Depois de todas as irregularidades denunciadas nas eleições presidenciais em São Tomé e Príncipe Evaristo Carvalho foi o único candidato na segunda volta das eleições. Obviamente que foi considerado eleito Presidente da República. Evaristo foi o candidato apoiado pelo partido ADI, da família Trovoada, e de que o primeiro-ministro Patrice Trovoada é o presidente.
O sentimento no país é de que Evaristo será um PR fantoche que irá agir em consonância e às ordens do primeiro-ministro, já que foi apoiado pelo PM e pelo seu partido político (ADI) na arte das trapaças eleitorais. A ADI detém a maioria no parlamento são-tomense. A essa perspetiva popular, acusação e apreensão Evaristo Carvalho declarou ao Jornal de Angola que não será nenhum fantoche do PM, mais precisamente usou as palavras que dão título no Jornal de Angola, que o entrevistou: “Não serei um pau-mandado”. Daquilo que diz ao que realmente acontecerá só o tempo permitirá fazer o juízo correto. Os são-tomenses vão ter de dar tempo ao tempo para aguardar a confirmação ou negação do que naturalmente é o mais esperado: Evaristo, depois da fraude eleitoral, pau-mandado do PM e das ambições da família Trovoada. Família com os olhos no petróleo do país, a ser explorado e transformar-se em dólares brevemente. (PG)
“Não serei um pau-mandado”
Bernardino Manje, São Tomé e Príncipe – Jornal de Angola
Evaristo Carvalho, 75 anos, é o novo Presidente de São Tomé e Príncipe, depois de ser eleito domingo último sem a concorrência do segundo candidato mais votado na primeira volta, Manuel Pinto da Costa, que desistiu das eleições por alegados vícios no processo.
O novo Presidente já ocupou vários cargos no aparelho do Estado, tendo sido Primeiro-Ministro por duas ocasiões (em 1994 e entre o final de 2001 e início de 2002) e ministro da Defesa e da Ordem Interna. Evaristo Carvalho diz estar preparado para desempenhar as funções de Presidente da República e realça o facto de já ter trabalhado directamente com os três anteriores Chefes de Estado, designadamente Manuel Pinto da Costa, Miguel Trovoada e Fradique de Menezes.
Na sua primeira entrevista exclusiva a um órgão de comunicação estrangeiro, na qualidade de Presidente eleito, Evaristo Carvalho fala aoJornal de Angola sobre o processo eleitoral, a desistência de Pinto da Costa, aquilo que vai ser o relacionamento com outros órgãos de soberania, bem como as relações com Angola, que considerou excelentes, mas com espaço bastante para o seu aprofundamento.
Jornal de Angola - Acaba de ser eleito Presidente da República de São Tomé e Príncipe. Que avaliação faz de todo o processo eleitoral?
Evaristo Carvalho - Estamos praticamente no fim do processo eleitoral iniciado no mês de Julho e que termina com a segunda volta, ocorrida no dia 7 do mês em curso. Estamos a aguardar a proclamação final do Tribunal Constitucional, mas estou confiante que serei o quarto Presidente de São Tomé e Príncipe. O balanço que faço é de que o processo foi normal até ao dia 17 de Julho. Infelizmente, na segunda volta, há a destacar a desistência do segundo candidato que deveria disputar comigo. Tirando este acontecimento, as eleições decorreram num clima de paz e tranquilidade e estou convencido de que, na próxima segunda-feira, com a proclamação dos resultados definitivos pelo Tribunal Constitucional, estará tudo concluído e serei de facto o quarto Presidente da República na história de São Tomé e Príncipe. Um Presidente de todos os são-tomenses, seja dos que votaram em mim, seja dos outros.
Jornal de Angola - A desistência do candidato Manuel Pinto da Costa não acaba, de certa forma, por retirar algum sabor à sua vitória?
Evaristo Carvalho - Não restam dúvidas de que se houvesse dois candidatos, o acto eleitoral seria muito melhor. Mas não temos culpa alguma na desistência do outro candidato. Quanto à atitude do segundo candidato, só ele saberá justificar. Certamente ele, como Presidente em exercício, sentiu que disputar a segunda volta com um concorrente que na primeira volta só lhe faltava cem votos para ser eleito logo no primeiro turno, seria perda de tempo. Mas só ele é que sabe as reais causas, pois a minha eleição foi clara. O povo manifestou-se massivamente.
