Um jogo misterioso que vai num crescendo até levar ao suicídio está a espalhar o medo entre os jovens. Os casos ainda são poucos, mas há relatos de vítimas em Portugal. A PSP e os psicólogos aconselham os pais a estarem atentos ao comportamento dos filhos e vigiarem a sua utilização das redes sociais
Era uma vez um pré-adolescente deprimido. Com problemas de relacionamento, muito tempo livre e acesso à Internet. Com 12 anos, um rapaz, já com acompanhamento psicológico, recebeu uma mensagem estranha no WhatsApp a perguntar se gostaria de participar num jogo. O tom era até agressivo. Não era bem um convite, era mais uma ameaça. Ele acedeu e, logo no primeiro passo, é-lhe indicado que tem de fazer uma tatuagem de uma baleia. Se não o fizer, os pais e ele mesmo passam a estar em risco.
Tão assustado que, imediatamente, o jovem da Grande Lisboa foi ter com a psicóloga que o acompanha, mostrando a mensagem. Foi assim que Bárbara Ramos Dias, do Grupo Clínico BRD, tomou conhecimento do jogo que está a provocar receio entre adolescentes, pais e médicos. Chama-se Baleia Azul, terá começado na Rússia há mais de um ano, já provocou vítimas no Brasil e na Colômbia.
Em Portugal, uma rapariga de 18 anos, de Albufeira, terá tentado suicidar-se, atirando-se de um viaduto para uma linha férrea, na madrugada de quinta-feira. Tinha a palavra "sim" tatuada na coxa. Também em Sines, um rapaz de 15 anos foi transportado para o hospital de Setúbal com cortes num braço e uma baleia azul desenhada. A GNR disse à Lusa que o caso foi sinalizado à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.
"É muito comum surgirem este tipo de jogos entre os miúdos e, quando ele me falou, lembrei-me logo de "Maria Sangrenta". Mas a "Baleia Azul" é muito mais perigoso. Tem pormenores macabros, o último passo é um incentivo ao suicídio", explica a psicóloga Bárbara Ramos Dias ao Expresso. Outros pormenores sinistros são, por exemplo, a exigência do secretismo e do isolamento dos participantes. Um dos passos proíbe mesmo que os jovens falem com alguém durante 24 horas. Outro impõe a audição de música psicadélica. "Nunca vi um jogo tão bem feito. E que vai tão longe", conclui a psicóloga.
O jogo que veio do Leste
A ideia terá surgido de um jovem de 21 anos, apontado pelos órgãos de comunicação social, como o criador e um dos administradores de "Baleia Azul". Em fevereiro, Phillip Budekin foi detido na Rússia sob a acusação de incentivar adolescentes a se automutilarem e cometerem suicídio. A imprensa internacional refere que três adolescentes russas já terão mesmo posto fim à vida. Refere-se ainda que Budekin sofre de graves problemas psíquicos.
Mas qual o motivo para simbolizar um jogo associado à morte com a imagem de uma baleia? Porque o maior animal que habita o planeta Terra, com mais de 30 metros e 170 toneladas, também tem hábitos suicidas. Espécie cosmopolita, capaz de viver em todos os oceanos, cuja maturidade sexual é atingida por volta dos dez anos de idade, mas cuja característica mais impressionante seria a de também ter tendências suicidas devido aos repetidos encalhamentos. Esta tese é, contudo, contestada por alguns especialistas, que a classificam de um mito.
A praia portuguesa
A "Baleia Azul" ou Siniy Kit começou por ser divulgado nas redes sociais russas. O fenómeno surgiu - há quem diga que como uma notícia falsa ("fake news"), em 2016 na VKontakte, a rede social mais utilizada na Rússia, país fortemente afetado pelo suicídio juvenil. Aquilo que já está a ser considerado um crime cibernético já chegou à França, Espanha, Roménia e Inglaterra e chegou a Portugal através do Brasil, onde terão sido comunicadas dezenas de ocorrências por lesões corporais e suicídios associados à "Baleia Azul". De tal maneira é considerado sério que o próprio ministro da Justiça brasileiro, Osmar Serraglio, já determinou esta semana, segundo o jornal "O Globo", que a Polícia Federal investigue este jogo virtual.
A notoriedade do "Baleia Azul" no Brasil cresceu tanto que o fenómeno será abordado na telenovela "A Força do Querer", onde a autora Glória Perez vai tentar explicar de forma subtil como o desafio funciona e, sobretudo, como este "pode destruir uma família", refere o "Globo".
