Vídeo comprova que a crença da supremacia de uma raça superior começa em criança
M. Azancot de Menezes, Díli | opinião
Há tempos recebi uma mensagem electrónica acompanhada de um pequeno vídeo. As imagens do vídeo mostram uma mesa com duas bonecas (uma de cor preta e outra de cor branca), um “pedagogo”, e crianças de «raças» negra e mestiça que são interrogadas, uma de cada vez.
O teste é muito simples: o pedagogo pergunta à criança qual é a boneca mais bonita, ou a boneca má, e a criança tem que apontar com o dedo a sua escolha.
Pois, acredite-se, a resposta, como se pode observar no vídeo, é sempre a mesma: a boneca branca é a mais bonita, e a boneca negra, é sempre, má e ilegal.
As respostas das crianças interrogadas e a forma como respondem, refiro-me aos seus rostos, alguns tão acanhados e humilhados, são profundamente comoventes, enternecedores, um facto revoltante, e por isso convidam-nos à análise e à profunda reflexão.
As imagens do pequeno vídeo não enganam, são reais e muito tristes, pelo que, numa perspectiva de problematização, aproveito para compartilhar um episódio verídico relacionado com esta temática do preconceito e que parece mostrar, algo de excessivamente errado se passa nas nossas sociedades, nas nossas casas e nas nossas escolas.
Presentes de aniversário
Em determinado dia decidi visitar uma loja para procurar um presente de aniversário que desejava oferecer a uma menina que iria completar oito anos de idade. Antes de realizar a compra decidi telefonar à mãe e aconselhar-me. Esta, muito prontamente opinou que o presente poderia ser uma boneca.
Sorri, não questionei, mas para mim foi óbvio que a resposta da mãe também reflectiu uma prática preconceituosa muito comum. Se o presente for para um rapaz, terá que ser um carro, um avião, uma bola, uma pistola, ou algo do género, mas, tem que ser algo “másculo”.
Se a oferta for para uma menina, o presente terá que ser
uma boneca, um ferro de engomar, uma cozinha de brincar, enfim, algo mais “feminino”.
De resto, esta questão do preconceito em relação ao género, analiso por mim, difícil de ultrapassar, é manifestado mesmo antes do nascimento da criança, pois, quando a mãe e o pai começam a preparar as roupas para o bebe que vai nascer o predomínio da cor também resulta de um pensamento preconceituoso: cores quentes para a menina, com frequência o rosa, e cores frias, em geral o azul, para o rapaz.
Bonecas brancas e loiras… ou livro da Anita…
Mas, voltando ao assunto da loja, fui até às prateleiras dos brinquedos, olhei para a zona das bonecas e fiquei surpreendido porque só havia bonecas brancas e loiras, diga-se de passagem, abundantemente vendidas durante as quadras natalícias.
Perante este cenário, assumindo uma atitude preventiva contra a hegemonia cultural e racial, e por outras razões, decidi que não iria optar pela aquisição de bonecas, pelo que, restava-me a compra de um livro.
E que livro iria eu oferecer? Mais uma vez, liguei à mãe da aniversariante. A resposta foi peremptória. Compra um livro da Anita!
Junto à estante dos livros, iniciei a minha consulta na expectativa de saber se o livro cumpria com os requisitos de qualidade que são habitualmente exigidos, verificar critérios pedagógicos, axiológicos, entre outros, portanto, no momento, a minha única preocupação era fazer a avaliação qualitativa do livro.
A apreciação foi algo demorada, hesitei, lembrando-me do vídeo, e concluí, de forma errada ou não, que os livros da Anita podiam não ser recomendáveis para a menina em questão, africana genuína, não fosse às vezes o “diabo tecê-las”.
E a educação para a cidadania e a escola inclusiva?
Com as novas teorias educacionais, reconheço, há agora cuidados acrescidos com as editoras, devido às campanhas de educação para a cidadania e da escola inclusiva, mas a verdade é que os heróis e heroínas dos livros produzidos em vários países do hemisfério Norte são (quase sempre) de «raça» branca.
Estou a ser preconceituoso? Talvez, não sei dizer, mas recordando o vídeo, cada vez mais defendo a tese, segundo a qual, as características físicas do herói do livro, para não corrermos o risco de contribuirmos para “educar” crianças que se tornam complexadas (como no vídeo), devem enquadrar-se
nos critérios de análise de um bom livro, ou seja, deve haver respeito pela equidade entre géneros, pela equidade entre «raças» e etnias, pela equidade entre culturas, pela equidade entre religiões, etc.
Na perspectiva crítica curricular, os livros que apresentam estes tipos de fragilidades são indesejáveis porque fazem uma distorção dos verdadeiros objectivos da educação, moldando as crianças para se adaptarem a um paradigma, por exemplo, que preconiza uma «raça» superior, como se comprova no vídeo.
Legitimação de uns em detrimento de outros
Efectivamente, através deste currículo «oculto», verdade seja reconhecida, faz-se um apelo ao conformismo e à obediência a uma «raça» superior, ou seja, as crianças que não se sentem representadas pelo herói do livro ou do filme, por serem de «raça» diferente, aprendem atitudes caracterizadas pela subordinação, enquanto as crianças que se sentem representadas pelo herói (regra geral de «raça» branca) aprendem os aspectos sociais que se enquadram numa postura de dominação.
A venda em exclusivo de bonecas brancas e de livros infantis que demonstram ser redutores no âmbito do processo de aprendizagem, ignorando questões relativas aos privilégios e à opressão, tem que ser questionada e rejeitada, porquanto, e aqui reside o eixo principal desta reflexão, pode não ser inocente e tende a legitimar certos grupos e tendências em favor de outros, devendo ser visto por quem de direito como parte de jogos de interesses conducentes à perpetuação da supremacia de uma «raça» superior.
* Professor Universitário e Secretário-Geral do Partido Socialista de Timor (PST)
* M. Azancot de Menezes, Díli – também colabora no Página Global
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