sexta-feira, 21 de abril de 2017

Macroscópio – Com os olhos postos em França

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Eu sei. Este fim-de-semana muitos olhos vão estar postos em Alvalade, aguardando pelo desfecho do derby lisboeta, entre o Sporting e o Benfica. Mas é mais provável que daqui por uns anos nos recordemos antes do 23 de Abril de 2017 como o dia em que Europa passou, ou fracassou, num teste decisivo: o das eleições francesas. É por isso indispensável regressar a esta corrida eleitoral surpreendentemente aberta, com quatro candidatos a poderem passar à segunda volta: Marine Le Pen, Emmanuel Macron, François Fillon e Jean-Luc Mélenchon. Por isso lhe dedico este Macroscópio especial, um pouco mais longo do que o habitual e dividido em várias partes.
 
Primeiro que tudo, o ponto da situação. Como vamos de sondagens? O Financial Times tem vindo a publicar um French election poll track que permite conhecer a média das sondagens e os números das mais recentes. Neste momento a vantagem vai para Macron, mas se considerarmos as margens de erro verificamos que qualquer um dos quatro candidatos citados pode passar à segunda volta.
 
E o que valem as sondagens? É a essa questão que procura responder a The Economist em Are French pollsters cheating? The jury is still out. Ou seja, ninguém sabe. Por isso uma boa síntese do actual estado de espírito foi a realizada esta manhã por Ryan Heath na sua newsletter Brussels Playbook, do Politico. Sob o título France votes in shadow of terror notava que “Literally ‘no one’ is in first place: More people are planning not to vote than are planning to vote for any particular candidate.
Mathematically, no one is in first place: All four candidates are polling within each poll’s margin of error. That means they are statistically tied. They are also all polling within the historic French polling error rate (1969 to present) according to FiveThirtyEight, a polling journalism site and podcast. French polls also suppress undecided voters from results: Not only that, but as with non-voters, the undecideds are a bigger group than the committed voters any individual candidate has secured.”
 
Suspense até ao fim numa campanha a que João Almeida Dias tem vindo a tomar o pulso em reportagens para o Observador. Em Marselha esteve com apoiantes da Frente Nacional e, em Quando a geração selfie se alia a Marine Le Pen, procurou responder a uma pergunta quase desconcertante: “As sondagens dizem que Le Pen é a candidata preferida dos jovens. Qual é a receita? Falar-lhes de emprego e segurança.” Já em Grenoble foi a um comício do Mélechon, de que fez o relato em Quatro esquerdistas indecisos a olhar para um holograma. Mais precisamente: “Em França, os eleitores de esquerda estão indecisos. Querem Le Pen longe do poder, mas não sabem em quem votar. Mélenchon, o líder de extrema-esquerda que aparece em hologramas, pode ser o voto útil.”

 
Agora alguma ajuda, com várias sugestões para sistematizar a informação e ficar a saber mais sobre os candidatos:
 
Agora duas informações práticas. Primeiro o guia que o Politico preparou para quem quiser seguir ao vivo e sem falhar nada a noite eleitoral: How to watch the French election like a pro (o Observador terá um liveblog, alimentado ao minuto pelo nosso enviado João Almeida Dias e por uma equipa que estará a trabalhar na redacção em Lisboa). Depois o endereço do site do Ministério do Interior francês aonde irão sendo publicados os resultados oficiais conforme o apuramento for decorrendo.
 
Passemos agora a textos mais analíticos, começando por dois publicados no Observador:
  • A França, o homem doente da Europa, uma análise de Rui Ramos onde se faz o enquadramento histórico e político da actual situação, notando-se que “é em França que a Europa se parte ou se conserta”. Pequeno excerto: “O actual regime da V República, instaurada em 1958, é uma oligarquia de diplomados (como a IV República), mas com a disciplina de uma presidência monárquica. Esta fórmula gastou-se, depois dos mandatos falhados de Sarkozy, que não foi reeleito, e de Hollande, que nem tentou a reeleição.”
  • Sinal dos tempos: quase só perguntas, uma opinião que é também um desabafo de Maria João Avillez, para quem “Há muito que não se vivia momento sulfuricamente tão perigoso como o que se vive hoje, em França, na Europa, nos Estados Unidos e em tanto mundo, embora me pareça não haver ainda a consciência da perturbante incerteza que são os dias que correm (para o abismo, certamente).” A lista de perguntas sem resposta que a cronista depois elenca é longa e sustenta todas as nossas inquietações.
 
