sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Por que tanta gente odeia as ciclovias?


Por que tanta gente odeia as ciclovias?
Imagine o seguinte: 30 pessoas fecham uma importante avenida. Em forma de protesto, eles colocam pneus no meio da via e ateiam fogo. Além disso, espalham uma série de blocos de concreto pela avenida.

Esse protesto foi real. Ocorreu na última terça-feira, no Barreiro, região de Belo Horizonte. E não foi por conta da falta d’água. Tampouco contra a violência ou por causa da baixa presença do governo (seja municipal, estadual ou federal) na vida daquela comunidade. Nada disso. O protesto foi contra uma obra pública. Foi contra a instalação de uma ciclovia de pouco mais de um quilômetro. Comerciantes e moradores protestaram porque vagas de estacionamento iriam desaparecer, entre outros argumentos.

Enquanto as ciclovias são apontadas por especialistas como uma das soluções para resolver o problema do trânsito nas grandes cidades de todo o mundo, no Brasil impera o ódio. Faça um teste: digite “Ciclovias Protesto” no Google e veja o que você vai encontrar. “Moradores vão à delegacia contra ciclovia (e fazem boletim de ocorrência)”. “Moradores prometem protesto e luta contra ciclovias”. “Motoboys fecham avenida em protesto contra ciclovias”.

Até aí tudo bem. Por mais que esses protestos estejam muitas vezes na contramão do que defendem engenheiros de trânsito, ainda é o uso do legítimo direito de expressão. Viver em sociedade é assim – todos têm direito a mostrar seus argumentos. Mas não são incomuns os casos em que o ódio contra as ciclovias é transformado em ódio contra o ciclista.

No bairro Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, ciclistas já foram surpreendidos por tachinhas espalhadas na ciclovia, resultando em pneus furados e dor de cabeça. Isso para não falar dos ciclistas que são diariamente atropelados, muitos deles enquanto pedalam por faixas exclusivas para bicicletas. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, um ciclista morre por semana na cidade.

É óbvio que projetos de ciclovias que sejam defeituosos e com erros de planejamento merecem protestos da população, principalmente dos próprios ciclistas, os maiores prejudicados em situações assim. Mas, como fica evidente pelos exemplos listados acima, não é isso que motiva muitos dos que lutam contra as ciclovias.

                                 As ciclovias são uma boa ideia?

Um meio de transporte limpo e que ocupa muito menos espaço que outras opções. Além disso, a bicicleta comprovadamente faz bem à saúde, afinal tira pessoas do sedentarismo e ajuda a diminuir a poluição atmosférica. Junte isso ao preço mais baixo – seja para implantar uma ciclovia ou comprar uma bicicleta – e pedalar parece ser uma boa alternativa para resolver o problema do transporte público nas grandes cidades.

E é mesmo. Só não é o único. O investimento em faixas exclusivas para ônibus e num metrô eficiente também são fundamentais na criação de um sistema de transporte público de qualidade. “Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público. Cidades assim não são uma ilusão hippie. Elas já existem”, costuma dizer Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e responsável por realizar uma intensa mudança na cara da cidade, nos anos 90. Numa entrevista recente para a Folha, ele completou o pensamento: “Quando falamos de bicicletas, não estamos falando que vão substituir os ônibus, os trens nem nada disso. Mas as bicicletas podem chegar a ter um percentual importante nas viagens”.

Para Jan Gehl, arquiteto e professor universitário que se tornou famoso ao melhorar a qualidade de vida na Dinamarca, as ciclovias são uma das respostas para um dos maiores problemas das grandes metrópoles: os engarrafamentos. “Se todas as cidades desenvolverem um sistema de ciclovias e de transporte público eficiente, se reduzirem a ênfase do transporte privado, conseguirão reduzir o trânsito”, diz ele


Ciclistas em Budapeste (Foto: becherpig, Wikimedia Commons)

É evidente que ciclovias não são a saída para todo mundo e nem em todas as ocasiões. Um idoso pode ter dificuldade de pedalar, uma pessoa que precisa fazer compras no supermercado pode não querer ir de bicicleta. Mas nem por isso elas deixam de ser uma saída para muita gente – mesmo que não a sua – em várias situações.

Um trabalhador que mora longe do centro pode optar por percorrer alguns quilômetros até a estação de metrô mais próxima, guardar a bicicleta lá, pegar o metrô para o trabalho e fazer o percurso inverso no fim do expediente. Uma pessoa que precisa ir até a padaria pode fazer isso pedalando, evitando usar o carro para distâncias nem tão grandes assim.

Para especialistas, esse é o grande segredo das ciclovias: a maioria das pessoas não vai usá-las para percorrer grandes distâncias, mas para fazer trajetos mais curtos. O detalhe é que uma grande quantidade de deslocamentos dentro de grandes cidades é para distâncias assim. Segundo Guilherme Wisnik, professor de Arquitetura e Urbanismo da USP, “25% do congestionamento que temos hoje (em São Paulo) se deve a percursos curtos feitos de carro – menos de três quilômetros”.

Vou repetir: 25% dos deslocamentos dentro de nossa maior metrópole são para curtas distâncias. Um em cada quatro carros. O que impede esses motoristas de pedalar? Embora sempre existam os casos em que o carro, mesmo para distâncias curtas, é necessário, uma pesquisa do Ibope mostrou que 63% dos paulistanos que nunca usam bikes fariam isso se houvesse mais segurança. Antes que alguém diga que falta de segurança é algo muito amplo, 27% dos entrevistados indicaram expressamente que essa falta de segurança reflete uma necessidade de ciclovias.

Apesar desses dados, basta ler os comentários de qualquer texto sobre esse assunto para perceber que muitos leitores se apressam a afastar a possibilidade de usarem as ciclofaixas, que são chamadas de “aberração”, “populistas” e “coisa de pseudoprogressistas jovens que não têm compromissos sérios e só sabem vadiar”. Para essas pessoas, gente séria não pedala. É por isso que em Amsterdam não tem gente séria.

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