Enquanto o país debatia a eutanásia, Rogério morria à espera. Não foi uma morte escolhida, refletida, reiterada. Foi uma partida inesperada, sem escolha, totalmente avessa à sua vontade. Rogério morreu no Hospital de Beja, enquanto esperava para ser atendido, com uma pulseira amarela presa ao pulso.
De Rogério ficou o silêncio, como se tivéssemos perdido a capacidade de nos inquietarmos. Uma espécie de inevitabilidade madrasta de quem, sem outra opção, fica sujeito ao abandono de uma sala de espera, lá longe, no país onde se esquecem as pessoas e desprezam os contribuintes.
Vivemos presos à espuma dos dias, dos debates impostos pela agenda das redes sociais. Criamos clãs de revolta, vestimos a camisola, fingimos andar indignados, agitados, mas não nos inquietamos. Inquietar, como cantava José Mário Branco, é já não saber fazer as pazes. E há coisas com as quais não podemos fazer as pazes enquanto decidirmos não abandonar o combate.
Depois de Rogério, outro português, de 65 anos, também morreu agarrado à esperança da espera na urgência do Hospital de Lamego. Dois casos em menos de um mês. Duas vidas, únicas e irrepetíveis, que nos fazem pensar sobre as prioridades do debate público sobre o sector da Saúde.
Há mortes evitáveis nos hospitais do SNS todos os dias e ninguém se inquieta. Enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde são brutalmente agredidos e ninguém se inquieta. Discutimos insultos no futebol e toda a classe política vem rasgar as vestes, mas pela vida de todos nós, silêncio. Ausência total de inquietação. Silêncio cúmplice de quem ignora este crescente egoísmo colectivo. Indiferença. Cada vez maior indiferença num mundo de gente descartável. E quando as luzes se apagarem, cantaremos em murmúrio: "Cá dentro inquietação, inquietação".
"É só inquietação, inquietação".
26-02-2020
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