Jornal de Angola - E o que tem a dizer sobre a elevada percentagem de abstenção na segunda volta?
Evaristo Carvalho - É normal! Ela não belisca a minha vitória. Aliás, muita gente já previa a minha vitória. Tanto o segundo candidato mais votado na primeira volta (Pinto da Costa), como a terceira (Maria das Neves), fizeram de tudo para boicotar as eleições. Mas, como viram, o boicote não surtiu efeito porque, se na primeira volta consegui acima de 34 mil votos, na segunda volta, além dos meus votantes da primeira volta, consegui mais cerca de oito mil votos. Portanto, sinto-me satisfeito, sem qualquer belisco na minha posição de vencedor. Serei, de facto, o próximo Presidente da República e de todos os são-tomenses.
Jornal de Angola - O candidato Manuel Pinto da Costa não votou na segunda volta e já se cogita que ele também não vai estar na investidura do Presidente eleito. Isso é possível do ponto de vista legal?
Evaristo Carvalho - Penso que, do ponto de vista legal ou jurídico, não existe qualquer dificuldade em ele estar ausente. Mas do ponto de vista político acho que isso é mau. Aliás, pela pessoa que é, foi o primeiro Presidente da República, acho que mesmo desistindo de ser candidato, no último domingo, deveria aceitar as condições e dirigir-se às urnas para votar. Confesso que fiquei surpreendido com o facto dele não ter votado, porque durante toda a campanha todos nós, candidatos, apelámos à população ao voto. Portanto, não ficou nada bem o facto dele não ter ido votar. Demonstrou não ser democrático.
Jornal de Angola - Que comentários tem a fazer sobre acusações feitas, sobretudo durante a campanha, de que o senhor é um “pau-mandado” do Primeiro-Ministro Patrice Trovoada?
Evaristo Carvalho - Isso só pode ser mesmo compreendido no quadro da campanha. Os que dizem ou disseram isso pensam que pelo facto de o partido ADI assumir toda a responsabilidade do Estado eu seria um pau-mandado, naquele sentido de que eu seria um Presidente do “sim senhor, sim senhor”. Mas podem crer que não serei isso. Conheço perfeitamente as competências de cada órgão. No nosso país as competências do Estado estão repartidas. O Presidente da República tem o seu papel bem definido, assim como o Governo, a quem compete conduzir a política geral do país. Depois surgem os tribunais, que têm o papel da justiça. Não serei um pau-mandado. Em todos estes anos, desde 1975, trabalhei no aparelho do Estado, primeiro como funcionário e depois como político. É curioso que já trabalhei com os três anteriores Presidentes da República. Fui colaborador directo de todos eles...
Jornal de Angola - Então conhece bem os meandros da Presidência da República?
Evaristo Carvalho - Conheço a função do Presidente da República e só tenho de respeitar as linhas traçadas na Constituição. Como disse, o Presidente da República tem o seu papel, o Governo e os tribunais também têm o seu. Se o Primeiro-Ministro é o chefe do Executivo, o Presidente da República tem a função de apoiar, colaborar, para que todas as instituições funcionem normalmente e as coisas marchem. Não terei o papel de boicotar qualquer órgão, nem do Governo, a quem compete trabalhar para criar o bem-estar da população e fazer o país desenvolver-se. Como vêem, isso não significa ser um pau-mandado.
Jornal de Angola - Nem mesmo o facto de ser subordinado do Primeiro-Ministro no seio do partido ADI pode levar a essas desconfianças?
Evaristo Carvalho - Mas isso acontece em quase todo o mundo! Mesmo em Angola, o Presidente da República é do partido no poder e a maioria na Assembleia Nacional é desse mesmo partido. Isso não significa ditadura, nem que o Presidente seja um pau-mandado. O mais importante nisso tudo é que haja o respeito pela Constituição da República. E aqui em São Tomé e Príncipe, o Presidente da República é o bastião da defesa da Constituição. Acompanhar, fiscalizar e fazer com que as instituições funcionem independentes, mas de uma forma ligada, com o objectivo de fazer avançar o país, é o meu propósito. Quero ser o Presidente colaborador, conselheiro e fiscalizador. Naturalmente, o facto de ser do mesmo partido do Primeiro-Ministro é melhor ainda. Há melhores condições para os consensos e o entendimento e estou certo de que as coisas vão caminhar da melhor forma.
