Vasco Câmara
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É para eles sobressaírem que as luzes se vão apagar sexta-feira e sábado no Porto.
Depois da estreia de há duas semanas no Norfolk & Norwich Festival, Provisional Figures Great Yarmouth, de Marco Martins, apresenta-se no Rivoli e, de 28 de Junho a 4 de Julho, em Lisboa, no Maria Mato. No escuro, veremos como brilham os corpos que pagaram a crise.
"Hão-de mostrar-nos o cabelo quebradiço, os braços que já não dá para esticar totalmente, as pernas que passaram a coxear, as cicatrizes da queda aparatosa que pôs fim a uma vida inteira de trabalho, a pele que tiveram de largar, as tatuagens que fizeram para poder aguentar, e as que desfizeram porque já não aguentavam" - isto é já a reportagem, convulsa, de Inês Nadais, que foi a Great Yarmouth, "um X no mapa de Inglaterra o lugar exacto onde o zumbido das agulhas dos salões de tatuagens se cruza com o cheiro a fritos dos estaminés de fish & chips e com os néons intermitentes daquela que só pode ser a maior concentração de casas de máquinas a oeste de Las Vegas". Onde cinco ou seis mil portugueses são os "melhores a esquartejar perus e a limpar rabos de reformados com Alzheimer".
Marco Martins vem-se fixando nos despojos da crise, dos estaleiros de Viana do Castelo aos bairros mais duros da Grande Lisboa. Desta vez, foi encontrá-los em Inglaterra.
Precisamos de música, agora. Vem a calhar uma monumental imersão na busca pela pertença e pela libertação quase espiritual dos excessos do quotidiano - eis, para Gonçalo Frota, um disco de cinco estrelas, A History of Nothing, de Rodrigo Amado.
Podemos ainda apanhar - hoje no Teatro da Trindade, em Lisboa, sábado no GNRation de Braga - Julie Byrne, uma das revelações do ano passado, que vem mostrar a música de Not Even Happiness: folk sonhadora, inspirada em viagens pela América que, disse em conversa com Vítor Belanciano, a transportaram para si própria.
E de novo... Kanye West. Se, na semana passada, gabávamos Ye (o novo álbum), DAYTONA junta West na produção e Pusha T na voz para um trabalho que, segundo Francisco Noronha, tem momentos entusiasmantes. (Isto vai continuar: para a semana, nestas páginas, Kanye e Kid Cudi, Kids see Ghosts.)
E agora que tivemos descanso, disponibilizemo-nos para a catástrofe — violação, masoquismo, assassinato. Eis Isabelle Huppert como “personagem” flaubertiana que uma crítica de cinema, Murielle Joudet, inventa no seu belíssimo (ensaio? ficção?) Isabelle Huppert — Vivre ne nous regarde pas. Conversámos com Murielle, percorremos a carreira de Isabelle - as suas personagens em busca da grande vida que nunca chega e que dão a Huppert uma dimensão, como diz a autora do livro, "romântica mas num mundo que não o é. A sua filmografia não conta nunca um romantismo logrado, mas o momento da colisão entre o sonho romântico e uma realidade brutal e entendiante à qual nunca se escapa". O último filme está aí: Eva, de Benoît Jacquot.
Leituras: o novo de Lídia Jorge, Estuário, fala do desencontro entre uma família e o Estado em plena crise. É um livro sobre a literatura enquanto tentativa de redenção. "A arte é uma revolta contra a História. Isso para mim é tão claro!" - entrevista à autora aqui.
A rapper Telma Tvon, que nunca encontrava nos livros o reflexo da sua realidade e que um dia, uma noite, começou a rabiscar uma canção até se dar conta de que não conseguia parar, resolveu ela própria escrever. Um Preto Muito Portuguêsapresenta retratos da juventude negra dos subúrbios de Lisboa e de quem passa a vida a ser questionado: “De onde és?”
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