Há uma nova esperança para a construção naval artesanal na Ria de Aveiro. Ancorado numa forte ligação emocional e histórica à Ria e a esta arte, o Município de Estarreja lançou um projeto de formação profissional que viu a luz do dia na segunda-feira, dia 17 de abril, no Centro de Interpretação da Construção Naval, em Pardilhó. Às portas da emblemática e renovada Ribeira d’Aldeia, 12 formandos estão a aprender e, ao mesmo tempo, a dar o seu contributo para preservar este que já foi considerado património cultural imaterial nacional.
O curso de formação profissional de Construção Naval é promovido pelo Município de Estarreja em parceria com a FOR-MAR – Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar e com o Centro Qualifica de Estarreja – Agrupamento de Escolas de Estarreja.
Defender uma arte em vias de extinção
A iniciativa surge da vontade e da necessidade de defesa da arte da construção naval, que atualmente é apenas praticada de forma regular por cinco mestres construtores e por um pintor de moliceiros, sedeados nos concelhos de Estarreja e Murtosa.
Recorde-se que a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) inscreveu “como registo de salvaguarda urgente” o «Barco Moliceiro: Arte da Carpintaria Naval da Região de Aveiro» no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, conforme despacho publicado no dia 15 de dezembro de 2022, em Diário da República.
Os barcos moliceiros – verdadeiros ex-libris das gentes ribeirinhas e que encerram na sua construção técnicas milenares – têm em Pardilhó o seu ‘núcleo’ de produção. A arte da construção de barcos em madeira ainda ganha vida pelas mãos dos mestres construtores António Esteves, Arménio Almeida e Felisberto Amador, de Pardilhó, "terra da ria e berço de centenas de construtores navais de machado e enxó", e que foram homenageados com a Medalha de Mérito Municipal em 2019 (veja aqui o vídeo de homenagem).
O carpinteiro Arménio Almeida aceitou o desafio do Município para integrar o corpo de formadores do curso, colocando o seu conhecimento como carpinteiro naval ao serviço das novas gerações, e assim garantindo a aprendizagem e continuidade desta arte tradicional.
Antigo estaleiro é centro de interpretação
Doado pelo mestre José Duarte da Silva, conhecido em Pardilhó por José Pitarma e pela família de Diniz Tavares de Matos, o antigo estaleiro tradicional em madeira onde durante meio século se construíram e repararam barcos de recreio, foi reerguido e transformado em Centro de Interpretação da Construção Naval e sede da Estação Náutica de Estarreja. Fruto do esforço da Câmara Municipal de Estarreja em salvaguardar o vasto e rico património material e imaterial ligado à construção naval, preservando, assim, a história local e “privilegiando a memória da Construção Naval”, realçou o Presidente da Câmara Municipal de Estarreja, Diamantino Sabina, presente no primeiro dia de aulas.
Este curso profissional visa incutir esta paixão nos formandos, contribuindo para preservar um património significativo para as gentes ligadas à Ria e representativo da proximidade à zona ribeirinha e da “ligação intrínseca à Ria de Aveiro e à construção naval”, disse Diamantino Sabina, acreditando que este seja um projeto de continuidade. Para o autarca, ter pessoas interessadas em obter o conhecimento da arte e do saber-fazer é uma conquista. Mesmo que daqui não saiam futuros carpinteiros navais, a transmissão do conhecimento será assegurada e, quem sabe, este pode ser o embrião para outras navegações. Diamantino Sabina lançou o desafio aos alunos para a criação de uma empresa de construção naval artesanal.
A construção de barcos em madeira no concelho remonta ao século XIX
O Concelho de Estarreja, sempre teve uma ligação direta com a Ria de Aveiro, através dos seus inúmeros esteiros e canais, nas várias freguesias. A freguesia de Pardilhó, situada à margem dos grandes eixos rodoviários e fortemente marcada pela importância dos seus esteiros, particularmente da Ribeira da Aldeia, do Nacinho, das Bulhas e das Teixugueiras, sempre foi uma terra dedicada à agricultura.
A sua direta ligação à Ria fez com que se desenvolvesse a indústria da construção naval, de cujos estaleiros saíram os Moliceiros, que sulcando águas com toda a sua elegância e magnificência cumpriram a tarefa única da apanha do moliço, e os barcos mercantéis, autênticos pioneiros e suportes do tráfego comercial entre Aveiro e as comunidades ribeirinhas, sobretudo no transporte do sal e de materiais de construção civil.
Segundo a Estatística Industrial do Distrito de Aveiro, de 1867, o concelho de Estarreja que então abrangia a Murtosa, registou o lançamento à água de 85 barcos, entre os quais barcos grandes de pesca no mar.
No início do século XX, a carpintaria naval intensificou-se, com o aumento do lançamento à água de várias embarcações. O engenho e destreza dos mestres e a abundância da mão-de-obra especializada justificou a fixação em Pardilhó, em 1937, da sede do Sindicato Nacional dos Carpinteiros Navais do Distrito de Aveiro.
Na década de 40/50 havia, só em Pardilhó, mais de 30 carpinteiros navais no ativo. A arte foi passando, de geração em geração, com instrução pelos velhos mestres e os estaleiros servindo de escola aos novos aprendizes. A Carpintaria Naval foi a atividade económica mais significativa da história de Pardilhó.
Curso de Formação Profissional de Construção Naval
(Gratuito)
Duração: 400 horas (em vários módulos, 3 dias por semana)
Horário: Segundas e quartas-feiras 18h – 23h / Quinzenalmente aos sábados (8h30 – 13h30)
Parcerias:
FOR-MAR – CENTRO DE Formação Profissional das Pescas e do Mar
Centro Qualifica de Estarreja
Cofinanciado por IEFP e DGRM
FOTOS DA SESSÃO neste link curso construção naval ribeira aldeia - fotos CarlaMiranda
Carla Miranda
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