Passando à imprensa internacional, deixem-me começar pelo inevitável editorial da The Economist, que na capa da sua edição europeia colocou naturalmente a França, ilustrando-a com a imagem com que abrimos esta newsletter. Em A consequential choice for France—and an uncertain one nota-se que “Whoever is president will inherit a discontented country. Unemployment has been stuck above 10% since 2012; for young people, it is still above 20%. The economy is growing slowly and does not yield enough tax to pay for the public services that voters believe are their right. Racial and religious tensions run high, exacerbated by jihadist attacks. Dislike of the EU is even stronger than it was in pre-referendum Britain. France used to be governed by a cadre of brainy officials, who enjoyed privileges and power to match. But that contract is dead. The approval rating of today’s president was at one point as low as 4%. The people believe that the elite has failed.”
 
Já a alemã Der Spiegel considera, numa longa reportagem publicada na sua última edição, que Extremists on Left and Right Push France to the Brink. Também olhando para França a partir de Berlim se nota o fracasso das elites gaulesas: “It isn't just that an elite system is coming to an end, a system that no longer seems suitable for current and future challenges. At times, it has also seemed as if a different, fundamental concern is even more pressing, namely that of whether the French political system is even capable of performing the tasks assigned to it anymore.”
 

E convém notar que a relação entre a França e a Alemanha é crucial para aquilo que a Europa é hoje, e pode ser no futuro, sendo por isso interessante ler como o germânico Handelsblatt a apresenta em Why Germany Views France as its Most Important Partner: “Enemies for centuries, France and Germany have become closest friends in the past six decades. But German strength and French weakness are now straining this Franco-German partnership.” Esta diferença de poder é bem evidente olhando para o gráfico acima, algo que leva aquele jornal económico a acrescentar: “The biggest problem today is that the pretense that France and Germany, as dual leaders of the EU, are roughly balanced in power is no longer tenable. Both German strength and French weakness have become too obvious (see chart above). This causes renewed fear in France of a dominant Germany, which candidates on both the left and the right try to exploit. In Germany the fear is that French weakness could leave Germany alone in shouldering the EU’s problems, and perhaps even isolated among member states.”
 
De uma forma geral a maior parte dos comentadores e dos analistas apenas deseja que nem Marine Le Pen, nem Jean-Luc Mélenchon ganhem esta eleição, preferindo o centrista Macron ou o conservador Fillon. No entanto há quem chame a atenção para que mesmo uma vitória de uma dessas figuras, ambas vindas da actual elite política e económica, está longe de resolver os problemas da França. Muito longe mesmo:
  • French elections’ real risk: More of the same é uma análise de Paul Taylor no Politico onde se destaca, por exemplo, que “The country has spent more than two decades at a virtual standstill, after a 1995 general strike defeated newly elected center-right President Jacques Chirac’s bid to overhaul public sector pensions and health care. In that time, France has fallen further behind Germany in economic power and political influence, fueling a sense of decline and waning sovereignty.” Ou seja, a França precisa de reformas, de muitas reformas, e é duvidoso que elas possam ser promovidas com êxito por Macron ou por Fillon: “Neither of them would have the authority to impose change on a highly resistant society,” the Treasury official said. “A lot of my colleagues see Macron as a clever marketing product rather than a leader with a coherent program. And Fillon just seems to be morally disqualified.”
  • Who will win the French election – and does it even matter? é uma crónica de Jonathan Miller, um inglês que vive em França e que escreve no registo mais sulfurosa da Spectator, concluindo que “The rivals for France’s presidency offer crooked competence at best, economic meltdown at worst”. Ou seja, “As for France, even if it escapes Le Pen or Mélenchon this time and ends up with Fillon or Macron, it could be another story in 2022 as the country’s intractable malaise pushes it further towards political extremes. Vive la France? Maybe not.
 
