terça-feira, 26 de abril de 2016

MEMÓRIA DA ESCRAVATURA E DA SUA ABOLIÇÃO

Martinho Júnior, Luanda
 
1 – À medida que nossos antepassados sofreram na carne e nos ossos as agruras da escravatura, no berço do capitalismo enquanto “comércio triangular”, evidente se tornou que não gostaram, lutaram e por isso o Haiti se impôs a Napoleão.
 
A revolta dos escravos em São Domingo, inspirando-se e inspirando a revolução francesa, é de facto um património histórico para toda a humanidade, por que deveria ter sido efectivamente assim que se tornaria possível a “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”!
 
Sublinha-o Eduardo Galeano em “Haiti, país ocupado” (http://www.brecha.com.uy/inicio/item/9182-haiti-pais-ocupado):
 
… “Haití es un país invisible.
 
Sólo cobró fama cuando el terremoto del año 2010 mató más de 200 mil haitianos.
 
La tragedia hizo que el país ocupara, fugazmente, el primer plano de los medios de comunicación.
 
Haití no se conoce por el talento de sus artistas, magos de la chatarra capaces de convertir la basura en hermosura, ni por sus hazañas históricas en la guerra contra la esclavitud y la opresión colonial.
 
Vale la pena repetirlo una vez más, para que los sordos escuchen: Haití fue el país fundador de la independencia de América y el primero que derrotó a la esclavitud en el mundo.
 
Merece mucho más que la notoriedad nacida de sus desgracias”…
 
Quando soaram as trombetas, o império nascente tremeu e travestiu-se até de pirata, a fórmula mágica para neutralizar a energia liberta das refregas e só com uma exclusiva explicação: a todo o transe havia que continuar o saque…
 
2 – À medida que no fascismo e colonialismo, propiciado pela geometria variável da lógica capitalista, os colonizados experimentaram, por que viveram, a opressão, não gostaram e por isso lutaram para banir de suas vidas esse “sistema” tão manifestamente pródigo para a tão retrógrada quanto fundamentalista “civilização cristã ocidental”.
 
Dessa luta, só possível após a IIª Guerra Mundial, fermentaram as independências da Ásia e de África, arrancadas a ferro e fogo 150 anos depois das bandeiras das independências da América.
 
Dizia Jean Paul Sartre no Prefácio ao livro de Frantz Fanon, “Os condenados da Terra” (http://kamugere.wordpress.com/2011/07/05/prefacio-de-os-condenados-da-terra-por-jean-paul-sartre/):
 
“Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes, isto é, quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de indígenas.
 
Os primeiros dispunham do Verbo, os outros pediam-no emprestado.
 
Entre aqueles e estes, régulos vendidos, feudatários e uma falsa burguesia pré-fabricada serviam de intermediários.
 
Às colônias a verdade se mostrava nua; as metrópoles queriam-na vestida: era preciso que o indígena as amasse. Como às mães, por assim dizer. A elite européia tentou engendrar um indigenato de elite; selecionava adolescentes, gravava-lhes na testa, com ferro em brasa, os princípios da cultura ocidental, metia-lhes na boca mordaças sonoras, expressões bombásticas e pastosas que grudavam nos dentes; depois de breve estada na metrópole, recambiava-os, adulterados.
 
Essas contrafacções vivas não tinham mais nada a dizer a seus irmãos; faziam eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã lançávamos palavras: “Partenon! Fraternidade!”, e, num ponto qualquer da África, da Ásia, lábios se abriam: “… tenon!…nidade!” Era a idade de outro.
 
Isto acabou.
 
As bocas passaram a abrir-se sozinhas; as vozes amarelas e negras falavam ainda do nosso humanismo, mas para censurar a nossa desumanidade. Escutávamos sem desagrado essas corteses manifestações de amargura.
 
De início houve um espanto orgulhoso: Quê! Eles falam por eles mesmos! Vejam só que fizemos deles! Não duvidávamos que aceitassem o nosso ideal porquanto nos acusavam de não sermos fiéis a ele; por esta vez a Europa acreditou em sua missão: havia helenizado os asiáticos e criado esta espécie nova: os negros greco-latinos.
 
Ajuntávamos, só para nós, astutos: deixemos que se esgoelem, isso os alivia; cão que ladra não morde”…
 
… Morderam… e para que por via dos bancos se continuasse a dar a mais secreta das oportunidades para o saque e a pirataria, foi possível a abertura do caminho para expedientes mais refinados e requintados: chegaram por fim as “democracias representativas”, com a “incontornável” pacotilha – 1 homem = 1 voto!...
 