Foi devido à proximidade linguística que este jogo penetrou em Portugal. O método é sempre o mesmo. Recebe-se uma mensagem telefónica, normalmente por WhatsApp, não identificada. Vem de alguém que se intitula um curador ou administrador. no total são 50 ordens diárias, que devem ser seguidas, uma por dia. Quem não consegue escapar ao jogo, tem de enviar vídeos e fotografias, dando prova do cumprimento dos passos determinados.
Alguns desafios podem ser até aparentemente inofensivos, mas o objetivo é que, através destes passos, os jovens, pressionados pelo medo, não se consigam afastar do jogo. Começa por exigir que com uma navalha se escreva na própria mão um código (F57), depois, passa pelo visionamento de filmes de terror, sempre de madrugada, e repetidas indicações para que os jovens se automutilem. O último passo, de número 50, exigirá de forma clara: "acaba com a tua vida."
A maioria dos "convidados" para entrar no jogo, segundo Fernanda Fernandes, do Departamento de Repressão aos crimes Informáticos, do Rio de Janeiro, citado pelo jornal "O Globo", têm entre 12 e 14 anos, e tendência à depressão. Dado relevante já que a maior parte deles resistem em sair do jogo por temer as ameaças dos "administradores". Uma das jovens que sobreviveu ao desafio disse numa entrevista ao "Globo" que "a 'Baleia Azul' só aumenta a tristeza". "Pensei que seria uma saída para mim, para minha depressão. eu disse que queria participar e perguntaram-me se tinha a certeza porque não teria mais volta, se entrasse", confessou a rapariga de 15 anos, que foi descoberta pela mãe e internada num hospital.
Os "curadores" serão as pessoas responsáveis pela introdução dos jogadores nos desafios. São dominadores e dizem ter em sua posse todas as informações relativas ao jogador em causa. Nada lhe escapará: local de residência, núcleo familiar, hábitos de vida. Tudo entra em conta. Para Bárbara Ramos Dias, "o argumento do medo é muito poderoso". A psicóloga diz já ter ouvido adolescentes que ainda não participam no jogo e assumem ter medo de serem convocados. Acredita também que com a crescente mediatização do jogo e o fim do secretismo que lhe está associado pode ajudar a que desapareça.
Cristina Ponte, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova e especialista em utilização da internet por crianças e jovens, considera que o "Baleia Azul" "é grave", mas sublinha que "este tipo de jogos não aparece com o digital, mas toma formas mais desafiantes porque favorece o imediatismo". Lembra que são desafios que "puxam por limites e tocam mais em jovens fragilizados psicologicamente, que não têm capacidade de dizer não". A docente diz ainda que ao ver as notícias sobre o desafio, lembrou-se de uma "roleta russa".
Judiciária e PSP atentas
A Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime da Polícia Judiciária está agora a investigar os casos associados à o "Baleia Azul", mas, citada pelo jornal "Sol" diz ainda não conseguir estabelecer uma relação direta com os casos portugueses, de Albufeira e de Sines. Carlos Cabreiro, diretor dessa unidade, revelou ao semanário que a instituição "já tem conhecimento de situações concretas que estão a ser analisadas para se perceber se têm diretamente a ver com o jogo". Nada sabe ainda sobre quem serão os autores ou promotores do desafio em Portugal.
A Polícia de Segurança Pública, tal como os psicólogos, aconselham os pais a estarem atentos ao comportamento dos filhos e vigiarem a sua utilização das redes sociais. Ao "Observador", uma fonte da PSP confirmou a monitorização do fenómeno, "num esforço de prevenção e informação aos pais e responsáveis legais pelos jovens".
Também tem sido referida a série "Por Treze Razões", da Netflix. A cantora Selena Gomez é produtora executiva deste filme que aborda o bullying e o suicídio. Inspirada no bestseller de Jay Asher, conta a história de um adolescente que um dia dia, ao voltar para casa, depois da escola, encontra à sua porta, uma misteriosa caixa, com o seu nome escrito.
A solução é rosa
Para combater os receios associados ao "Baleia Azul" foi lançado numa página no Facebook, criada por um designer e um publicitário brasileiros, o jogo "Baleia Rosa", que defende a valorização da vida e do bem-estar. Propõe dez desafios e estimula os participantes a partilharem imagens de tarefas realizadas, com o objectivo de criar uma rede de satisfação. Esta iniciativa conta com o apoio de uma psicóloga, que estará atenta aos casos mais graves.
Ana Soromenho | Christiana Martins | Expresso
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