Antes de passar a algumas leituras mais de enquadramento, e também mais de fim-de-semana, deixo-vos ainda mais dois textos interessantes que ajudam a compreender melhor o candidato da esquerda radical, Mélechon, a surpresa das sondagens e o provável carrasco, até ver, do candidato oficial do PS francês:
  • Meet France's Optical Illusion of a Revolutionary é uma curiosa descrição de como o melhor comunicador da campanha conseguiu fazer comícios por holograma utilizando uma tecnologia surpreendentemente simples. Mais: “French presidential candidate Jean-Luc Melenchon made a speech in seven cities at the same time -- in six of them, the media report, via hologram. The technology Melenchon actually uses is the perfect metaphor for his candidacy”.
  • If Mélenchon surges into unlikely runoff, it won’t come from last-minute leftist unity, uma análise longa do site americano Suffragio sobre a sua base eleitoral e política, destacando os pontos em comum com a candidata que se coloca no outro extremo do espectro político, com quem disputa o mesmo eleitorado descontente, mesmo zangado: “Like Mélenchon, Le Pen calls for radical change, is skeptical of Brussels and EU officials, and embraces the same economic protectionism as Mélenchon’s old-school leftism. So if he makes a breakthrough later this month, it could be at Le Pen’s expense, reclaiming votes in places like France’s de-industrialized northeast, where Le Pen won over disenchanted — and formerly Socialist — voters.”
 
Eis pois um ambiente complexo e imprevisível que, num país de paixões como a França, também chega com frequência ao interior das famílias, dividindo-as, por vezes de forma irremediável. Disso mesmo trata este belo trabalho do Le Figaro - Le jour où la politique a fait exploser ma famille – sobre “Quand les divergences d’opinion conduisent à la rupture”. É uma outra forma de olhar para a campanha e para as suas tensões, e bem interessante.
 
Um outro texto que pode e deve ser lido também à luz do que se está a passar em França é Europe’s Other Populist Problem, do Project Syndicate, onde Anders Åslund, senior fellow do Atlantic Council em Washington, escreve sobre como não fazer as reformas na altura certa, e por isso ficar para trás no que diz respeito ao crescimento económico, pode alimentar os populismos: “The European countries that are growing soundly are those that have avoided taking on large public debts: Poland, Sweden, Estonia, Latvia, Lithuania, and Slovakia. Among the eurozone crisis countries, Ireland made the largest cuts to its public expenditures and debt, and it has since staged the strongest recovery. This suggests that Europe’s economic problems stem not from inadequate demand, but from poorly functioning markets, excessive fiscal burdens, overregulation, and poor education. European countries should thus be focusing on resolving these real problems, rather than laying new debt traps.” É um texto que também ganha muito em ser lido por quem olha para o que se vai passando em Portugal, onde vivemos na ilusão de que estamos imunes ao populismo.

 
Por fim, olhar para o passado. Ou seja, ir lá buscar referências que podem revelar-se actuais. Escolhi duas, a primeira dela do El Pais: Ronald Syme, lecciones de la Roma Antigua. Neste pequeno texto Guillermo Altares recorda a obra seminal daquele historiador do classicismo – The Roman Revolution –, publicada “en 1939, justo cuando los grandes totalitarismos se estaban apoderando de Europa”, para considerar que, de novo, a forma como Syme nos apresentou a subida ao poder de Augusto, depois do assassinato de César, contém lições que mantêm a sua actualidade: “Las tragedias de la historia no surgen del conflicto entre el bien y el mal convencionales. Son más augustas y más complejas. César y Bruto, los dos, tenían razón de su parte”, escribió este profesor de Oxford en La revolución romana, una frase cuyo alcance va mucho más allá de los idus de marzo del 44 antes de nuestra era.
 
O outro texto é um interessante ensaio de Ian Morris – o autor do fascinante Why the Wet Rules – For Now (tradução portuguesa: O Domínio do Ocidente) – e que em A Century Later, Lenin's Legacy Lives On, na Stratfor, reflecte sobre as condições que precederam a revolução russa e estabelece um paralelo com o presente, manifestando a sua preocupação com o recuo do modelo liberal de sociedade aberta: “In the nearly 10 years since the financial crisis of 2008, however, the forward march of liberalism has been checked. Since the 1980s, China's post-Maoist version of illiberal development has consistently provided faster economic growth than the liberal versions. (...) Voters in Turkey, Hungary and Russia certainly seem to think so, returning to power the self-proclaimed "illiberal democrats" Recep Tayyip Erdogan, Viktor Orban and Vladimir Putin, all while 2016 brought nationalist and populist backlashes against liberal globalization to the Western core. Comparing Donald Trump, Theresa May or Marine Le Pen to Hitler — as some shrill journalists do — reveals a profound lack of perspective, but the fact remains that in the 2010s, more people seem attracted to illiberal paths than at any time in the past 40 years. Lenin's legacy continues to mutate.”
 
E por aqui termino este Macroscópio especial dedicado a uma eleição também muito especial. Tenham um bom fim-de-semana, preparem-se para as emoções de domingo à noite. Tenham também boas leituras.
 
 
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