sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

DEZ ANOS DE EMPOBRECIMENTO PARA OS REFORMADOS

Diana Simões – AbrilAbril, opinião
Foi com o 25 de Abril de 1974 e com o seu cariz revolucionário que a Segurança Social se afirmou pública, universal e solidária, mas sobretudo que se definiu por estar ao serviço dos trabalhadores.

A Reforma da Segurança Social de 2006

A Reforma da Segurança Social levada a cabo em 2006, pelo então e atual ministro Vieira da Silva, com a aprovação de uma nova Lei de Bases da Segurança Social e com a aprovação da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, deixou os trabalhadores, numa parte substancial da sua proteção na velhice, subordinados ao comportamento dos mercados e da economia.

Esta reforma pretendeu enfraquecer o sistema público de Segurança Social, procurando reduzi-lo à prestação de direitos mínimos, tendo por base a recuperação – com andrajosas vestes de modernidade – de uma conceção caritativa e assistencialista derrotada com a revolução de Abril.

Também a enfatização excessiva das questões demográficas feita a partir de importantes centros de decisão política e de «fazedores profissionais» de opinião pública procura fazer com que as conquistas da humanidade que permitiram o aumento da esperança média de vida se virem contra os trabalhadores e, desta forma, dar maior credibilidade ao modelo de Segurança Social que pretendem impor.

Para venderem melhor a sua conceção neoliberal, fazem truques de ilusionismo, trazendo à luz determinados dados e metendo outros no baú - se é verdade que o número de ativos por pensionistas tem diminuído em Portugal, devido sobretudo ao envelhecimento da população, não é menos verdade (apesar de ocultado), que o crescimento da riqueza criada por empregado aumentou muito mais do que essa diminuição. São, portanto, precisos menos trabalhadores a produzir para suportar, solidariamente, os trabalhadores reformados, desempregados, de baixa ou de licença.

Passados dez anos, o legado desta reforma é um sistema de Segurança Social mais injusto e imprevisível, moldado à vista do comportamento de fatores económicos e demográficos, que os trabalhadores não controlam, mas pelos quais são responsabilizados.

Assim, ao trabalhador foram colocadas, em 2006, as seguintes opções: ou pagava mais (designadamente fazendo uso dos instrumentos de poupança privados), ou trabalhava mais tempo, ou recebia menos pensão. Volvidos dez anos sabemos que não eram verdadeiras opções, dado que hoje trabalhamos mais anos (com o aumento da idade da reforma e com a aplicação do fator de sustentabilidade) para receber pensões cada vez mais baixas. Isto, está claro, a não ser que tenhamos condições de entregar parcelas do nosso rendimento mensal aos planos de poupança individuais e desta forma engordando os lucros à banca.

A Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro e o mecanismo de atualizações de pensões

Hoje completam-se dez anos da aprovação da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, cujos efeitos se produziram a partir de 1 de janeiro de 2007.

A Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, que criou o Indexante de Apoios Sociais (IAS) e definiu novas regras de atualização das pensões e outras prestações sociais do sistema de Segurança Social, estabeleceu um mecanismo de atualização automática das pensões, subordinado à evolução de duas variáveis económicas – o crescimento económico (aferido através do crescimento real PIB) e a inflação (aferida através da variação média dos últimos 12 meses do IPC1, sem habitação).

De acordo com este mecanismo, se a média do crescimento real do PIB2 for inferior a 2%, as pensões até 1,5 IAS (em 2016, 628,83€) têm uma atualização igual ao valor da inflação – o que quer dizer que, em média, mantêm o poder de compra. Já as pensões entre 1,5 IAS e 6 IAS (entre 628,84€ e 2515,32€) têm uma atualização igual ao valor da inflação descontados 0,5 p.p.3 e as pensões entre 6 e 12 IAS (entre 2515,33€ e 5030,64€) têm uma atualização igual ao valor da inflação menos 0,75 p.p. – o que quer dizer que, em ambos os casos, perdem poder de compra.

Que fique claro que a atualização das pensões superiores a 12 IAS não está sequer prevista por este mecanismo, o que leva a que fiquem indefinidamente congeladas e, portanto, continuamente percam poder de compra.