Jornal de Angola - Quais são as suas principais apostas durante os cinco anos de mandato?
Evaristo Carvalho - A primeira aposta é de garantir a estabilidade governativa. A segunda, fazer uma presidência que proporcione o regular funcionamento das instituições do Estado. Ter boas relações com o Governo, a Assembleia Nacional e com os tribunais. Terceiro, reconhecer a competência governativa, impulsionar a agenda e programa de trabalho do Governo, no sentido de criar as melhores condições de vida das populações. As apostas são fundamentalmente estas.
Jornal de Angola - Com a sua eleição, o que vai mudar na política externa são-tomense?
Evaristo Carvalho - Vamos reforçar a nossa relação com os países da CPLP, do Golfo da Guiné, região à qual pertencemos, bem como alargar as relações de amizade e de cooperação com outros países. Sendo São Tomé e Príncipe um país com uma fragilidade conhecida, quer do ponto de vista económico, quer financeiro, temos de lutar neste sentido da procura da ajuda e abrir novos caminhos para a cooperação que nos permita desenvolver.
Jornal de Angola - Que avaliação faz das relações entre Angola e São Tomé e Príncipe?
Evaristo Carvalho - São excelentes! Mas nós, como novo Presidente da República, vamos fazer tudo no sentido de reforçá-las. Temos relações de consanguinidade. Mesmo no período da colonização, São Tomé e Príncipe e Angola sempre foram dois países irmãos. Existem muitos são-tomenses que quando as coisas não estão a correr-lhes muito bem cá, o primeiro pensamento que vem é emigrar para Angola, e vice-versa. Por isso, tenho o dever de consolidar essa relação.
Jornal de Angola - Quer deixar uma mensagem para a comunidade são-tomense residente em Angola?
Evaristo Carvalho - Sim! Por acaso estive em Angola durante a campanha. Prometi-lhes fazer advocacia junto do Governo angolano para que este preste a melhor atenção aos meus conterrâneos que estão em Angola, fundamentalmente para que estejam livres e documentados. Durante o meu mandato, vou fazer o possível para que as condições de acolhimento dos são-tomenses residentes em Angola sejam melhoradas. Por outro lado, também queremos que eles colaborem com o povo irmão angolano para o desenvolvimento de Angola.
São Tomé e Príncipe
São Tomé e Príncipe é um país insular localizado no Golfo da Guiné, precisamente na linha do Equador. O país é composto por duas ilhas principais (ilha de São Tomé e ilha do Príncipe) e alguns ilhéus, num total de 1.001 quilómetros quadrados e cerca de 190 mil habitantes. Possui fronteiras marítimas com o Gabão, Guiné Equatorial, Camarões e Nigéria.
As ilhas de São Tomé e Príncipe foram descobertas em 1470 e 1471 pelos navegadores portugueses João de Santarém e Pêro Escobar. Existe uma tese maioritária, segundo a qual as ilhas eram desabitadas até à chegada dos portugueses. A cana-de-açúcar foi introduzida nas ilhas no século XV, mas a concorrência brasileira e as constantes rebeliões locais levaram a cultura agrícola ao declínio no século XVI.
A maior parte da população (cerca de 180 mil) reside actualmente na ilha de São Tomé e menos de dez mil no Príncipe. A população é essencialmente descendente de vários grupos étnicos que emigraram para as ilhas desde 1485. É essencialmente composta por oriundos das antigas colónias portuguesas em África e dos descendentes de escravos provenientes do antigo Reino de Daomé (actual Benin). Nos últimos dez anos, verificou-se um grande fluxo migratório de pessoas originárias de países da costa africana, com maior incidência para a Nigéria.
A grande maioria dos são-tomenses é cristã, nomeadamente da Igreja Católica Apostólica Romana, Evangélica, Adventista do Sétimo Dia, Nova Apostólica e Maná. O português é a língua oficial e é falado mais ou menos por quase toda a população, mas também falam três crioulos de base portuguesa, o fôrro, angolar e lunguié. A população urbana corresponde a 61 por cento do total e a rural a 39 por cento.
O regime político em vigor em São Tomé e Príncipe é semi-presidencialista, com uma democracia multipartidária e representativa. O Presidente da República é também o Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, enquanto o Primeiro-Ministro é o chefe do Governo. O poder legislativo é unicameral e a Assembleia Nacional é composta por 55 deputados eleitos para um mandato de quatro anos.
