quinta-feira, 21 de abril de 2016

Crise na Saúde não tem data para terminar

Doações de gastáveis e medicamentos ajudaram a reduzir o número de mortes, mas o fluxo de doentes continua acima da capacidade dos hospitais.
Por Waldney Oliveira (texto), 
Ampe Rogério (fotos).

Os números oficiais apresentados pelas autoridades quanto às mortes hospitalares por febre-amarela e malária continua a ser confrontado com os da sociedade civil e oposição. Na última semana o grupo parlamentar da UNITA, apresentou o balanço, em um mês, de 4.570 mortes em hospitais de Luanda contrariando as 244 mortes oficiais.
Rede Angola conversou com os responsáveis dos hospitais que durante os meses de Fevereiro e Março foram tidos como os mais críticos. Os seus directores, que preferiram não avançar o actual número de óbitos alegando “ordens superiores”, foram peremptórios em afirmar que embora haja maior oferta em termos de materiais gastáveis e medicamentos o número de pacientes que recorrem às unidades hospitalares ainda se mantém superior à capacidade instalada para os atender.
Elsa Barbosa Gomes, directora clínica do Hospital Pediátrico David Bernardino (HPDB), reconhece um aumento em termos de medicamentos disponíveis, mas afirmou ao RA que o número de pacientes nas urgências continua a ser elevado, se comparado com o de há dois meses.
“Não houve grande alteração se compararmos com os números dos meses de Fevereiro e Março. Houve realmente uma grande participação da população, pelo que estamos agradecidos pela forma como acolheu o nosso apelo. Mas os números ainda são preocupantes”, afirma a directora clínica.
O HPDB continua com uma taxa de mortalidade que ronda os quatro por cento. De acordo com a responsável, nos últimos dois meses, antes da súbita afluência de crianças, o hospital registava uma taxa de mortalidade abaixo de 0,5 por cento e o número de pacientes observados rondava os 250 por dia. Actualmente observa diariamente 600 crianças e são internados cerca de 120 doentes. Se fizermos as contas, com uma taxa de mortalidade de quatro por cento, são 24 mortes por dia.
Elsa Gomes, directora clínica do Hospital Pediátrico David Bernardino
Elsa Gomes, directora clínica do Hospital Pediátrico David Bernardino
 Devido à urgência com que a sociedade civil teve que “socorrer” o hospital, segundo a responsável, muito dos medicamentos doados encontram-se próximos do prazo de validade, pelo que boa parte foi distribuído a outras unidades hospitalares.
A aparente diminuição de enchentes nos corredores dos hospitais, segundo a médica, deve-se em grande parte à reorganização por parte das direcções clínicas no sentido de disciplinarem os familiares dos pacientes.
“Estamos a exigir que entre no hospital por cada doente apenas um acompanhante. O que se passava é que cada paciente chegava a ter cinco a seis acompanhantes, o que aumentava em muito a circulação de pessoas dentro do hospital e confundia os dados estatísticos. Se for ao banco de urgência vai ver que o número de doentes observados no hospital não diminuiu muito. Diminuiu sim aquela afluência de gente na urgência”, explica a médica.
Actualmente, de acordo com Elsa Gomes, a principal necessidade do maior hospital pediátrico do país é de recursos humanos, embora já se tenha sido anunciado um possível concurso público para área de Saúde, ainda sem data de realização. As doenças mais frequentes no HPDB continuam a ser a malária e a anemia aguda, Há um internamento de cerca de 50 a 70 crianças com malária por dia.
Malária e anemia são as principais causas de internamento na Pediatria
Malária e anemia são as principais causas de internamento na Pediatria

