José Soares | AICL* | opinião
Como não acredito em coincidências e a idade já não permite crer no pai natal, há muito que entrei no santuário da dissidência.
A vinda de Marcelo ao território açoriano trás água no bico. Tanto mais que além de cobrir o Dia do Espírito Santo, festa nacional dos Açores, toca próximo do 6 de junho, data da grande manifestação para a independência dos Açores.
E sempre foi assim através dos tempos. Só que antes, Américo Tomás tinha mais colónias a tocar com pés sagrados. Até me lembro de Craveiro Lopes, simpático general com o qual Salazar teve alguns atritos de sofá. Mas todos vinham naquela visita de soba aos nativos. E estes, de estômago vazio, aqueciam as mãos de palmas. Pelo menos já não são obrigados a vestirem batas e alinharem à beira dos caminhos por onde passavam os senhores da casta suprema.
Hoje, vai quem quer. Mas como Marcelo foi uma estrela televisiva (tal como Trump) muitos querem vê-lo.
O Professor Catedrático e homem de letras, senhor de uma cultura geral considerável, sabe e conhece muito bem a importância das datas e não veio ao calhas por aí abaixo de qualquer maneira nem à sorte! Veio sabendo (e sendo informado) que o Dia do Espírito Santo unifica e dá corpo, identidade e força moral ao Povo Açoriano – o mesmo Povo Açoriano que o seu antecessor afirmava com rigidez cadavérica, não existir, pormenor este que os Açores sempre ignoraram.
Nessa ação psicológica de soberano, Marcelo apresenta-se em mais um dos seus inúmeros golpes de relações públicas, com aquele palavreado que já conhecemos. Vasco derrete-se à gargalhada instantânea a seu lado, bem como toda a corte que o segue, acompanha, mimoseia, bajula e sorraba.
Estas visitas de soberania vigiada, bem ao estilo de regime monárquico ou do absolutismo salazarista, estão completamente fora de moda. A deferência para com essas figuras deve ser sempre cordial, mas nunca servil. A nossa condição insular oferece-nos uma superioridade natural, no que respeita à dignidade do trato. Recebemos bem quem nos visita. Sempre foi assim.
Só que a visita do presidente da República portuguesa ao território açoriano é, exclusivamente, uma visita de guarda à união do império, um encoste do ferro quente na perna do boi. O cumprir e fazer cumprir o estipulado na lei imperial.
Por outro lado, o 6 de junho vai de novo realizar-se no Jardim da Zenite (Sena Freitas) em Ponta Delgada. Com discurso, música, copos e boa disposição. Nem o aparato policial que todos os anos é enviado a envolver o jardim, nem isso atemoriza o açorianismo de todos os que lá vão.
Os Marcelos vêm e vão. Os Açores estarão sempre aqui, no meio deste oceano que nos protege e enriquece as ambições do poder.
Prefiro quedar-me no meu exílio atlântico. Continuarei no Santuário da Dissidência.
Precisamos fazer lembrar sempre esta data, segundo a qual ficamos a conhecer os judas, mas também os leais patriotas da causa açoriana.
O Direito Público Internacional está a evoluir e chegará ao ponto de pressionar todos os estados que ainda detenham territórios pela força das armas.
**José Soares, jornalista
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