sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Mitologia e Ideologia do Negativismo

Há pessoas que dizem sistematicamente mal do seu País.
Podemos dividir os países entre aqueles em que os seus cidadãos dizem mal para dentro, mas jamais tolerariam que os de fora dissessem mal, e aqueles em que desbragadamente há quem diga mal do seu país ao primeiro estrangeiro que apareça.
Portugal, infelizmente, parece encontrar-se hoje nessa última situação. Eduardo Lourenço, n'O Labirinto da Saudade, livro essencial para a nossa “psicanálise mítica”, tinha identificado uma polaridade esquizofrénica em nós: ora orgulhosos e vaidosos em excesso das coisas pátrias, ora delas excessivamente críticos.
Estamos numa fase de crítica demolidora, disparando alguns em todos os sentidos, no preso-por-ter-cão e preso-por-não-ter. Evidentemente que a crítica não é desporto nacional sequer praticado por muitos. O problema é que a crítica invadiu muitos dos opinion makers, e a opinião pública é a “opinião que se publica”.
Oxalá esta catarse servisse para melhoramos, e não para nos afundarmos no sem saída e sem-sentido.
Mas entretanto, por vezes os mesmos que exultam em tudo demolir em Portugal são admiradores acríticos e fanáticos, de outros países, que muitas vezes nem conhecem, ou, conhecendo, fazem vista grossa sobre os seus inúmeros defeitos.
Creio que não há paraísos na Terra – e que nunca os haverá. Os pseudo-paraísos que nos apresentam alguns, ou que se encontram pressupostos nos discursos dos mais tímidos (embora, nesta matéria, haja poucos tímidos) são, na verdade, modelos artificiais, apresentados com intenções inequivocamente ideológicas. E isso ocorre para tudo. Por exemplo, nos modelos económicos, de saúde, de educação. “Lá fora é que é bom” – é um mero “slogan”
Tudo nos é apresentado como maravilhoso e eficiente nos países de quem o local vendedor de sonhos gosta. Vai-se lá fora, tem-se mesmo que lidar com a burocracia desses, a governação desses, a saúde desses, a educação desses…, e já não é o que se dizia. Não é mesmo paraíso nenhum. Em muitos casos, ficamos com saudades dos nossos erros, defeitos, ineficiências. Nem sempre, mas muitas vezes. E nem é preciso ir a essas Mecas. Basta ver bem as notícias que de lá nos vão chegando. Ver com olhos de ver.
É o mito da terra prometida. A relva do vizinho é mais verde, lá, corre o leite e o mel.
Sempre se brincou muito por, a seguir ao 25 de Abril, se ter falado de um "socialismo original". Não creio que tivesse sido má ideia, se o tivesse sido mesmo
Claro que os “-ismos” que em geral nos apresentaram não tinham lá muito de original, e o que era original não era lá muito aliciante. Mas construir um sistema original, ainda que com uma referência ideológica conhecida, clássica, parece ser mesmo a única boa solução: o fato por medida, e não um pano remendado no pronto-avestir das ideologias.
Claro que nisso não acreditam os estrangeirados actuais (muito diferentes dos antigos), fascinados com o lá fora, um lá fora à medida não do nosso País, mas dos seus sonhos pessoais.
Não são os que querem um País com um modelo original (embora radicado) que são sonhadores, são os que, idealizando um outro país qualquer, ou um outro grupo de países à medida dos seus anelos, procuram, ainda por cima, transportar essa quimera para Portugal. Ou então, convencidos de que disso nunca serão capazes (e com razão – porque sempre a importação corre mal, e pior a de um sonho), continuam a culpar-nos de não sermos o que os outros pretensamente - só pretensamente - seriam.
Creio que a questão não é só portuguesa. Não há, por exemplo, nacionais do País X ou Y que gostariam de ser outra coisa? Claro que há. E nalguns casos com grandes dramas existenciais. Fala-se mesmo em identidades inventadas: japoneses que queriam ser celtas, por exemplo.
É preciso compreender-se a diferença entre o “nacionalismo”, coisa retrógrada, belicista e conflituante, e até um pouco ridícula (como na sua versão “orgulhosamente sós”) e o essencial patriotismo, sem o qual se é um apátrida cultural e moral. Os Portugueses são em geral universalistas, europeus, lusófonos, e até mediterrânicos, lusíadas, atlânticos, e antes de mais da nossa terra, da nossa região, e do nosso país. São círculos concêntricos: primeiro a pertença cultural e sentimental, e depois há pontes e vectores transversais, que são manifestações pontuais do universalismo.
Quando penso nos profetas da desgraça, nos velhos do Restelo e Cristóvãos de Moura, lembro-me de um anúncio creio que de um iogurte, que é só colocar no plural: Se não gostarmos de nós, quem gostará?


Paulo Ferreira da Cunha, Universidade do Porto

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