“Proponho firmemente, ajudado com o auxílio de vossa divina graça, emendar-me e nunca mais tornar a Vos ofender; e espero alcançar o perdão de minhas culpas, por vossa infinita misericórdia. Amém”.
Em seu entusiasmo por todas as manifestações de perfeição da Igreja Católica — do dogma até o formato de uma pia de água benta; da forma da mitra episcopal até as diferentes tonalidades do toque dos sinos —, Plinio Corrêa de Oliveira discorria com frequência sobre o esplendor do espírito católico manifestado no Sacramento da Confissão.
Sua alma inteiramente contrarrevolucionária se voltava antes de tudo a expurgar o Mal e, em seguida, à contemplação do Bem: “Expurgado o mal, o bem retorna naturalmente: combatida a doença, o organismo viceja”. Assim se referia ele ao mau espírito protestante, que não quer ver a bondade materna da Santa Igreja, refletida no Sacramento da Penitência ou da Confissão.
Sem dúvida é bom — indispensável mesmo — ir aos manuais de Apologética aprender a sã doutrina a fim de desfazer os argumentos protestantes contra esse Sacramento. Mas Dr. Plinio transmitia seu entusiasmo discorrendo não apenas sobre os princípios da fé atinentes à Confissão, mas principalmente como o fiel guiado pelo espírito de Fé considera esse Sacramento.
Muitos têm fé. Nem todos têm espírito de fé. Este espírito é uma excelência da virtude da fé que interpreta os fatos da vida corrente e o acontecer quotidiano à luz dos princípios da fé. Em razão do espírito de fé, o fiel desejoso de recolhimento estranha os batuques e o violão tocados em certas Missas, pois o impedem de elevar seu pensamento à quietude celeste.
Difícil para ele, por exemplo, concentrar-se na moderna catedral de Brasília, pois sua arquitetura não tem sacralidade. Poucos comentaristas sacros ressaltam este ponto, entretanto indispensável ao homem de hoje para adquirir o sentimento das perfeições da Igreja e assim amá-la.
Um recinto do Tribunal de Deus
No caso da confissão, como sentir a prodigiosa harmonia entre a verdade do sacramento ensinada e o modo de operar da Igreja? Como Ela, imaculada, considera a mácula do pecado humano? Que atitude toma? Como trata a alma confundida e machucada pelo erro moral, e que vem pedir perdão? Essa alma tornou-se sua filha pelo Batismo. Mas não cumpriu os preceitos que deveria e por isso pede perdão pelo pecado cometido. Vem pedir misericórdia, sim, mas onde? Sob o peso de seu pecado, ela se dirige ao confessionário. Este é o recinto do Tribunal de Deus.
O pecador aproxima-se porque confia na comiseração divina. E se aproxima para ser julgado. Ele teme e deseja se esconder como Caim após o assassinato de Abel, pois seus pecados levaram Deus a lhe dizer: “Afasta-te de Mim”. O pecador que insultou a Deus com seu pecado, que apedrejou Nosso Senhor Jesus Cristo afrontando-O, transgredindo Seus Mandamentos, vai encontrar-se com o sacerdote para lhe relatar no confessionário o que fez contra Deus. O sacerdote, que assume o lugar de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Vítima ultrajada, o espera. Nele, entretanto, está o perdão e a misericórdia. Ao julgar, ele deseja perdoar e salvar.
Deus que perdoa por meio do confessor
Como a Igreja recebe o penitente? De início, Ela envolve seu ato de penitência numa penumbra sacral, doce, suave, acolhedora e elevada: o confessionário. Móvel do sagrado, móvel dentro do qual não se propaga nunca o segredo inviolável; nem mesmo ao Papa pode o sacerdote romper tal segredo. A alta dignidade do Sacramento consiste em que o pecador, humilhando-se, confessa, com o firme propósito de não mais pecar. O sacerdote ouve e julga, absolve e impõe uma penitência (que poderá ser algumas orações que o penitente deve fazer, preferencialmente, logo após ter-se confessado). Ao absolver, o padre não faz senão emprestar seus lábios a Deus, pois só Ele pode de fato perdoar os pecados cometidos. É o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo que fala através da laringe do sacerdote.
