sábado, 19 de novembro de 2016

UMA LONGA LUTA EM ÁFRICA – I

A ODISSEIA DA “VITÓRIA OU MORTE”


1 – A internacional fascista em África, no início da década de 60 do século XX, estava relativamente à vontade na África Austral, enquanto grande parte do continente estava mergulhado em profundo neocolonialismo (apesar da cosmética das independências de bandeira) e por isso no Congo, as aspirações mais legítimas de liberdade foram sacrificadas com o assassinato do desamparado e heroico Primeiro-Ministro Patrice Lumumba, com o desmantelamento dos escassos suportes progressistas que o apoiavam e com a sobrevivência durante três décadas, meio incógnita, meio isolada, de Laurent Kabila!

Nessa altura as linhas da internacional fascista estendiam-se continente adentro e sem obstáculos ou percalços de maior desde a emanação fulcral na África Austral, com ponto forte integrando os processos sócio-políticos do colonialismo entrosados com os do “apartheid”, garantindo um campo de manobra importante nas direcções em que grassava o neocolonialismo, com todo o cortejo de manifestações próprias, características dos países da cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano.

O quadro não poderia ser tão desafiador para o movimento de libertação em África, que procurava lançar-se na refrega de armas na mão perante o tão arcaico quão renitente colonialismo português, com o “apartheid” e o risco de neocolonialismo a nu e a cru, bem presente na expressão do seu “diktat” quotidiano, a ponto de por vezes se entrecruzar com as cenas próprias da sobrevivência, ou da morte.

Até sensorialmente o MPLA foi posto à prova nesse dilema, como se esse fenómeno se tratasse duma autêntica “prova de vida”!

O movimento de libertação efetivamente nacionalista e moderno, teve de enfrentar no seu dia-a-dia racismo, tribalismo, regionalismo, enfim, todo o tipo de divisionismos, além do obscurantismo e confusão própria das imensas massas populares analfabetas e brutalizadas pela barbárie escravocrata e colonial, expedientes que eram compulsados como armas ideológicas preferenciais dos interesses e conveniências das potências externas a África, ou aos fulcros retrógrados da África Austral à disposição dos interesses dominantes para depois se traduzirem e animarem nos extremos sanguinários e repressivos dos agentes-fantoches da ocasião.

Em 1963 e 1964 o MPLA sofreu uma ofensiva em Léopoldville (Kinshasa) que procurou alterar profundamente o seu carácter, conjugando-se duas linhas de impacto: uma interna, no rescaldo da cisão de orientação pró-chinesa com o resto do universo socialista, personificada por Viriato da Cruz e a outra externa, com Kasavubu a determinar a expulsão do MPLA do Congo e a proibição da guerrilha do MPLA poder passar por território congolês a fim de levar a cabo a luta no interior de Angola.

O objetivo era tornar o MPLA em mais um etno-nacionalismo dócil e vulnerável às ingerências, manipulações e ambiguidades de que o campo capitalista dava provas com expressão na prática por toda a África de então, sobretudo em Léopoldville com Kasavubu e Mobutu, agentes diletos da construção da base da hegemonia unipolar no continente.

Quando se chegou a meados da década de 60, tornou-se claro que era necessário reforçar a CONCP, Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, passando da unidade nos esforços político-diplomáticos, para uma unidade em luta no terreno e a quente, face a face às linhas favoráveis à arquitetura internacional fascista, cujo último ponto forte foi ganho em Léopoldville (Kinshasa), na sequência da sangrenta ascensão de Mobutu e das conjunturas que se desencadearam para alterar o MPLA, tendo como consequência a sua expulsão de Léopoldville!

Por essa altura a recém-formada Organização da Unidade Africana demonstrou o estado de confusão neocolonial que grassava no continente, reconhecendo apenas a etno-nacionalista UPA-FNLA (e o GRAE), como o legítimo representante da luta levada a cabo pelo povo angolano na sua ânsia de se libertar do colonialismo português.

Essa seria a sorte do MPLA, não fosse a clarividência, tenacidade e capacidade geoestratégica de Agostinho Neto enquanto líder do MPLA, que se apercebeu que os fatores externos procuravam por duas vias e aproveitando as conjunturas, alterar profundamente o carácter da luta, “domesticando-a”a favor de interesses cosmética e vagamente nacionalistas e aprontando-a para os desígnios que animavam, entre outros, os presidentes Kasavubu e Mobutu.

Os que seguiam Agostinho Neto, assumiram com coragem o “Victória ou Morte”, que ressoou como um grito de guerra nas fileiras, desde os CVAAR (Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados) à UNTA (União Nacional dos Trabalhadores Angolanos), passando pela própria organização e estruturas do MPLA.

Pouco a pouco atravessar o rio Congo entre Léopoldville e Brazzaville era assumir a vitória, caso se conseguisse alcançar o Congo, ou aceitar o risco de clandestinidade (conforme a de todos os militantes condignos), de prisão (conforme Chipenda e Toca), ou mesmo de morte (conforme o caso do Comandante benedito), caso sua detecção no espaço territorial do Zaíre.