Se a média do crescimento real do PIB se situar entre os 2% e os 3%, as pensões até 1,5 IAS têm uma atualização igual ao valor da inflação mais 20% da taxa de crescimento real do PIB, com o limite mínimo de 0,5 p.p. acima da inflação – o que quer dizer ganham, ainda que infimamente, algum poder de compra. Já as pensões entre 1,5 IAS e 6 IAS têm uma atualização igual ao valor da inflação, mantendo por isso, em média, o mesmo poder de compra, e as pensões entre 6 e 12 IAS têm uma atualização igual ao valor da inflação menos 0,5 p.p – o que quer dizer que voltam a perder poder de compra.

Finalmente, se a média de crescimento real do PIB for igual ou superior a 3%, as pensões até 1,5xIAS têm uma atualização igual ao valor da inflação mais 20% da taxa de crescimento real do PIB e as pensões entre 1,5 IAS e 6 IAS terão uma atualização igual à soma da inflação com 12,5% da taxa de crescimento do PIB, o que significa ganhar algum poder de compra. Já as pensões entre 6 e 12 IAS apenas são atualizadas de acordo com a inflação – o que quer dizer que, em média, não perdem poder de compra.

Ora, desde que este mecanismo foi aprovado, nunca a média de crescimento do PIB atingiu os 3% (o valor mais elevado foi atingido precisamente em 2007, cifrando-se em 2,49%). Desde 2007 que a taxa de crescimento do PIB tem sido inferior a 2%, chegando mesmo a ser negativa.

Mas não podemos esquecer que a inflação é também um indicador económico que representa um cabaz de compras médio e que, na realidade, nunca se verifica em concreto.

No ano de 2016, e após estar congelado entre 2010 e 2015, este mecanismo foi descongelado e as pensões foram atualizadas. Como a média do crescimento real do PIB foi inferior a 2% e a inflação se ficou pelos 0,4%, apenas foram aumentadas as pensões até 628,83€, no valor da inflação.

Em 2017, este descongelamento também produzirá efeitos mas, não fosse o aumento extraordinário previsto no Orçamento do Estado para 2017 e o alargamento do primeiro escalão de atualização até 2 IAS (em 2017, 842,64€), e pouca diferença faria em relação a 2016. Se inicialmente se previa que a inflação pudesse atingir 0,7% o que permitiria atualizar as pensões até 2 IAS em 0,7% e as pensões até 6 IAS em 0,2% – a verdade é que a inflação se fixou, em Novembro, em 0,5%, e desta forma apenas as pensões até 2 IAS serão atualizadas, no valor da inflação.

Da simples aplicação anual deste mecanismo (que não aconteceu fruto do seu congelamento entre 2010 e 2015) resultaria que, nestes dez anos, os pensionistas até 1,5 IAS manteriam o mesmo poder de compra e que todos os pensionistas que recebem mais de 628,83€ perderiam poder de compra, ou seja, empobreceriam.

De fato, dos argumentos políticos esgrimidos pelos defensores deste mecanismo aquando da sua aprovação, ressaltava o argumento de que, com a sua aprovação, a atualização das pensões deixaria de estar subordinada ao arbítrio dos governos e dos seus desígnios políticos e ideológicos, e que se acentuaria a previsibilidade das atualizações para os próprios pensionistas.

Como se costuma dizer, «a mentira só dura enquanto a verdade não chega» e, neste caso, a verdade chegou logo em 2010, quando o então Governo do PS/Sócrates congelou pela primeira vez as pensões e a aplicação deste mecanismo. Daí em diante, o Governo PSD/CDS manteve as pensões congeladas até 2015, com exceção de uma parte das pensões mínimas.

Portanto, este mecanismo, que supostamente escudaria os pensionistas das volatilidades das vontades e opções políticas dos governos, durante os seus dez anos de existência teve os seus efeitos suspensos durante cinco.

Soluções para a Segurança Social?

Fácil: Mais investimento, nomeadamente público, mais crescimento, mais emprego, mais direitos, melhores salários.

