serem destruídas proximamente” pela
empresa.
As
autoridades tradicionais referem que por vezes “são concedidas
falsas compensações aos camponeses”, nomeadamente atribuindo-se
“tambores vazios com capacidade para 200 litros, ou pequenos
valores monetários”.
“Não
foi passado qualquer recibo nem realizado qualquer acto formal para
obtenção da posse dos terrenos. Tudo se resumiu a um exercício de
força, com a ajuda da polícia”, apontam.
“A
SCM não tem interesse absolutamente nenhum em ter litígios e
conflitos com as populações. Cada vez mais nos queremos aproximar”,
enfatizou a mesma fonte da empresa, sublinhando os apoios que tem
atribuído à recuperação de escolas e abastecimento de água no
Cuango, onde é a maior empregadora privada.
No
texto da participação à PGR refere-se que a SCM é uma entidade
formada por três sócios: a empresa pública Endiama (41 por cento)
e os privados ITM-Mining (38 por cento) e Lumanhe (21 por cento).
Esta última, lê-se, é detida por vários generais angolanos.
“É
só buracos que nos deixam. A colonização é a mesma, foi Portugal
e agora continua. A tortura é a mesma da colonização”, queixa-se
o regedor MwaCapenda Camulemba.
“Estas
práticas fazem lembrar as dos colonizadores portugueses, que
desembarcavam nas costas africanas com umas bugigangas e uns tecidos
mal-amanhados, que trocavam por ouro e outros objectos preciosos,
enganando o indígena, como se compraziam em dizer”, acusam, na
participação entregue esta manhã na PGR, em Luanda.
Fonte:makaangola
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