Entre 1963 e 1966, em função da expulsão do MPLA de Léopoldville e a sua remissão à clandestinidade na capital do Congo, a FNLA assassinou, de acordo com o compêndio histórico do MPLA, citando várias fontes e o Memorando da Comissão de Reconciliação da OUA, 41 militantes, entre eles o Comandante Benedito.

2 – Alguns analistas, comentaristas e historiadores contemporâneos, argumentam de forma a “apagar” da visibilidade pública desde factos históricos segundo as experiências de vida individual, coletiva e institucional, pior ainda quando tendem a interpretar.

De facto esses analistas, comentaristas e historiadores, correspondem de forma “independente” (que predicado mais enganador) aos estímulos neoconservadores e neoliberais da época que estão a viver, beneficiando quantas vezes dos espaços públicos a que têm acesso (rádio, televisão, jornais, contactos de toda a ordem inclusive em fóruns, assembleias, etc.).

Correspondendo a conveniências, interesses, ingerências, ou manipulações de forma aberta, mas particularmente de forma velada, eles tendem a “apagar a história” com vista a impor narrações que em nada correspondem à época a que se reportam, tendendo a, por via de suas interpretações, “reinventar a história” em processos “revivalistas” que são úteis a quem servem… subvertendo de facto a história.

Fiquemos com esta extrapolação: se fosse possível levá-los à vida “transportá-los” à época a que se referem e apagar a sua vivência no presente como eles procuram “apagar” o passado histórico, eles estariam precisamente na pele das personagens mais retrógradas e mais negativas de África, no caso da experiência do MPLA em Léopoldville, ao nível provável dum Kasavubu, dum Mobutu, dum membro da cisão do grupo de Viriato da Cruz, ou dum Holden.

Ao procurar “apagar a história” para contá-la à sua maneira, essa gente assume um comportamento em tudo similar aos “jihadistas” do Estado Islâmico, que por causa da ideologia que os norteia destrói monumentos históricos milenares; as ideologias indexadas aos expedientes de capitalismo neoliberal, permitem a existência dessas pontes fundamentalistas, conforme aos conceitos neoliberais da “nova vaga pop” com o nome de Francis Fukuyama (“O fim da história e o último homem”)!…

De facto seguir entre 1963 e 1966 um líder como Agostinho Neto não era um processo fácil e nada tinha a ver com caprichos, por que naquela época havia toda a admissibilidade internacional, por reflexo neocolonial e sob pressão da internacional fascista, abrindo caminho na direcção etno-nacionalista (conforme à projecção conferida à UPA-FNLA, GRAE), ao mesmo tempo que se procurava a todo o transe, seguindo trilhas ideológicas repressivas mais diversas e processos de inteligência, processos policiais, ou processos militares, “apagar do mapa” sócio-político africano, o movimento de libertação!

Em 1963 e 1964 o MPLA teve uma verdadeira “prova de vida” face à expulsão e perseguições de que foi alvo em Léopoldville e uma das armas que o salvou numa fronteira de “Vitória ou Morte”, foi precisamente a doutrina e a ideologia materialista dialética com que Agostinho Neto fez a gestão a quente e enfrentando obstáculos de toda a ordem, que se saldaram na sobrevivência da maioria dos militantes como da instituição e isso ninguém poderá “apagar”!

Percebeu a revolução cubana, percebeu o Che, pelo que em 1965, a unidade de luta entre a revolução cubana e o movimento de libertação em África, abria uma página singular no âmbito do Não Alinhamento ativo, “multiplicando os Vietnames” então e garantindo hoje a lógica com sentido de vida que anima as relações fraternais entre Angola e Cuba!

Os iluminados pelas ideologias indexadas à terapia neoliberal preferem o “apagar da história” o carácter da trajetória do MPLA, para hoje introduzir a narração à sua maneira e respondendo docilmente aos incentivos das correntes dominantes (que lição a dos reflexos de Pavlov): assumem o mercenarismo tal e qual Francis Fukuyama, em 1989, no fim da chamada “Guerra Fria” e precisamente quando em África se aprestava o início do choque neoliberal (que em Angola teve impacto entre 1992 e 2002)!

Como cobardes não pegaram em armas, nem dum lado, nem de outro, enquanto durou o choque neoliberal (a guerra para eles não dava lucro e Fukuyama abria o caminho a iniciativas mercenárias de outro tipo)… pegam portanto agora nas canetas em plena terapia neoliberal (o que vai dando algum lucro, não ao nível de Francis Fukuyama, mas pelo menos na esteira dele, formatados pelos mesmos donos)!

Martinho Júnior. Luanda, 17 de Novembro de 2016, 41º ano de independência de Angola.

Imagens
- Mapa de África mostrando a expressão geográfica da internacional fascista com seu fulcro na África Austral e as independências de bandeira prontas, muitas delas, para a ambiência neocolonial. 
- “O fim da história e o último homem” e o “iluminado” Francis Fukuyama: a anestesia antes do choque neoliberal e um dos produtos injetáveis nas espectativas da terapia neoliberal!

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