Há
pessoas que dizem sistematicamente mal do seu País.
Podemos
dividir os países entre aqueles em que os seus cidadãos dizem mal
para dentro, mas jamais tolerariam que os de fora dissessem mal, e
aqueles em que desbragadamente há quem diga mal do seu país ao
primeiro estrangeiro que apareça.
Portugal,
infelizmente, parece encontrar-se hoje nessa última situação.
Eduardo Lourenço, n'O Labirinto da Saudade, livro essencial para a
nossa “psicanálise mítica”, tinha identificado uma polaridade
esquizofrénica em nós: ora orgulhosos e vaidosos em excesso das
coisas pátrias, ora delas excessivamente críticos.
Estamos
numa fase de crítica demolidora, disparando alguns em todos os
sentidos, no preso-por-ter-cão e preso-por-não-ter. Evidentemente
que a crítica não é desporto nacional sequer praticado por muitos.
O problema é que a crítica invadiu muitos dos opinion makers, e a
opinião pública é a “opinião que se publica”.
Oxalá
esta catarse servisse para melhoramos, e não para nos afundarmos no
sem saída e sem-sentido.
Mas
entretanto, por vezes os mesmos que exultam em tudo demolir em
Portugal são admiradores acríticos e fanáticos, de outros países,
que muitas vezes nem conhecem, ou, conhecendo, fazem vista grossa
sobre os seus inúmeros defeitos.
Creio
que não há paraísos na Terra – e que nunca os haverá. Os
pseudo-paraísos que nos apresentam alguns, ou que se encontram
pressupostos nos discursos dos mais tímidos (embora, nesta matéria,
haja poucos tímidos) são, na verdade, modelos artificiais,
apresentados com intenções inequivocamente ideológicas. E isso
ocorre para tudo. Por exemplo, nos modelos económicos, de saúde, de
educação. “Lá fora é que é bom” – é um mero “slogan”
Tudo
nos é apresentado como maravilhoso e eficiente nos países de quem o
local vendedor de sonhos gosta. Vai-se lá fora, tem-se mesmo que
lidar com a burocracia desses, a governação desses, a saúde
desses, a educação desses…, e já não é o que se dizia. Não é
mesmo paraíso nenhum. Em muitos casos, ficamos com saudades dos
nossos erros, defeitos, ineficiências. Nem sempre, mas muitas vezes.
E nem é preciso ir a essas Mecas. Basta ver bem as notícias que de
lá nos vão chegando. Ver com olhos de ver.
É
o mito da terra prometida. A relva do vizinho é mais verde, lá,
corre o leite e o mel.
Sempre
se brincou muito por, a seguir ao 25 de Abril, se ter falado de um
"socialismo original". Não creio que tivesse sido má
ideia, se o tivesse sido mesmo
Claro
que os “-ismos” que em geral nos apresentaram não tinham lá
muito de original, e o que era original não era lá muito aliciante.
Mas construir um sistema original, ainda que com uma referência
ideológica conhecida, clássica, parece ser mesmo a única boa
solução: o fato por medida, e não um pano remendado no
pronto-avestir das ideologias.
Claro
que nisso não acreditam os estrangeirados actuais (muito diferentes
dos antigos), fascinados com o lá fora, um lá fora à medida não
do nosso País, mas dos seus sonhos pessoais.
Não
são os que querem um País com um modelo original (embora radicado)
que são sonhadores, são os que, idealizando um outro país
qualquer, ou um outro grupo de países à medida dos seus anelos,
procuram, ainda por cima, transportar essa quimera para Portugal. Ou
então, convencidos de que disso nunca serão capazes (e com razão –
porque sempre a importação corre mal, e pior a de um sonho),
continuam a culpar-nos de não sermos o que os outros pretensamente -
só pretensamente - seriam.
Creio
que a questão não é só portuguesa. Não há, por exemplo,
nacionais do País X ou Y que gostariam de ser outra coisa? Claro que
há. E nalguns casos com grandes dramas existenciais. Fala-se mesmo
em identidades inventadas: japoneses que queriam ser celtas, por
exemplo.
É
preciso compreender-se a diferença entre o “nacionalismo”, coisa
retrógrada, belicista e conflituante, e até um pouco ridícula
(como na sua versão “orgulhosamente sós”) e o essencial
patriotismo, sem o qual se é um apátrida cultural e moral. Os
Portugueses são em geral universalistas, europeus, lusófonos, e até
mediterrânicos, lusíadas, atlânticos, e antes de mais da nossa
terra, da nossa região, e do nosso país. São círculos
concêntricos: primeiro a pertença cultural e sentimental, e depois
há pontes e vectores transversais, que são manifestações pontuais
do universalismo.
Quando
penso nos profetas da desgraça, nos velhos do Restelo e Cristóvãos
de Moura, lembro-me de um anúncio creio que de um iogurte, que é só
colocar no plural: Se não gostarmos de nós, quem gostará?
Paulo
Ferreira da Cunha, Universidade do Porto
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