Investigação universitária criou um sistema computorizado que acertou em 79% das sentenças recentes antes da leitura dos veredictos na instância judicial europeia. Cientistas envolvidos no estudo dizem que é improvável que juízes e advogados venham a ser substituídos por máquinas “num futuro próximo” e apontam que resultados podem ajudar a tornar mais eficaz a avaliação de determinados processos.
Uma equipa de investigadores da University College de Londres e das Universidades de Sheffield (Inglaterra) e da Pensilvânia (EUA) que preparou um sistema de inteligência artificial (IA) para prever os resultados de centenas de casos analisados no Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH, apurou que a máquina tem uma elevada taxa de exatidão nas suas previsões –podendo vir a ser um bom instrumento para identificar padrões de sentenças no processo de tomada de decisões daquela e de outras instâncias judiciais.
Durante o estudo, a equipa de cientistas apurou que o sistema de IA desenvolvido para o efeito antecipou corretamente os veredictos de 79% dos casos analisados. Em resposta a críticas de que esta é só mais uma prova de que o trabalho humano tem os dias contados em sectores importantes como este ou no jornalismo, o líder da investigação disse que a IA deve ser vista não como uma ferramenta de auxílio e não como um fim em si mesma, ou como um sistema que, em última instância, ditará a hegemonia das máquinas sobre o Homem.
"Existem muitos rumores sobre a [dominação da] Inteligência Artificial, mas não antecipamos que ela venha a substituir os juízes ou os advogados num futuro próximo", diz o autor do estudo, Nikolaos Aletras, da University College, citado pela BBC. "O que achamos é que eles podem considerá-la útil para uma rápida identificação dos padrões em casos que são concluídos com determinado tipo de resultados. Também pode ser um instrumento valioso para destacar os casos em que há mais probabilidades de se apurarem violações da Convenção Europeia de Direitos Humanos."
Durante a investigação liderada por Aletras, a equipa pôs o sistema de IA a avaliar 584 casos relacionados com três artigos específicos dessa convenção: o artigo 3, que proíbe o recurso a tortura e tratamento degradante, o artigo 5, referente ao direito a um julgamento justo, e o artigo 8, que diz respeito às vidas privadas dos indivíduos.
Os cientistas dizem ter escolhido estes três artigos em particular por representarem casos sobre direitos fundamentais e por corresponderem a casos com mais dados públicos disponíveis. O algoritmo criado analisou os padrões dos textos dos documentos judiciais para apurar em que casos houve ou não violações. Para prevenir preconceitos e erros, a equipa selecionou um número igual de casos já encerrados, tanto de "violações" como de "não-violações", para que a IA pudesse obter mais informações sobre os processos judiciais do TEDH.
"Idealmente, testaríamos e refinaríamos o nosso algoritmo recorrendo a aplicações feitas para o tribunal e não com base em veredictos publicados, mas sem acesso a esses dados baseámo-nos em sumários divulgados pelo tribunal", explica Vasileios Lampos, coautor do estudo.
O algoritmo mostrou uma maior tendência de previsões falhadas quando se deparou com dois casos semelhantes com conclusões distintas, o que sugere que a plataforma não é capaz de detetar as subtilezas da lei e aplicá-las nas suas conjeturas. O próximo passo, dizem os autores, é testar o sistema com mais dados. "Não há razões para que isto não possa ser alargado, para incluir as declarações de testemunhas e as notas dos advogados", defende Aletras.
A BBC aponta que há cada vez mais sociedades de advogados a recorrerem à IA para analisar mais rapidamente as vastas quantidades de dados e informações sobre uma série de casos judiciais, citando o caso da Baker & Hostetler, especializada em casos de bancarrota, que recentemente contratou para esse efeito a Ross, uma empresa que trabalha com o supercomputador Watson da IBM.
Para os que trabalham no sector, como Matt Jones, analista de dados na empresa de consultoria Tessella, os resultados do estudo são importantes mas não devem dominar o futuro dos processos legais. "Tem um grande potencial para poupar tempo em casos judiciais, ao tornar automáticas algumas das tarefas menos interessantes e ao ajudar as pessoas a tomar decisões com base nas hipóteses de sucesso", refere, citado pelo canal britânico, com a ressalva de que "a IA não deve ser usada como ferramenta de aconselhamento em decisões legais".
Tais sistemas, aponta Jones, não são ainda capazes de "compreender as nuances" de muitos destes casos, razão pela qual se deve assumir uma atitude cautelosa quanto às aplicações da Inteligência Artificial nos sistemas judiciais. "Uma IA pode fazer uma previsão certeira, mas sem apreciação direta do contexto alargado de dados e experiências essa previsão pode passar da marca, o que pode ser perigoso em casos e processos legais."
Fonte:expresso.sapo.pt/internacional
Foto:SEAN GALLUP
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