Apesar da imagem do executivo comunitário ficar, uma vez mais, abalada, podemos já apostar que Juncker não tem qualquer intenção de contrariar a chanceler
Entre um comissário europeu, o alemão Günther Oettinger, que profere declarações racistas que roçam a homofobia e que desdenham a democracia, e uma «comissão de ética» que considera que o ex-presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, não violou o seu dever «de integridade e de reserva» ao deixar-se contratar pelo banco de negócios americano, Goldman Sachs, a imagem do executivo comunitário fica, uma vez mais, abalada.
Günther Oettinger
O democrata cristão Oettinger, que governava Bade-Würtemberg (estado federal do sudoeste da Alemanha), foi enviado para Bruxelas em 2009 pela Chanceler Angela Merkel que pretendia afastá-lo, denunciou-se, na noite desta quarta-feira, em Hamburgo, perante uma assembleia de dirigentes de empresas.
Chineses: “astutos dissimulados” e “olhos em bico”
As suas declarações, que foram parcialmente filmadas, foram reveladas pelo semanário Der Spiegel. Classificando os Chineses como “astutos dissimulados” e “olhos em bico” (” Schlitzohren und Schlitzaugen”), o comissário afirmou que, aquando da cimeira UE-China, encontrou uma delegação de «homens novos» («do mesmo partido, sem democracia») e que, «da esquerda à direita, estavam todos “penteados” com graxa preta»…
De seguida, mostrou-se indignado por se poder lançar para a reforma mães de família e se aceitar o casamento homossexual que será «em breve, imposto» na Alemanha.
Valónia: “micro-região gerida por comunistas”
Ou seja, segundo o testemunho de Frank Compernolle, adido comercial da Valónia em Bruxelas, ele atacou a Valónia, «uma micro-região gerida por comunistas, que iria bloquear toda a Europa» ao impedir a assinatura do CETA, o que «não é tolerável». Compernolle levantou-se e abandonou a sala, tal como o cônsul honorário da Bélgica. Tiradas populistas dignas de um Donald Trump que puseram em alvoroço uma parte da classe política alemã e da Valónia.
Também Katherina Barley, a secretária geral do SPD, afirmou que «quem espalha abertamente opiniões racistas e homofóbicas deixa de estar qualificado para altas funções políticas». O porta-voz de Paul Magnette, o ministro-presidente valão, considerou que «estas declarações escandalosas são a prova de um total desprezo pela nossa região, pelos seus representantes, cidadãos e sociedade civil que se mobilizaram». Esta iniciativa democrática deveria ser encorajada em vez de ser «desprezada ou caluniada».
«Um pouco de coragem» a Juncker
O presidente do CdH, o partido centrista francófono, Benoit Lutgen, pede a Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão, que tenha «um pouco de coragem» e «que demita Günther Oettinger».
O grupo socialista do Parlamento Europeu denuncia:
«as declarações notoriamente racistas e homofóbicas ou estigmatizantes em relação à Valónia por parte do comissário Oettinger (…). Antes mesmo destas intoleráveis declarações, a sua promoção ao cargo de vice-presidente da Comissão Europeia, com alargamento das suas responsabilidades, já causava problemas. Isto significa que a nossa posição é clara : exigimos que a sra. Merkel e o sr. Juncker assumam as suas responsabilidades. A União Europeia não pode tolerar que um dos seus representantes em exercício profira tais declarações abjectas e ultrajantes».
O grupo liberal, pela voz da deputada holandesa, Sophie In’t Velt, partilha esta posição:
«A Comissão, enquanto guardiã dos tratados, deve dar o exemplo, sobretudo num momento em que a confiança nas instituições é débil. Discursos pouco dignos, racistas, sexistas ou homofóbicos são inaceitáveis por parte de um comissário europeu».
«A Comissão, enquanto guardiã dos tratados, deve dar o exemplo, sobretudo num momento em que a confiança nas instituições é débil. Discursos pouco dignos, racistas, sexistas ou homofóbicos são inaceitáveis por parte de um comissário europeu».
Oettinger e a Comissão Barroso
De referir que esta não foi uma estreia de Oettinger. Em Setembro de 2011,em plena crise grega, o então responsável pela energia na Comissão Barroso propôs «colocar a meia haste, nos edifícios da União Europeia, as bandeiras dos incumpridores em matéria de deficit, o que certamente constituiria um símbolo, mas que teria um efeito dissuasor»… Atenas tê-lo-ia apreciado, sem dúvida…
Conselho de especialista!
Depois, em Setembro de 2014, espalhou a consternação entre os deputados europeus, aquando da sua audição de confirmação como comissário responsável pela economia digital, revelando a dimensão da sua ignorância no domínio que iria gerir: «Com a tecnologia, não poderão excluir todos os riscos. Vou dar-vos um exemplo que poderá parecer um pouco, hum… indignificante. Recentemente, numerosas celebridades queixaram-se de que fotos suas, onde estão despidas, foram colocadas na Internet. Nem quis acreditar! Se uma celebridade é tão estúpida que se deixa fotografar despida e envia a foto para a web, não pode esperar que a protejamos. Não podemos proteger as pessoas das suas asneiras».
Uma tirada que não impediu a sua nomeação para o Parlamento já que se trata de um amigo político da chanceler.
Jean-Claude Juncker irá tomar medidas severas após a saída “hamburguesa” do seu comissário, que pretendia nomear vice-presidente titular do orçamento e da administração, após a saída anunciada da comissária búlgara para o Banco Mundial ? É caso para duvidar quando assistimos às suas hesitações face ao drible que o seu antecessor fez à Europa ao ser contratado pela Goldman Sachs, um banco de negócios que teve um importante papel na crise dos subprimes e na crise grega.
Demasiado humano, Juncker hesitou em condená-lo, embora politicamente isso o beneficiasse, pois a esposa de Barroso acabara de falecer, vítima de cancro (o que, de passagem, não impediu Barroso de negociar o seu contrato). E não será o parecer da «comissão de ética» que o fará endurecer o tom. Composto por um antigo juiz holandês no Tribunal Europeu, um antigo director-geral austríaco da Comissão e uma antiga deputada europeia alemã, a comissão declarou que Barroso não violou as regras «de integridade e de reserva» impostas pelos tratados e pelo código de conduta interna, mesmo que «estivesse consciente e informado que, agindo assim, despoletaria críticas e destruiria a reputação da Comissão e da União em geral» e que, «não deu provas do bom comportamento que seria de esperar por parte de alguém que ocupou um cargo de alta responsabilidade durante tantos anos».
Integridade e reserva
Assim, perguntamos: em que condições pode um comissário violar as regras «de integridade e de reserva», uma questão que se coloca também a Oettinger que se encontra ainda em funções. Caso os exemplos de antigos responsáveis políticos se reconvertessem em actividades privadas lucrativas nos estados-membro, seria raro que um ministro de um país-membro sobrevivesse a declarações como as do comissário para a economia digital.
No entanto, podemos já apostar que permanecerá em funções: Juncker não tem qualquer intenção de contrariar a chanceler. E o Parlamento Europeu, que poderia obrigá-lo a demitir-se, está totalmente dominado pela Alemanha. E não seria bom para a imagem da Europa.
Jornal Tornado - Fonte: Libération
Nenhum comentário:
Postar um comentário