Em 28 de fevereiro o presidente Donald Trump fez o seu até agora mais importante discurso como Chefe de Estado. A fala, em tom presidencial, foi um apelo para harmonizar setores e propostas em torno de união nacional, harmonia social e prosperidade. Merece análise atenta, o que faço logo abaixo, ainda que de maneira sintética, por limitação de espaço.
O começo. Sou brasileiro, meu artigo, se lido por alguém, terá em sua maioria leitores brasileiros. Em longo e bem preparado pronunciamento, nem uma palavra sobre o Brasil. Nem uma palavra sobre a América do Sul. Muitas vezes, num discurso, até em conversas simples, o calado é mais importante que o falado.
Em parte, por culpa nossa. Patinamos, décadas esticadas, no mesmo local. Em 1978, o Brasil representava 1,5% do comércio internacional. Em 2015 o índice foi igual. Em artigo de 14 de novembro, “Esperança e preocupação”, eu dizia que o Brasil não seria prioridade da nova administração norte-americana e observava: “O Brasil será prioridade se caminhar por longos anos no estradão certo para se colocar à altura de seu destino natural. Para isso será preciso ordenar o apavorante ensino básico, médio e universitário, em que sempre ficamos na rabeira nas várias pesquisas internacionais. E ainda melhorar a infraestrutura, reformar a legislação fiscal, previdenciária, trabalhista, diminuindo o “custo Brasil”, estimulando investimentos. O intervencionismo socialista trava nosso crescimento há décadas. Voltando a crescer na estabilidade, o país será tomado a sério pelos Estados Unidos. Não vejo rumo realista diferente.
Um agravante, evitável, ainda na nossa conta. José Serra, até há pouco chanceler, foi infeliz ao analisar para o “Correio Braziliense” a campanha presidencial norte-americana (assunto interno deles): “Eu considero a hipótese do Trump um pesadelo. Pesadelos, às vezes, se materializam? Se materializam, mas eu prefiro não pensar nisso, fazer o jogo do contente. Eu, nos EUA, sempre torci pelos democratas, no atacado. Não que os republicanos tenham sido sempre desastrados, mas sempre fui democrata lá, contudo, agora não se trata nem de ser democrata, trata-se de ser sensato, de querer o bem do mundo. Todos que querem o bem do mundo devem apoiar a Hillary, a meu ver”.
Desnecessário comentar, a declaração fala por si. Também em nada ajudam declarações de novembro de 2016 do novo chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, então líder do governo no Senado: “Trump é o partido republicano de porre. É o que há de pior, de mais incontrolado, de mais exacerbado entre os integrantes de seu partido”. Estamos bem servidos…
Comento, agora sim, passagens do discurso de Donald Trump. Sobre política externa e defesa, em primeiro lugar: “Nossos aliados verificarão que os Estados Unidos, de novo, estão prontos para liderar. Todas as nações do mundo — amigas ou inimigas — se certificarão que os Estados Unidos estão fortes, orgulhosos e livres. Daremos aos nossos militares os recursos que esses bravos guerreiros merecem enormemente. Estamos tomando medidas enérgicas para proteger a nação do terrorismo islâmico radical. Como prometi, determinei ao Departamento de Defesa que faça um plano para demolir e destruir o Estado islâmico. Impus novas sanções a entidades e indivíduos que apoiam o programa balístico do Irã. A liderança norte-americana está baseada em interesses de segurança vitais que compartilhamos com nossos aliados no mundo inteiro. Apoiamos firmemente a OTAN. Não é meu dever representar o mundo, meu dever é representar os Estados Unidos”.
Presente na linguagem a determinação que fazia falta nos anos anteriores. Ficou claro o desejo de reconstruir o poderio militar dos Estados Unidos, a ordem de destruir o Estado islâmico, o apoio à OTAN.
Nem uma palavra sobre a Rússia. Nem uma palavra sobre a Ucrânia. Nem uma palavra sobre a Crimeia. Não é silêncio tranquilizador, pode estar dizendo muito. O que estarão agora pensando os países bálticos? Os ucranianos e kosovares? Os povos que fazem fronteira com a antiga União Soviética? Julgarão suficiente a manifestação de apoio à OTAN? Mais um sobressalto: “Não é meu dever representar o mundo”. Correto, em termos. Por sua posição, cabe aos Estados Unidos o dever de proteção e manutenção da ordem mundial. Pode sinalizar rumo isolacionista. O slogan America First, pela forma como vem sendo empregado, vai na mesma direção. Essas são as maiores indefinições da política de Washington.
Um aspecto ainda a observar: “Retiramos os Estados Unidos da Parceria Transpacífico”. Se no futuro significar aumento da influência da China no Pacífico, a medida terá sido catastrófica. Pode levar a isso, é o temor de numerosas figuras de importância na vida pública dos Estados Unidos. Respigo entre elas advertência de John McCain, dos mais importantes senadores republicanos, conhecido especialista em segurança e política externa: “Minha preocupação é que entreguemos a região da Ásia-Pacífico para a China. Eles têm agora um papel muito significativo na região Ásia-Pacífico e estamos em retirada”.
Donald Trump determinou medidas de combate ao tráfico de drogas. Quanto às leis e providências referentes aos imigrantes, nada de especial, o tema está sendo estudado no governo. A indicação do juiz Neil Gorsuch para a Corte Suprema, apenas aludida na fala, sugere conduta contrária à agenda libertária; acontecendo, repercutirá bem no futuro dos Estados Unidos.
Para terminar, alguns pontos de política interna ali mencionados: “O mercado de ações ganhou quase três trilhões de dólares desde o dia da eleição, 8 de novembro. Levamos a cabo um esforço histórico para reduzir regulamentações que destroem empregos. Limpamos o caminho para a construção dos oleodutos de Keystone e Dakota. Minha equipe econômica está pondo no papel uma reforma fiscal que reduzirá os impostos para a empresas. Ao mesmo tempo, diminuiremos energicamente os impostos para a classe média. O primeiro presidente republicano, Abraham Lincoln, advertiu que ‘o abandono da política protecionista pelo governo norte-americano produzirá pobreza e ruina no povo’. Estou enviando ao Congresso proposta para rejeitar e substituir o Obamacare com reformas que aumentarão a possibilidade de escolha, o acesso, baixarão custos e, ao mesmo tempo, melhorarão o atendimento médico. Precisamos ajudar os norte-americanos a comprar o plano que eles querem e não o plano imposto a eles pelo governo”.
O plano econômico de diminuição do intervencionismo, estímulo à iniciativa privada, menos impostos, teve resposta positiva. O mercado de ações, um dos sintomas, vem subindo, em 27 de fevereiro o índice Dow Jones alcançou seu 12º recorde consecutivo. Os agentes econômicos manifestam confiança no futuro da economia. A nota protecionista da fala justifica sobreaviso.
Em resumo, repito com matizes o que coloquei no título do artigo de 14 de novembro: Esperança e preocupação. Foram tomadas medidas que justificavam a esperança. As nuvens não sumiram do horizonte.
Fonte: ABIM
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