Ele próprio instituiu o Sacramento da Confissão quando afirmou aos Apóstolos: “‘Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós’. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos’” (Jo 20, 21-23). Assim, conferindo aos Apóstolos e a seus sucessores o poder de perdoar os pecados, e aos fiéis arrependidos de seus pecados o preceito de confessá-los para alcançar o perdão.
Se o sacerdote não pronunciar a fórmula da absolvição (segue mais abaixo), Nosso Senhor Jesus Cristo deixa de falar. Entretanto, o sacerdote pode não absolver, segundo a gravidade do pecado, convidando o pecador a recorrer ao bispo em certas circunstâncias. A gravidade da confissão levou a Igreja a conceber os confessionários com formas da mais alta dignidade, habitualmente de madeira. Por toda a Cristandade se veem confessionários com figuras esculpidas.
Um auge da clemência Divina
Santos, alegorias, cenas da Sagrada Escritura, convidam ao arrependimento e ao pedido de perdão. Em um confessionário se vê São Pedro chamando o fiel. Pecador arrependido, São Pedro foi confirmado no papado. Em outro, o amor ao dinheiro afasta o penitente. Ou a ira. Santo Agostinho, pecador na juventude, arrependeu-se, santificou-se, tornando-se Doutor da Igreja.
Geralmente o pecador teme confessar-se. É incongruência sua. Ele sabe que pecou na presença de Deus. O Criador onipresente viu seu ato condenável. No entanto, o pecador treme ao ter de declará-lo ao Ministro de Deus, descrevendo circunstâncias e agravantes para que a confissão seja bem feita. A Santa Madre Igreja lhe diz: “Meu filho, tu não tiveste medo de fazer uma ação vergonhosa perante Deus, e tens agora a contradição de não desejar que o sacerdote, Ministro desse mesmo Deus, conheça esta ação? Não tiveste vergonha que Deus a visse e agora tu te envergonhas diante dos homens? Mas Deus misericordioso te quer bem. Para te tornar fácil o reconhecimento de teus pecados, de modo paternal, Ele instituiu a confissão. Todos os santos que viveram antes da Redenção não puderam sequer imaginar, nem em sonho, que a clemência divina pudesse chegar a esse ponto de misericórdia. Vem. O juízo, o conselho, o perdão e a reconciliação te esperam”.
A inviolabilidade do segredo de confissão
A graça da contrição toca o coração e o pecador cai em si, por uma ação própria ao Sacramento, e diz: “Dói-me, Senhor, ter feito essa ação má. Ela Vos ofendeu. Peço-vos perdão e dor por meus pecados”. E assim se restitui naquela alma a imagem de seu Deus.
A acolhedora beleza do confessionário reflete essa misericórdia. E também essa gravidade. Ela convida o penitente a confiar no sacerdote para limpar sua consciência e ascender à perfeição. No interior do confessionário flui a sujeira espiritual e o lodo moral, aquilo que de pior existe entre os homens: o pecado em suas inúmeras formas e gravidade.
No entanto, a Igreja, através da austera beleza do confessionário e da elevação das circunstâncias nas quais a confissão se dá, pensa sobretudo no perdão ali conferido e na luz da perfeição ali vislumbrada. Aquele móvel sagrado indica essa perfeição.
O segredo penitencial atesta a grandeza da Igreja. No universo católico, milhões de fiéis se confessam a todo momento a sacerdotes desconhecidos. E nada transpira do que é dito naquele escrínio, no qual o pecado e a santidade se tocam. Poder-se-ia imaginar um padre que escrevesse um livro intitulado: Experiências no interior do meu confessionário. Ele narraria fatos ouvidos, dramas de consciência, planos ardilosos de personalidades conhecidas, roubos e enganos etc. Interesses de toda a ordem estão envolvidos naquilo que um padre poderia delatar. Entretanto, nada é revelado.
