Com todas as medidas de segurança impostas pela Direção Geral da Saúde asseguradas, cerca de 30 pessoas puderam assistir à apresentação editorial do livro “A Gândara na obra narrativa de Carlos de Oliveira”, a última obra de Mário Oliveira, numa cerimónia que decorreu na Casa Carlos de Oliveira, em Febres, no passado dia 3 de julho.
Na mesa de honra, para além do autor, Mário Oliveira, esteve António Apolinário Lourenço, professor de literatura na Universidade de Coimbra, a quem coube a apresentação da obra, Pedro Cardoso, vice-presidente Câmara Municipal e Carlos Alberto Alves, presidente da Junta de Freguesia de Febres.
O vice-presidente da autarquia cantanhedense, Pedro Cardoso, congratulou-se por esta excelente iniciativa “claramente pertinente no ano em que se assinala o centenário do nascimento de Carlos de Oliveira, figura ímpar da literatura neorrealista”. O responsável pelo pelouro da cultura fez questão de felicitar o autor Mário de Oliveira, “pela qualidade do projeto editorial que assinalamos hoje e pelo empenho que o mesmo colocou neste trabalho de investigação e a profundidade da reflexão” salientando ainda o “importante contributo para perpetuar o nome e a obra de Carlos de Oliveira, um mestre das letras que tanto contribuiu para dar a conhecer as vivências das gentes gandaresas, no século 20”, concluiu.
António Apolinário Lourenço, professor da Universidade de Coimbra, com quem o Município tem trabalhado ao nível científico, nomeadamente na realização de iniciativas literárias sobre autores locais, realçou “o esforço desenvolvido pela autarquia de Cantanhede no sentido de, constantemente, relembrar e valorizar os escritores do concelho e a sua obra” designadamente “grande vultos e figuras incontornáveis da cultura regional e nacional, como é o caso de Jaime Cortesão (1884-1960), Augusto Abelaira (1926-2003) e, presentemente, Carlos de Oliveira (1921-1960).”
O autor Mário Oliveira, visivelmente emocionado, partilhou com os elementos da mesa e todos os presentes “o sentimento de grande responsabilidade com que abraçou ao escrever este livro, nomeadamente pela riqueza do maravilhoso património cultural da Gândara, e particularmente de Cantanhede”. Por outro lado, o autor manifestou “a enorme satisfação pela concretização deste projeto” destacando “a felicidade por poder finalmente apresentar este livro para o qual tanto se empenhou e no qual colocou tanto trabalho pessoal”.
O presidente da junta de freguesia, Carlos Alves sublinhou “a importância deste tipo de iniciativas culturais que tem vindo a ser efetuadas na Casa Carlos de Oliveira” reforçando a “vontade de tornar este espaço num importante polo de dinamização cultural de Febres”.
Sobre Mário Oliveira
Mário Idílio Paulino de Oliveira é natural da Bunhosa, concelho de Montemor-o-Velho, onde nasceu em 1959. Licenciado em Literatura Portuguesa, é professor de Português na Escola Secundária de Cantanhede, do Agrupamento de Escolas Lima-de-Faria.
Nas suas próprias palavras, Mário Oliveira diz-se “Nascido na Gândara, em terra areeira, solta, de bunho e água, deixada pelo mar de outrora, viveu no mato do povo, em comunhão fáunica com enguias, salamandras, rãs, cobras, ruibacos e gatos bravos, toirões – que, das aves (tantas aves!), ainda guarda o espanto infantil das cores e do canto.
Em sílica, barro e cal, dali partiam adobes térreos para os muros das casas. Para trás, ia ficando a cratera, a terra nua, o charco, o poço fundo… o dilúvio de relâmpagos e trovões. O abismo era tentador no verão, mas a criança media bem a fundura, a dobra das águas, o perigo, o canto da cigarra… e, vendo os outros, sem mestre, aprendia.
Tempo de vida solidária, familiar, de partilha do tempo e do fermento, de afetos e ralhos, de religião e superstição, de ladainhas para o quebranto! E sempre a terra, a experiência dos sentidos por entre milheirais, leiras fecundas de ralos e grilos, batata e feijão, sons de picachanca, fermentação de mostos, broa quente no forno, sangrinas no quintal…
Isto, num tempo em que reinava o Silêncio e alguns partiam. Havia violência na casa do vizinho, a pobreza de sol a sol, a fome dos que pediam às portas, o frio sem roupa nem sola, o vício escorropichado, a dívida certa, o fiado… a miséria! O autor aprendeu a vida com tudo isto: vendo, ouvindo, sentindo, meditando (talvez daí a opção pela narrativa neo-realista de Carlos de Oliveira).
Entretanto, a escola… o mundo mais largo, pouco a pouco: a primarinha (noves fora, nada; e vão quatro - quase sem palmatória, exceto quando subia aos telhados para tirar ninhos de pardal), o estudo preparatório (Armstrong pisava a Lua e havia Bonanza ao sábado), o liceu (de um Infante de Sagres que não viu – porque era já o tempo do “Trama” e Abril oferecia-se livre, em flor), a velha universidade (de noites sabatinas, de descoberta do amor e consciência de si). De permeio, a orfandade… tempo difícil, de solidão negra, quando tudo deveria ter mais encanto.
Depois, o sonho dos dias, a vida lenta, a germinação de um grão, a relação fraterna, o esquecimento de si, o amor no fim. Poderia ser controlador de tráfego aéreo ou jurista, em que fez estudos. Acabou professor no ensino secundário, que “A realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos”.
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