Documento polémico mostra uma estimativa de perdas significativas de receita fiscal devido a fraude com IVA e ISP no diesel importado por via terrestre a partir de Espanha
O Estado português terá sido lesado, ao longo dos últimos quatro a cinco anos, em cerca de 265 milhões de euros devido à importação ilegal de gasóleo espanhol por via terrestre, revela documento interno da Apetro. A fraude fiscal estará na origem de uma perda acumulada de 200 milhões de euros e a não incorporação de biocombustível nos trâmites da lei já custou 65 milhões ao erário público.
As suspeitas de fraude fiscal, ao nível do IVA e do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), foram suscitadas num documento da Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro), que foi distribuído em 2017 aos associados. António Comprido, secretário-geral da Apetro, negou a sua existência, mas três fontes distintas do setor petrolífero confirmaram o contrário, atribuindo a sua não divulgação à tentativa de evitar alarme ou dar os sinais errados à maioria dos operadores, que poderiam sentir-se tentados a ter atuações à margem da lei devido a uma aparente impunidade das autoridades. Por outro lado, nem todos os associados estiveram de acordo com o seu conteúdo e, logo, a sua divulgação foi impedida, optando a Apetro por enviar, no ano passado, as suas suspeitas de fraude fiscal para a Autoridade Tributária e Aduaneira. O DN/Dinheiro Vivo acabou por ter acesso ao documento de 15 páginas, mais anexos, intitulado "Importação terrestre".
A Apetro estima, naquele documento, que cerca de um terço das importações feitas por operadores fora da associação não seja declarado às autoridades, referindo que em causa estão 50 milhões de litros por ano. Curiosamente, o mesmo volume que os seus sócios importam anualmente de Espanha por via terrestre, mas de forma legal. O prejuízo acumulado estimado pelo não pagamento de IVA e ISP é de 200 milhões de euros. Questionado sobre este assunto, o Ministério das Finanças não respondeu até à hora de fecho desta edição.
"Fora da Apetro, a importação terrestre [de Espanha] é feita, atualmente, por seis operadores registados na Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) que adquirem combustíveis 100% minerais [sem biocombustível] em Espanha em três parques da CLH (Vigo Mérida e Huelva)", lê-se no documento. A CLH é uma sociedade espanhola que detém depósitos e oleodutos de combustível. Os fornecimentos da CLH são feitos, por exemplo, pelas oito refinarias espanholas pertencentes à Repsol, Cepsa e BP, petrolíferas que têm também redes de postos de combustível em Portugal.
Pedro Morais Leitão, CEO da Prio, associada da Apetro, considera-se um dos principais prejudicados pela situação. "Em causa estarão 200 milhões de euros ao nível da fraude. É produto que sai de Espanha e que não é declarado em Portugal. É uma fraude. O ISP é mais baixo em Espanha e alguns operadores deduzem o IVA em Espanha e também não o pagam cá."
Jaime Braga, secretário-geral da Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), também confirma a estimativa de fraude de 200 milhões, documento que chegou a visionar, e lamenta o não cumprimento das regras. "A APPB naturalmente está totalmente contra a importação de combustíveis que ao serem colocados no mercado não cumprem as normas legais."
Relativamente aos biocombustíveis, Pedro Morais Leitão também lamenta a situação. "Quando há cinco operadores que não cumprem, devemos ter em conta que há 2100 postos independentes das companhias e há o perigo de muitos sentirem que há impunidade no sistema, podendo beneficiar desse contexto. Isto já acontece há tanto tempo que não acredito que os operadores com refinarias em Espanha não saibam da situação."
Questionada sobre o facto de as refinarias espanholas estarem a fornecer os depósitos da CLH, onde os portugueses se abastecem por via terrestre, a petrolífera evitou responder de forma direta. "A Repsol cumpre todos os seus compromissos de incorporação segundo a legislação em vigor e naturalmente espera que essa legislação seja cumprida por todos os operadores", referiu fonte da empresa.
"Em relação às perdas para o Estado correspondentes à não incorporação obrigatória de biocombustíveis, os valores das compensações desde 2013 até 2017 atingem 65 milhões de euros", referiu Filipe Meirinho, presidente da ENMC, atualizando os valores publicados a 29 de Janeiro no DN.
DN
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