3 – À medida que no “apartheid”, propiciado pela lógica capitalista no rescaldo de Hitler e Mussolini, os “bantustanizados” experimentaram, por que viveram, também não gostaram, lutaram e lutam contra o racismo institucionalizado onde quer que ele se manifeste, para banir esse “modelo” de “sistema” tão lucrativo para as mais poderosas elites do planeta.
 
David Mestre poeta angolano, um dia lembrou, explodindo (http://tropicodecapricrnio.blogspot.pt/2010/06/em-sowetoalexandra.html):
 
“Em Soweto, Alexandra
Buzina uma revolta
como dentes
afiados

as flores agridem
a polícia
no sexo

os anjos descem
de viaturas blindadas
e abrem fogo

sobre a multidão”
Algumas décadas depois, os mineiros da platina experimentam na carne a reedição moderna e televisiva da epopeia!...

Breyten Breytenbach, o poeta sul africano que um dia foi preso pelo regime do “apartheid” mesmo assim ousou escrever uma “Carta Aberta a Ariel Sharon” (http://amsterdam.nettime.org/Lists-Archives/nettime-l-0204/msg00150.html):
“Sir,
 
You don't know me. There's no reason why you should and little cause
for you to listen to what somebody like myself may have to say. I don't
imagine you have time to pay attention to views that do not correspond to your own. 
 
In fact, I'm convinced that you do not listen to anybody who doesn't say what you wish to hear.
 
Should it interest you, I'm a writer born in South Africa now living andworking abroad.
 
For some time back there I also grew up among a chosen people who behaved as Herrenvolk - -as all those who believe themselves singularized by suffering or entrusted with a special mission from God.
 
I apologize if my comparative allusion to Israel as Herrenvolk hurts because of the echoes from a recent past when, in Europe, so many Jews were the victims of a final solution. But how else is one to attempt describing the comportment of your armies when one is flooded by the horror of what you're doing?”…
 
Percebe-se hoje à latitude sul do continente-berço, quão importante se tornaram os “Peace Parks Foundation”, de preferência os transfronteiriços, para neles os ricos afogarem a plácida nostalgia dos seus “jogos africanos”, ali mesmo onde das entranhas da terra se extraem as mais rutilantes das ainda secretas rapinas do cartel que deu sequência aos sonhos de império de Cecil John Rhodes… “do Cabo ao Cairo”… se possível e de preferência do Cabo a Telaviv!
 
4 – À medida que hoje se sente na carne e nos ossos a ditadura do capital gerado na lógica capitalista por via do neo-liberalismo, do embuste das “open societies”, do consumismo exacerbado e fútil, da “austeridade” gémea do desemprego e da perversão das “democracias representativas”, é saudável e legítimo que se lute, para que seja possível outra liberdade, outra democracia, solidariedade, internacionalismo, equilíbrio, harmonia e respeito pela humanidade e para com a Mãe Terra!
 
Diz Noam Chomsky, a propósito de “La decadencia de EE.UU. en perspectiva” (http://www.rebelion.org/noticia.php?id=144942):
 
… “Aproximadamente en esos días, la decadencia de EE.UU. entró a una nueva fase: decadencia conscientemente auto-infligida. Desde los años setenta, ha habido un cambio significativo en la economía estadounidense, cuando planificadores, privados y estatales, se volvieron hacia la financialización y la subcontratación al extranjero de producción, impulsada en parte por la tasa de beneficios en disminución en la manufactura en el interior. Esas decisiones iniciaron un ciclo maligno en el cual la riqueza se concentró considerablemente (dramáticamente en el máximo 0,1% de la población), causando la concentración del poder político; de ahí la legislación para llevar aún más lejos el ciclo: la tributación y otras políticas fiscales, desregulación, cambios en las reglas de la gobernancia corporativa permitiendo inmensos beneficios para los ejecutivos, etc.
 