O sacerdote pode até mesmo ser um mau padre, mas ele nunca revela o que ouviu. Ele se cala. Todo católico sabe que um crime confessado, tornando-se conhecido, poderia levá-lo à cadeia. Entretanto, ele não hesita em se confessar. Aguilhoado pela consciência, entra numa igreja ao acaso, pede confissão e relata seu ato criminoso a um sacerdote que pode ser um desconhecido. Ele o faz com toda a tranquilidade, sabendo ser o segredo inviolável. Sacerdotes foram martirizados ao longo da História por não violarem esse segredo.
No confessionário, atmosfera sobrenatural
Com acentos de saudade, Plinio Corrêa de Oliveira falava da São Paulinho de sua juventude de militante católico. Pela manhã de certos dias de semana, ainda cedo, ao entrar numa igreja do centro da cidade, já se formavam filas junto aos confessionários. Um confessor aguardava os primeiros clarões do dia. Senhoras com véus ou mantilhas, homens que madrugavam para se confessar antes do trabalho, atitude recolhida, penitencial, verdadeiramente compungida. Até as crianças se confessavam, pois todo pecado é sério, até mesmo o dos pequeninos.
O silêncio e a humildade se conjugavam, dando à igreja uma atmosfera sobrenatural. Todos — por assim dizer — se recolhiam. Ninguém tomava conhecimento da existência do outro, mesmo estando lado a lado, pois só tinham olhos para o tribunal augusto da Penitência, no qual o padre dizia incessantemente as palavras reconfortantes para cada alma: “Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Amém! Vai em paz.” E o penitente saía em paz do confessionário. (No quadro ao lado, uma fórmula tradicional do “Ato de Contrição” que o penitente pode rezar logo após ter confessado seus pecados).
Confessionário, alegria e paz de alma
Certa vez, numa fria manhã de inverno, no denso silêncio da recolhida penumbra de uma antiga e imensa basílica constantiniana de Roma, aromatizada pelo incenso esvaecido das Matinas, alguns poucos rezavam. De repente, ouve-se o ruído das portas que se abrem abruptamente. São portas basculantes, necessárias à proteção contra o frio europeu. Uma adolescente entra esbaforida. Nervosamente, procura algo com o olhar. Seus olhos inquietos se fixam num confessionário encimado por uma tênue luz vermelha — acesa para indicar a presença de um sacerdote à disposição.
O confessionário, de antiga data, abrigava naquele instante um velho franciscano, reconhecidamente bom confessor. Ao ajoelhar-se a moça, o móvel range sob o seu peso. E seu ranger ecoa pela basílica. Um murmúrio, um sussurro e, em seguida, o silêncio retorna àquelas abóbadas seculares. Voltados para as suas orações, todos tinham se esquecido da nervosa penitente, quando o confessionário volta a ranger. Ela sai. Parecia outra pessoa. Calma e pausadamente, dirige-se aos bancos para rezar — seria o cumprimento da penitência? Rezando, ela representava a imagem da penitente em paz. Paz da alma que sai lavada do sacramento da Confissão. A alma que se sente expurgada.
Em sua fisionomia havia algo de Natal e de Páscoa docemente superpostos. Quem não passou por isso em sua própria vida? Aquela purificação é maravilhosa. É a misericórdia que se difunde de modo especial porque Deus faz tudo com sabedoria e santidade infinitas. A alegria do pecador-penitente é verdadeira alegria. Ele sente que volta à amizade com seu Deus. É o filho extraviado que retorna à casa paterna. Alegria parecida com a leveza de certos passarinhos ao alçarem voo. Tem-se a impressão de que a lei da gravidade deixou de existir e de que os céus inteiros não bastam para satisfazer a vontade de voar. Assim é a alegria de certas almas depois de se confessarem.
