Caros amigos,
Descobrimos a pólvora e inventamos uma roda equipada com rolamento, tudo em simultâneo. Estou estupefacto. Sinto que nenhuma destas ideias sai de quem esteve no combate a 17 de junho e de 15 de outubro.
Para quem esteve nestas ocorrências e que não vê incêndios em Carnaxide, no Terreiro do Paço, nem pela televisão, vê outras respostas ao que aconteceu. Se houve descoordenação: sim, se houve falta de meios humanos e veículos: sim, se houve falta de meios aéreos: sim, se houve falta de profissionalização da primeira resposta: talvez, afinal os ECIN são uma força mais que profissional dado que os seus operacionais não gozam das 40 horas por semana nem atuam apenas no ATI mas numa tragédia natural desta dimensão estavam a espera de quê? Quando houver um sismo em Lisboa semelhante a 1755 o que vamos inventar? Vai morrer gente e a culpa é de quem? Que forças novas podemos inventar?
De repente o país quer resolver o problema dos incêndios mas esquece-se que são uma pequena percentagem dos problemas de emergência e proteção civil do dia-a-dia, se não veja-se ainda recentemente a resposta às ocorrências das tempestades quem foi que lá esteve? Vamos desapostar na profissionalização dos Bombeiros?
Reforçar o elitismo dos GIPS e da FEB é um pau de dois bicos, é criar uma estrutura megalómana que apenas responde ao combate. Ouvi, como outros com certeza ouviram, o sr. Secretário de Estado da Proteção Civil dizer em Coimbra que no próximo ano o governo vai gastar o mesmo em prevenção que gasta com o combate, pensei para mim: estranho e confuso!
Estranho não porque a prevenção não precise desse investimento, porque precisa, apenas porque apesar de tarde esconde um novo investimento que está a ser feito nos bastidores no equipamento destes novos operacionais das forças dos GIPS e da FEB, se bem que até agora só vejo movimentações do lado dos GIPS. Este investimento não é somado à conta do combate? Estranho…
Alguém viu por aí os resultados do primeiro pilar da Defesa da Floresta Contra Incêndios? Alguém me sabe dizer quais são os municípios que podem jurar a pé juntos que tudo fizeram para proteger as suas aldeias e cidadãos promovendo a limpeza dos caminhos e estradas? Alguém me sabe dizer se todos os proprietários dos terrenos, principalmente em torno das habitações, foram notificados para efetuar a limpeza dos mesmos? Chegou a haver coimas para os não cumpridores?
Toda a gente sabe quais são as respostas.
O que vi no dia 15 de outubro foi incêndios altamente violentos, como nunca tinha visto, em que fosse qual fosse o número de operacionais e veículos posso vos garantir que não se consegue combater um incêndio a lavrar aquela velocidade e com a dispersão geográfica das aldeias e habitações e manter alguma estratégia, as vezes pensam que isto é a América mas não é.
Este investimento de gigante (até porque a GNR não compra material de segunda para os seus operacionais) vai responder a um pseudo reforço do combate, uma montanha que vai parir um rato, porque em incêndios daquelas dimensões, desculpem lá que vos assuste com isto, só Deus consegue mudar o desenrolar dos acontecimentos perante o estado de abandono das florestas e a interface urbana/florestal em que as pessoas insistem em manter o “mato” dentro de suas casas.
Com isto, e no caso da GNR em particular, quem faz “rua” como se diz na geria e convive com os desabafos dos militares e principalmente aguarda horas por uma patrulha disponível para responder a incidentes vários não entende como é que se pode pensar em retirar ainda mais militares dos postos para reforçar os GIPS, estamos a tentar agradar à opinião pública porque eles não se apercebem destas coisas? Até quando? Até que tudo falhe e morra gente porque não havia patrulhas suficientes para cortar estradas?
Atenção! Que fique claro, nada tenho contra os militares dos GIPS, muito pelo contrario, trabalhei muitas vezes ao lado deles até porque naquelas alturas estamos todos para o mesmo e sim, eles também estiveram lá nas duas tragédias e então?
Relativamente ao reforço da FEB não faria mais sentido garantir o continuar do projeto das EIP e por este pessoal ao serviço diário das populações nas corporações de Bombeiros? Não estariam eles na mesma disponíveis para responder aos incêndios florestais e garantir todo o resto do socorro também?
De uma coisa eu tenho a certeza, há um caminho a ser traçado nas sombras, está toda a gente calada e a assobiar para o lado e quando quiserem piar meus amigos: Vai ser tarde!
Não está a haver respeito pelo trabalhos dos Bombeiros (profissionais e voluntários) e posso vos garantir: daqui a 45 dias quando formos reagir já pouco importará.
Será o fim anunciado dos Bombeiros Voluntários? Estará o país a comprar uma fatura que não pode pagar com tanto elitismo?
Fiquem para ver.
Ricardo Correia – ricardo@bps.com.pt
Presidente da Associação Bombeiros para Sempre.
Imagem: AmâncioNatal, RN, Brazil (retirado a menção ao G20 da imagem para adaptação ao artigo)
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