Mientras tanto, para la mayoría, los salarios reales se estancaron en gran parte, y la gente pudo arreglárselas solo mediante cargas laborales fuertemente aumentadas (mucho más que en Europa), deudas insostenibles, y burbujas repetidas desde los años de Reagan, creando riqueza en el papel que inevitablemente desaparecía cuando reventaban (y los perpetradores eran rescatados por el contribuyente). Paralelamente, el sistema político ha sido cada vez más desgarrado mientras ambos partidos son impulsados más profundamente dentro de los bolsillos corporativos con el aumento del coste de las elecciones, los republicanos a un nivel grotesco, los demócratas (ahora sobre todo los antiguos republicanos moderados) no se quedaron demasiado atrás.
 
Un reciente estudio del Instituto de Política Económica, que ha sido durante años la mayor fuente de datos probos sobre estos eventos, es titulado Failure by Design [Fracaso deliberado]. La palabra “deliberado” es exacta. Otras alternativas eran ciertamente posibles. Y como señala el estudio, el fracaso tiene una base clasista. No hay fracaso para los que deliberan. Lo contrario es lo cierto. Las políticas fueron, más bien, un fracaso para la gran mayoría, el 99% en la imaginería de los movimientos Ocupa – y para el país, que ha declinado y seguirá haciéndolo bajo estas políticas”…
 
Hoje somos 99% no mais perigoso dos exercícios: desmascarar por completo aqueles 1% herdeiros dos passados saques, provedores das contemporâneas rapinas e piratas do nosso próprio futuro!...
 
5 – Esta, quer queiram quer não, é uma sintética Declaração Universal e por isso é tão actual quando se afirma, a 23 de Agosto, o Dia Internacional em Memória do Tráfico de Escravos e da sua Abolição.
 
Em 2011 foi assim que o “Vermelho.org” viu esse dia (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=10&id_noticia=162052):
 
Escravidão negra: 30 milhões de histórias não contadas
 
Nesta terça, 23 de agosto, o mundo celebra o Dia Internacional da Memória do Comércio de Escravos e sua Abolição. A África é o continente onde haverá o maior número de eventos pela ocasião, começando pelo Gana e estendendo-se à República Democrática do Congo e ao Senegal.
 
Também outros países relembram a data a partir das suas comunidades afrodescendentes, como os EUA, Canadá, Granada, Trindade e Tobago e Reino Unido.

Segundo a Rádio ONU, escolas ligadas à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO, na África, no Caribe, na Europa e na América do Norte, estão desenvolvendo um projeto que prevê o ensino de matérias sobre o comércio transatlântico de escravos. O intuito é o de resgatar a história desses povos e promover o diálogo intercultural.

O Dia Internacional da Memória do Tráfico de Escravos e sua Abolição foi celebrado pela primeira vez no Haiti, em 1998. As comemorações de 2011 coincidem com as celebrações do Ano Internacional dos Afrodescententes, instituído pela ONU, sob o lema “30 milhões de Histórias Não-Contadas”, em alusão ao número de escravos deportados.

Estudantes angolanos e peritos internacionais discutem nesta terça-feira (23) o Comércio Transatlântico de Escravos numa conferência sob o lema Escravos de Angola povoaram também lugares como as Ilhas Holandesas.

O evento apoiado pela Organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, será realizado na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, para marcar o Dia Internacional da Memória do Comércio de Escravos e sua Abolição.

Em declarações à Rádio ONU, de Luanda, o director do Museu Nacional da Escravatura, José Lourenço, falou da relevância do debate com estudantes universitários angolanos.

O objetivo é honrar a memória das pessoas que foram vítimas do fenômeno e violação dos direitos. Honrar essa memória é perpetuar o conhecimento sobre aquilo que existe e, ao mesmo tempo, criar interesse nos estudantes universitários atuais por essa temática, motivando estudos a respeito, explicou”…

As memórias desse tipo não podem deixar de ser evocadas: é preciso sabermos de onde viemos, o que somos, para essencialmente optarmos para onde vamos!

Com toda a ironia dos destinos humanos, é assim a ética com sentido de vida!...
 
Gravura:
Panfleto das forças coloniais fascistas durante a guerra colonial em Angola; este panfleto era disseminado a partir do ar, sobre as áreas da IIIª Região Político-Militar do MPLA, no imenso leste angolano.
 

Hoje não é preciso tanto, é tudo muito mais persuasivo, indolor e insípido na moderna escravatura: basta disseminar “mercados”, fazer proliferar a banca, o crédito e a “sociedade de consumo”… borbulhas… conforme esclarecia o Banco Espírito Santo Angola, imediatamente antes do período eleitoral em Angola – “O FUTURO ESTÁ EM CONSTRUÇÃO AQUI”!!!

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