É árdua a batalha pela virtude
Como ela pecou? Não se sabe, exceto o confessor. Mas foram tantos os pecadores que narraram a história de suas almas, que se pode, em linha geral, conjeturar. Sem dúvida ela trazia certa candura em seu modo de ser. Não se diria haver culpa naquela alma. Que gênero de pecado a afligia? Como ela caiu? O Dr. Plinio figurava essa queda mais ou menos com as seguintes palavras:
“Jovem ainda, com certeza ela não previra a dureza da batalha pela virtude. Essa luta é árdua para todos, sobretudo num mundo tão descristianizado como o nosso. Com certeza ela vivia posta na perspectiva da normalidade — tudo em sua vida poderia parecer tão normal. Por que achar que tudo não correria bem? Quantas vezes, em relação ao mal, somos otimistas como criança sem experiência! Tudo são promessas e esperanças. A virtude é fácil. De repente, diante de nossos passos, baixando de nuvens azuladas, ou saindo do fundo do caminho de todos os dias, surgindo numa alameda de árvores sombrias, levanta-se um miasma com o odor dos pântanos. Em meio àquele sopro fétido, um fantasma ruge, sugerindo a transgressão. É a tentação.
“‘Peque!’ [tenta o demônio]. Então o abismo se abre de repente sob os pés incautos. Há pouco caminhava pensando que tudo daria certo. Agora era arrastada pela atração do abismo. E sacudido pelo horror, nessa hora de confusão, no estertor da tentação, o inocente às vezes é levado a fazer uma oração parecida com a de Nosso Senhor Jesus Cristo no alto da cruz: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?’.”
Relação entre confissão, culinária e civilização
Teria sido esse comportamento comum e incauto que levou aquela jovem ao pecado? A alegria com que ela deixou o confessionário era angélica. Considerando todas as almas que ao longo da História assim se rejubilaram uma vez aliviadas do pecado, penso na tese do livro Gastronomia francesa, de J-R Pitte, Reitor durante cinco anos da Universidade Paris (Sorbonne) e um dos mais conhecidos pesquisadores franceses da cultura ocidental. Segundo ele, os países que mais desenvolveram a arte culinária — e, sem dúvida, a França ocupa o primeiro lugar entre todos — foram os países católicos, em razão da Confissão.
Por ser a mesa o local onde a caridade cristã é exercida quotidiana e intensamente durante algum momento, a boa cozinha representa importante papel social. Os países protestantes têm, de modo geral, uma culinária pouco variada e sem requinte. A razão está em que seus habitantes, após pecarem, não sabem como obter o perdão. Podem até pedi-lo, mas como saber se Deus de fato perdoou? Todos os homens pecam e sua consciência pede reparação.
Os protestantes são levados então a tentar oferecer a Deus um sacrifício reparador, e o primeiro que lhes ocorre, por ser imediato, consiste na renúncia a alimentos saborosos. E, portanto, à sua elaboração. Comendo mal, eles pensam reparar seu pecado. De onde a indigência de sabores entre protestantes. O filme “A festa de Babette”, muitas vezes premiado, ilustra simbolicamente essa realidade.
Mudando de assunto, mas acentuando ser ele correlacionado à exposição acima, convido os diletos leitores à leitura do artigo que segue, a fim de considerar uma vinculação entre o Sacramento da Confissão e o conceito de verdadeira Civilização refletida até na arte culinária, aprimorada em nações católicas.
(*) Fonte: Revista Catolicismo, Nº 794, fevereiro/2017.
Continuação desta matéria será publicada amanhã.
♦ ATO DE CONTRIÇÃO ♦
“Senhor meu, Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, Criador e Redentor meu, por serdes Vós quem sois, sumamente bom e digno de ser amado sobre todas as coisas e porque Vos amo e estimo, pesa-me, Senhor, de todo o meu coração, por Vos ter ofendido; pesa-me também por ter perdido o Céu e merecido o inferno; e proponho firmemente, ajudado com o auxílio de vossa divina graça, emendar-me e nunca mais tornar a Vos ofender; e espero alcançar o perdão de minhas culpas, por vossa infinita misericórdia. Amém.”
Fonte: ABIM
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