Díli, 28 mar (Lusa) - O Ministério das Finanças timorense teve conhecimento da transferência bancária que está no centro do processo contra um casal português julgado em Timor-Leste, segundo documentação judicial a que hoje a Lusa teve acesso.
Tiago e Fong Fong Guerra estão a ser julgados no Tribunal Distrital de Díli desde janeiro, acusados dos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental e um dos motivos é uma transferência de 859.706,30 dólares (792 mil euros), feita em 2011 para a conta da empresa da arguida por um consultor norte-americano, entretanto condenado nos Estados Unidos por fraude a Timor-Leste.
O consultor, Bobby Boye - que está atualmente preso nos Estados Unidos por defraudar Timor-Leste em 3,5 milhões de dólares (3,2 milhões de euros) - esteve a apoiar o Governo timorense a recuperar impostos devidos ao país.
Documentos incluídos pelo Ministério Público no processo, a que a Lusa teve hoje acesso, mostram que Bobby Boye informou a diretora-geral dos Impostos, Mónica Rangel, e o diretor-geral de Receitas, Câncio Oliveira, das instruções da transferência.
Mensagens de correio eletrónico com essa informação foram referidas na sessão de hoje do julgamento em que se previa a realização de alegações finais mas onde acabaram por ser apresentados outros dados e ouvidos uma nova testemunha.
Os documentos contidos no processo mostram que a verba em causa faz parte de impostos em atraso desde 2004 que o Governo timorense exigia à empresa AS Geoconsult e que em setembro de 2011 totalizavam 1.009.332 dólares: correspondendo a impostos no valor de 318.074,15 dólares, uma multa idêntica ao valor em dívida mais 357.180 dólares em juros.
Nas mensagens que constam no processo -- todas enviadas com conhecimento daqueles dois responsáveis governamentais - Boye explica ao seu advogado, que mediou no caso das dívidas da Geoconsult, que a empresa devedora "contesta o valor total de impostos", tendo apresentado uma reclamação.
Numa das mensagens, Boye explica que a empresa vai transferir para o Fundo Petrolífero a dívida que não é contestada - no valor de cerca de 145 mil dólares - sendo que "o saldo (menos honorários de 4.172,31 dólares) será mantido por um agente 'escrow' [uma terceira parte que ficará responsável pela verba até à conclusão da contestação] aqui em Timor-Leste".
Nesse sentido, indicam as mensagens, Boye ordenou aos advogados que depositem 145.441,23 na conta do Fundo Petrolífero e os restantes 859.706,30 dólares na conta 'escrow' da Olive Consultancy Company Limited, com sede em Macau, dirigida por Fong Fong Guerra.
Na sessão de hoje foi ouvida Maria Ângela da Costa Soares, gerente de Liquidação do Banco Central, que foi questionada sobre como se processam os pagamentos ao Fundo Petrolífero.
A responsável explicou que todas estas receitas são depositadas diretamente pelos contribuintes, não passando por qualquer intermediário, e disse não ter conhecimento de qualquer situação em que um pagamento envolvesse uma conta 'escrow', modalidade usada para reduzir riscos entre duas partes envolvidas numa transação.
Na documentação do processo, consta também uma carta de junho de 2015 da ministra das Finanças timorense, Santina Cardoso, ao tribunal de New Jersey, onde Boye foi condenado, em que a governante pede a devolução a Timor-Leste dos vários fundos roubados pelo consultor.
Na carta, a ministra refere-se a cinco quantias obtidas por Boye fraudulentamente que incluem "859.706,30 dólares obtidos pelo arguido através do abuso da sua posição de confiança".
O tribunal conheceu hoje o conteúdo de uma outra carta, de 22 de março último, em que o primeiro-ministro timorense, Rui Maria de Araújo informa a juíza que preside ao coletivo de juízes deste processo que "esse montante de 859.706,3 dólares não foi devolvido ao Governo timorense nem a sua restituição foi solicitada".
No documento, o governante timorense alega que o alegado crime relacionado com essa verba "não ocorreu em território americano nem envolveu bancos americanos" mas sim em Macau, numa referência ao uso da empresa 'escrow' de Fong Fong Guerra.
Por isso, os tribunais norte-americanos separaram este caso do processo principal pelo qual Boye foi condenado. Em 2015, o ex-assessor jurídico do Governo de Timor-Leste declarou-se culpado em audiência pública por ter defraudado o Estado de Timor-Leste em 3,5 milhões de dólares, tendo sido condenado a seis anos de prisão.
Então, Boye criou, de modo sigiloso, um escritório de advogados e de contabilidade fictício em Nova Iorque que recomendava ao Governo de Timor-Leste que lhe entregasse contratos de consultoria na área da exploração e gestão petrolífera.
A sessão de hoje em Díli terminou com o Ministério Público a aceitar devolver a Tiago e Fong Fong Guerra vários equipamentos eletrónicos que lhes foram confiscados aquando da detenção e que a defesa insistia, há mais de dois anos, necessitar em parte para preparar o caso.
A próxima sessão decorre a 11 de abril.
ASP // PJA
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