Há registro de que, em 1500, encontrava-se entre os tripulantes da Nau Capitânia, da esquadra de Pedro Álvares Cabral, uma imagem da Nossa Senhora da Boa Esperança. Na época das “Grandes Navegações”, ao se deparar com o desconhecido, os marujos rogavam à santa a proteção durante as tempestades, para que os livrassem dos perigos presentes no misterioso mar. A associação da Mãe de Jesus com o elemento água é bastante antiga, pois este simboliza a vida e o nascimento em diversas culturas desde a Antiguidade.
A Procissão
A cada ano, no mês de janeiro, a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes é conduzida numa procissão até a Igreja Nossa Senhora do Rosário, no centro da Capital gaúcha, ficando exposta, durante um período, à visitação de milhares de fiéis. A primeira imagem de Nossa Senhora dos Navegantes foi esculpida em Portugal, no ano de 1871, pelo artista lusitano João de Affonseca Lapa. Um grupo, de moradores portugueses, formado por João José de Farias, Joaquim Assunção, Antônio Campos e Francisco Lemos Pinto, foi o responsável pela encomenda da escultura.
No feriado de 02 de fevereiro, pela manhã, a imagem da santa - acompanhada por uma multidão de fiéis - retorna à sua igreja de origem. Um “mar de devotos”, com a presença de autoridades civis e eclesiásticas, segue em procissão num cenário muiticolorido, composto por velas, flores, rosários, crianças vestidas de anjo e cânticos em seu louvor.
No ano de 1875, após ter sido construída uma singela capela de madeira, no antigo Arraial dos Navegantes, ocorreu a primeira procissão em honra a Nossa Senhora dos Navegantes. Esta capela, infelizmente, sofreu um incêndio avassalador. No ano de 1896, no mesmo local, os moradores ajudaram a construir uma igreja em alvenaria.
Em dezembro de 1910, o ano em que o Cometa Halley cruzou o céu, ocorreu um segundo sinistro, destruindo totalmente a igreja, e a imagem da santa sofreu danos irreparáveis. Graças ao empenho da comunidade, um novo templo foi concluído, em 1912, e reinaugurado, em 1913, com a presença de uma nova imagem esculpida pelo mesmo autor lusitano da imagem original.
A tradição desta procissão, por via fluvial, interrompeu-se, em 1989, devido ao naufrágio do barco Bateau Mouche, no Rio de Janeiro Desde este incidente, a procissão se constitui numa longa caminhada dos devotos, que percorrem um trajeto em torno de cinco quilômetros. Em 2013, esta grande “Festa da Fé” passou a fazer parte do calendário oficial de eventos do Rio Grande do Sul.
O sincretismo com Iemanjá
No dia 02 de fevereiro, nossa orla marítima se cobre de flores e perfumes que são ofertados, pelos adeptos das religiões de matriz africana, à Iemanjá. A origem do nome Iemanjá é do dialeto yorubá. A expressão “Yèyé omo ejá “, traduzida para o português, significa a mãe cujos filhos são peixes. O sincretismo deste orixá com a Nossa Senhora dos Navegantes remonta à época da escravidão no Brasil, fazendo parte, ao longo do tempo, da tradição do nosso imaginário religioso.
A Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, com seu caráter sincrético, demostra para o mundo que é possível conviver com a diversidade e suas múltiplas manifestações. A tolerância e o respeito ao próximo devem ser o fio condutor, para que possamos vivenciar uma sociedade mais fraterna e plural.
*Pesquisador e coordenador do Setor de Imprensa do Musecom
Referências Bibliográficas:
ANJOS, José Carlos Gomes; ORO, Pedro Ari. Festa de Nossa Senhora dos Navegantes / Sincretismo entre Maria e Iemanjá. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Cultura (SMC), 2009.
FERREIRA, Walter Calixto. Ago-iê, vamos falar de Orishás? Porto Alegre: Renascença, 1997.
LICHT, Henrique. Nossa Senhora dos Navegantes / Porto Alegre 1871-1995. Porto Alegre: Editora UE, 1996.
ORO, Ari. Religiões Afro-brasileiras do Rio grande do Sul: Passado e presente. Estudos Afro-Asiáticos vol. 24, nº 02, Rio de Janeiro, 2002.
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