Torna-se claro que as pressões políticas, ideológicas e legislativas que permitiram que em 2006 fosse aprovada esta perniciosa Reforma da Segurança Social conduziram a dez anos de empobrecimento para os reformados e pensionistas, e prova-se que o aumento das pensões tem de ser feito não de forma «automática», ao sabor dos balanços e contrabalanços da economia e do sistema capitalista, mas sim assumindo o caráter de instrumento político, ao serviço da proteção social e da valorização das carreiras contributivas, garantindo a dignificação e elevação das condições de vida.

Hoje, tal como há dez anos, com o semblante mais sério e taciturno que conseguem mascarar, os coveiros da Segurança Social anunciam o apocalipse, a falência da Segurança Social, a sua insustentabilidade – o terror que é e a desgraça que vai ser, porque as reformas e pensões são demasiado elevadas e põem em causa a sustentabilidade financeira do sistema público de Segurança Social.

Dizem que a culpa é sempre dos trabalhadores – que trabalham pouco, que descontam pouco, que estão desempregados, que estão doentes e põem baixa, e têm filhos e querem gozar licenças, que se reformam muito cedo e que recebem pensões elevadas. Só que a realidade não é esta!

Não são os trabalhadores que põem em causa a sustentabilidade da Segurança Social mas as opções dos sucessivos governos de empobrecimento dos trabalhadores, como forma de engordar os lucros de algumas grandes empresas, levando centenas de milhares ao desemprego e milhares de pequenas e médias empresas à falência, e a recusa dos governos em enfrentarem diversos problemas que resultam destas opções: as políticas de subfinanciamento dos diversos regimes de Segurança Social, a passividade em face da fraude e evasão contributiva, a subdeclaração de salários fomentada por entidades patronais, a economia clandestina e a recusa de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social.

Os partidos de orientação neoliberal, a soldo dos grandes grupos económicos que afiam os dentes com a perspectiva de abocanhar o negócio milionário da Segurança Social, não desperdiçam nenhuma oportunidade para dar passos no sentido de preparar a sua privatização. É por isso que procuram impor um modelo de «menos Estado, menos proteção». É por isso que todos os «ajustamentos» são feitos do lado do trabalhador e é por isso que à boleia se atacam os direitos laborais e se dão borlas ao patronato.

Não desaproveitam nenhuma hipótese de «reduzir despesa», o que para a classe trabalhadora é sempre sinónimo de ataque aos seus direitos e rendimentos.

Sendo hoje inquestionável a necessidade de aprofundar os instrumentos de avaliação da evolução da situação financeira do sistema público de Segurança Social, e dos efeitos que a pressão dos fatores de ordem económica, social e demográfica sobre ele produzem, é necessário que se alargue o leque de respostas e soluções, que permitam garantir os direitos das novas gerações.

A necessária garantia de sustentabilidade financeira da Segurança Social, a médio e longo prazo, passa por medidas que permitam alargar as receitas e garantam o reforço do regime previdencial (designadamente com a diversificação das suas fontes de financiamento e com a eliminação das isenções e reduções da TSU4, que proliferam e se concretizam em verdadeiras «borlas» aos patrões), reforçando as responsabilidades das entidades patronais e do capital financeiro – significa pôr a riqueza que os próprios trabalhadores criam a contribuir para a sustentabilidade da Segurança Social.

Sobretudo, é preciso apostar no desenvolvimento do aparelho produtivo nacional, criar emprego e promover o emprego com direitos, bem como garantir melhores salários para os trabalhadores – tudo isto significa, simultaneamente, mais receita por via das contribuições para o sistema previdencial e menos despesa, por via da redução da pressão das prestações sociais, nomeadamente ao nível das prestações de desemprego. Veja-se que a criação de 100 mil empregos, com a consequente redução de 100 mil desempregados, conduziria a um aumento das receitas da Segurança Social na ordem dos 900 milhões de euros.

Foi com o 25 de Abril de 1974 e com o seu cariz revolucionário que a Segurança Social se afirmou pública, universal e solidária, mas sobretudo que se definiu por estar ao serviço dos trabalhadores – homens, mulheres, crianças, jovens e idosos –, a todos responde, a todos diz respeito.

Hoje importa, talvez mais do que nunca, defender esta conquista e afirmar o seu valor e aprofundar o seu caráter solidário, intra e intergeracional.

* A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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