Falta de sangue

No Hospital Geral dos Cajueiros, no município do Cazenga, o cenário não difere, conforme afirmou ao RA o seu director-geral, Armando João. De acordo com o responsável, que também preferiu não avançar números de óbitos, as doações minimizaram as carências de matérias, mas entretanto o número de doentes não diminuiu.
“Se recebemos, por exemplo, 400 ampolas de uma doação, elas são todas usadas em apenas um dia”, explica.
O director-geral recorda que no dia seguinte às doações, com cobertura televisiva, o número de pacientes no hospital aumentava exponencialmente. O banco de urgência continua a registar mais de 400 doentes para as 230 camas de internamento. O número de consultas alcança as 500 por dia. “Noventa por cento dessas doenças são previsíveis. É importante falarmos constantemente sobre isso”, afirma.
Hospitais ainda precisam de medicamentos e gastáveis
Hospitais ainda precisam de medicamentos e gastáveis 
O banco de sangue das unidades hospitalares, tanto da pediatria como do Cajueiro, continuam deficientes. Os responsáveis esclarecem que a cada 100 pessoas que vão às unidades para a doação de sangue, apenas 30 são aprovadas após a triagem.
À semelhança da directora clínica da pediatria, Armando João apela a uma maior intervenção ao saneamento básico da cidade de Luanda. “Se diminuírem os focos de lixo e consequentemente a população de mosquitos, isso se vai traduzir numa redução considerável do números de pacientes”, afirma.
A maior parte da unidade de saúde não tem o seu quadro de pessoal preenchido, o que dificulta em grande parte o atendimento aos pacientes. O governo anunciou a admissão de cerca de 2000 novos funcionários para o sector mas o número parece insuficiente à demanda.
O director do Hospital Geral dos Cajueiros, Armando João
O director do Hospital Geral dos Cajueiros, Armando João, dá indicações
“Se dividirmos 2000 técnicos pelas 18 províncias vamos ver que ainda não irá resolver o problema”, explica o director dos Cajueiros.
No Hospital Geral de Luanda (HGL), no Camama, principal unidade no combate contra a febre-amarela, o director-geral Mário Rui Cardoso não recebeu o Rede Angola devido ao seminário que decorre naquela unidade de referência por parte de técnicos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Fonte ligada à direcção confirmou à reportagem que o HGL não regista, igualmente, uma grande variação no número de pacientes quando comparado com os meses de Fevereiro e Março.

Mitos

Uma das maiores preocupações dos responsáveis dos hospitais é a gravidade com que os doentes chegam às unidades por negligência dos encarregados. “O que se veicula no meio das populações é que existe uma febre que mata as crianças e essa febre não pode ser tratada com injectáveis, mas sim com banhos de folhas. Diariamente recebemos crianças já cadáveres, praticamente. E a história repete-se. Fazem tratamentos com banhos porque a vizinha ou um outro familiar aconselhou para não levar ao hospital. Infelizmente quando essa criança chega ao hospital já está num estado grave”, explica Elsa Gomes, directora clínica do HPDB.
Os responsáveis pedem à população que se dirija aos hospitais e centros de saúde o mais cedo possível de forma a evitar a perda de mais vidas, uma vez que, mesmo sem avançarem dados oficiais, consideram alto o número de óbitos na cidade causados por negligência familiar.
Faltam camas no hospital dos Cajueiros
Adicionar legendaFaltam camas no hospital dos Cajueiros
Os responsáveis pedem ainda que, quando os casos ainda não são graves, os pacientes devem ser encaminhados aos centros de saúde locais. “Não é possível, por exemplo, vir uma criança de Cacuaco até aqui com anemia severa. As pessoas têm que ir ao centro mais próximo de sua residência”, reclama Elsa Gomes.
A elevada quantidade de óbitos fora dos hospitais também preocupa o director geral do Hospital dos Cajueiros. “Parte da população fica com os doentes em casa, indo ao hospital apenas quando já estão em desesper

Clima

As intensas chuvas de Abril são outro motivo de preocupação. De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (Inamet) ainda estão previstos temporais para este mês, o que, no entender, dos especialistas de saúde, poderá provocar o ressurgimento no país de um cenário idêntico ao do primeiro trimestre.
“Nos outros anos já estávamos habituados ao facto de que mais ou menos nessa altura do ano há um pico no número de casos da malária. O hospital estava precisamente a guardar ostock de medicamentos e gastáveis que tinha para colmatar as necessidades desse pico. Só que infelizmente essa epidemia surgiu antes do esperado”, afirma Elsa Barbosa Gomes.
Pico anual de pacientes de malária ainda está por vir
Pico anual de pacientes de malária ainda está por vir
Em condições normais, segundo Armando João, dos Cajueiros, apesar do fim das chuvas em Maio, o aumento do número de casos pode ser sentido até mesmo em Agosto.
“Com as chuvas, deve ser agravado o pico de paciente/dia”, afirma o director do hospital que, devido à sua localização, acolhe pacientes de Cacuaco, Viana, Rangel, Sambizanga e outros. Neste momento, segundo o director, continua a ter alguma necessidade de material gastável e medicamentos. “Apoios ainda precisam-se”.
O hospital dos Cajueiros possui 38 médicos, divididos em apenas quatro especialidades, nomeadamente Pediatria, Medicina-geral, Cirurgia e Maternidade. Há ainda a colaboração de dois médicos das Forças Armadas Angolanas e um grupo de 17 médicos estagiários da Universidade Agostinho Neto (UAN).
Entre altos e baixos de números de óbitos e pacientes, a crise na saúde não deverá ser minimizada até que haja a contratação efectiva de pessoal, além da aplicação de recursos em melhores infraestruturas. É de esperar pela concretização das promessas recentes, mas, de acordo com projecções, o investimento na saúde nos próximos 25 anos deve estar abaixo da média até mesmo da África Subsariana.
Fonte:RedeAngola.info

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