sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Voluntários? Profissionais? Somos Bombeiros a 100%

João é “bombeiro no trabalho” e “mecânico no quartel”. Elodie passa o dia a atender pedidos de ajuda. Tiago e Ana trabalham a tempo inteiro no quartel dos Bombeiros Voluntários de Leiria, onde mora uma das corporações mais jovens e qualificadas do país. Aplaudem a ideia de profissionalização dos bombeiros. “Mas sem se perder o espírito voluntário.”
Do outro lado da rua do quartel dos bombeiros voluntários de Leiria, há um pinhal. Não pertence à mata nacional que ardeu. Ali os pinheiros continuam intactos, as copas verdes. Ao contrário de outras. Muitas outras, negras, que estes homens e mulheres viram no terreno.
Uns dias depois, à primeira vista, nada do quartel lembra o grande fogo de 15 e 16 de Outubro. Carros, carrinhas, camiões estão alinhados no parque e brilham, vermelhíssimos. Não mostram sinais do combate ao fogo que destruiu 80% do Pinhal de Leiria.
Só no fim da visita percebemos os danos causados pelas chamas: um dos carros da corporação ficou completamente destruído pelo fogo. A carcaça está atrás do quartel, completamente tapada com uma rede verde. “Para não estar à vista, para não lembrar”, diz Tiago Ferreira, adjunto de comando.
Dentro do quartel, reina a tranquilidade. Estamos num final de manhã de um dia de semana, igual a tantos outros. A corporação é voluntária e, por isso, em dias em que não há urgências, são os funcionários da associação humanitária que fazem o trabalho diário, como o transporte de doentes não urgentes, as formações de primeiros socorros ou a gestão corrente.
É a tratar destes assuntos que encontramos Tiago Ferreira no escritório do primeiro andar do quartel, sentado à secretária, de telefone na mão. Tem “coisas para resolver” e mostra reticência em falar – “não estou fardado nem nada”, justifica. Em teoria, não devia estar ali, mas, hoje, é o responsável pelo quartel (o comandante Luís Lopes não está).
Nem pena nem culpa
“Os bombeiros não são heróis”, começa por dizer Tiago Ferreira. “Quero que as pessoas tenham essa noção, de que os bombeiros não são heróis.”
Mede as palavras, mas o que diz não está à altura do que fez. Tiago caiu no combate às chamas – teve de levar injecções para as dores. Confessa que devia estar em repouso e não no quartel porque “a zona lombar não ficou com muita saúde e vai demorar a recuperar”.
Caminha devagar e vai passando a mão pelas costas, mas não desarma. É telegráfico a descrever o incidente, ao qual não voltará durante a conversa. “Eu gostava que um dia as pessoas vissem os bombeiros como qualquer outra profissão. Isso é fundamental porque cada vez mais há a tendência a que as pessoas tenham pena dos bombeiros,” afirma. Tiago não quer os votos de pesar nem a arca das culpas.
“Quando existem situações de uma grande envergadura, como esta dos incêndios, tende-se a dizer: a culpa é dos bombeiros, não vêm cá os bombeiros, eles não querem trabalhar, eles estão parados.” Até pode acontecer, admite Tiago, “mas são situações muito diminutas”.
Tiago alude aos relatórios pedidos pelo Governo no rescaldo da tragédia de Pedrogão Grande: voluntarismo e falta de confiança na estrutura; necessidade de mais e melhor qualificação dos agentes que combatem os fogos no terreno; erros vários (de percepção, no imediato, da gravidade dos incêndios e também no combate inicial às chamas). Palavras duras que se lêem nas duas análises ao que aconteceu e ao que falhou no terreno.
No fim da longa lista de problemas identificados ao nível da acção, a solução apontada pelos especialistas: profissionalizar os bombeiros já. Porque a análise não poupa ninguém, dos decisores aos agentes no terreno – incluindo os bombeiros.

por  Elsa Araújo Rodrigues em http://rr.sapo.pt


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