José Júlio Pereira Gomes "indisponível" para o cargo de chefe das Secretas
Embaixador escreveu carta a mostrar-se "indisponível" para o cargo de secretário geral do Serviço Informação República Portuguesa. Chegou a aceitar o convite, mas fez marcha atrás. José Júlio Pereira Gomes chegou a aceitar o convite de António Costa para assumir o cargo de Secretário-Geral do SIRP, mas arrependeu-se.
A carta em que o embaixador anuncia a sua decisão foi divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro. Começa por dizer que aceito o convite de António Costa para assumir o cargo de Secretário-Geral do SIRP "por considerar que tinha a obrigação de responder positivamente ao desafio de uma nova missão de serviço público".
Mas depois veio a polémica. Pereira Gomes lembra que foram levantadas "reservas à minha indigitação", pela forma como dirigiu a Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL). "Em particular, o processo de retirada dos observadores portugueses" escreve.
Para o embaixador importa "salvaguardar a dignidade do cargo de Secretário-Geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções".
Assim, e após a polémica, acabou por comunicar ao primeiro-ministro a sua "indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado".
José Júlio Pereira Gomes explica ainda as suas ações na retirada de Timor e termina a carta garantindo que cumpriu uma "tarefa hercúlea e ingrata" e que está "consciência tranquila".
Leia a carta na íntegra
Aceitei o convite de S. Exa. O Primeiro-Ministro para assumir o cargo de Secretário-Geral do SIRP por considerar que tinha a obrigação de responder positivamente ao desafio de uma nova missão de serviço público.
Foram, entretanto, suscitadas reservas à minha indigitação, em razão da forma como dirigi a "Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL)" de 30.8.1999. Em particular, o processo de retirada dos observadores portugueses.
Importando salvaguardar a dignidade do cargo de Secretário-Geral do SIRP de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o Primeiro-Ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada.
A Missão que eu dirigi tinha, nos termos dos "Acordos de Nova Iorque", como mandato único observar "todas as fases operacionais do processo de consulta", desde o planeamento operacional até à votação, inicialmente fixada para 8 de agosto. Não dispunha de qualquer capacidade de defesa própria e muito menos de defesa dos timorenses.
Quando a consulta se conclui, a 4 de setembro de 1999, data da publicação dos resultados, recebi elogios dos mais altos responsáveis políticos do país pela forma como a Missão tinha sido realizada.
O processo de retirada dos observadores portugueses vem a decorrer num contexto de violência generalizada, iniciada a 4.9.1999, data em que a sede da Missão é atacada e somos obrigados a buscar refúgio na UNAMET.
Assumi então a responsabilidade, que também fazia parte do meu mandato, de tudo fazer para trazer de volta, com vida, todos os observadores, cumprindo, de resto, aquilo que foi antecipadamente planeado com o MNE.
Mantive por isso o plano normal de partidas e fiz sair a maioria dos observadores no dia 5.9.1999, incluindo os cinco representantes partidários que integravam a Missão. Depois da UNAMET ter decidido, a 8 de setembro, "uma evacuação geral", por considerar que o nível de risco para as nossas vidas tinha ultrapassado o limite do aceitável, recomendei ao Governo a evacuação dos últimos observadores, que se realiza a 10 de setembro. Nesse contexto recebi do Governo ordem para sair, que assim cumpria a obrigação que assumira com todos os observadores quando partimos para Timor-Leste. Tudo fazer para nos evacuar em caso de crise de segurança que colocasse em risco as nossas vidas.
O Dr. José Ramos Horta prefaciou o livro que publiquei, "O referendo de 30 de agosto de 1999 em Timor-Leste", onde dou conta detalhada da forma como exerci a chefia da Missão. Nesse prefácio, invocando "fontes do CNRT no terreno", Ramos Horta afirmou que "os observadores portugueses comportaram-se sempre com correção, muita coragem e sacrifício, com a prudência e a distância necessárias ao estatuto de Portugal em todo um processo extremamente delicado, sem aventureirismo e protagonismo exagerado".
Referindo-se especificamente a mim, Ramos Horta reconhece que estive "no olho do furacão " e que tive "uma tarefa hercúlea, ingrata, mas, ao mesmo tempo, generosa e com a recompensa moral de fazer parte de uma verdadeira epopeia". E concluiu "Parabéns são devidos à Missão no seu todo".
Cumpri a Missão, "tarefa hercúlea, ingrata", e estou de consciência tranquila.
7.6.2017
José Júlio Pereira Gomes
TSF | Título PG
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