A justiça é administrada ao mais alto nível pelo Supremo Tribunal de Justiça. Existem somente dois níveis de jurisdição: tribunais de primeira instância e os recursos são feitos junto do Supremo Tribunal de Justiça, que é o tribunal de última instância. Existe também um Tribunal Constitucional, que funciona provisoriamente junto do Supremo Tribunal de Justiça, bem como um Tribunal de Contas.
Os principais recursos naturais e produções em São Tomé e Príncipe são o cacau, café e óleo de palma. A pesca é uma das principais fontes de alimentação da população. A indústria limita-se à transformação dos produtos agrícolas.
Cem dólares equivalem a cerca de dois milhões e duzentos mil dobras (moeda de São Tomé e Príncipe). Uma refeição num restaurante fica entre 200 a 250 mil dobras. A corrida do táxi numa distância de um quilómetro custa dez mil dobras. O serviço de táxi é feito em viaturas ligeiras pintadas com cor amarela, bem como em motorizadas, que constituem a maioria.
Fim da coabitação política em São Tomé e Príncipe
No dia 3 de Setembro, o actual Presidente de São Tomé e Príncipe, Manuel Pinto da Costa, termina o seu mandato, embora já tenha exercido o cargo durante 15 anos, entre 1975 e 1991, quando o MLSTP|PSD era o único partido no cenário político local. Com a sua derrota na primeira volta nas presidenciais de 17 de Julho e desistência na segunda volta, no último domingo, Pinto da Costa não conseguiu cumprir a tradição que se registava em São Tomé e Príncipe, em que os Presidentes em exercício eram reeleitos para um segundo mandato. Foi assim com Miguel Trovoada e o mesmo repetiu-se com Fradique de Menezes. Com a derrota de Pinto da Costa, também se põe fim à coabitação política que sempre existiu em São Tomé e Príncipe. É que o Presidente eleito, Evaristo Carvalho, é do mesmo partido do primeiro-ministro, a ADI (Acção Democrática Independente).
Apesar de ser um dos fundadores do MLSTP/PSD, Pinto da Costa sempre concorreu como independente. Foi assim em 2011 e repetiu-se este ano. Desde um tempo a esta parte, tem sido notável o difícil relacionamento entre os Presidentes da República de São Tomé e Príncipe e os primeiros-ministros, pelo facto de os dois não serem da mesma cor partidária.
A instabilidade política tem sido uma constante, o que em algumas vezes obrigou à demissão do governo e a convocação de eleições antecipadas. Estando a ADI no governo e sendo o novo Presidente da República um militante deste partido (mais do que um simples militante, vice-presidente), estão criadas as condições para acabar, ou pelo menos diminuir, as “crónicas intrigas e querelas políticas”, como considerou Evaristo Carvalho as dificuldades de coabitação que, volta e meia, existiam entre o Chefe de Estado e o líder do Governo. “Durante os 25 anos de democracia, São Tomé e Príncipe conheceu, infelizmente, 15 primeiros-ministros por causa de crises cíclicas institucionais”, lembrou Evaristo Carvalho, durante a campanha para as eleições, admitindo que esta instabilidade política era um entrave ao progresso. “Num país de economia frágil como o nosso, a coesão política é a condição 'sine qua non' para a sua afirmação e desenvolvimento”, considerou. O actual primeiro-ministro também lembrou os momentos de coabitações difíceis no país. “Esta será, provavelmente, a primeira vez que pomos termo à coabitação”, sublinhou Patrice Trovoada, considerando que os problemas registados no passado não foram apenas das instituições, mas também das pessoas que encarnam estas instituições. Com a eleição do candidato do seu partido, para Presidente da República, Patrice Trovoada prevê uma governação mais tranquila. “Toda a gente sabe da excelência das relações pessoais entre Evaristo Carvalho e Patrice Trovoada, daí que acho que não há nuvens nenhumas e estou ávido de começarmos a trabalhar juntos a partir do dia 3 de Setembro”, disse o primeiro-ministro, referindo-se à data de tomada de posse de Evaristo Carvalho no cargo de Presidente da República. Todas as expectativas estão agora voltadas para como deve ser a gestão do novo Presidente da República, que prometeu “exercer a função com toda a serenidade e lealdade e contribuindo para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe”. Evaristo Carvalho é actualmente deputado e vice-presidente da ADI, tendo sido já primeiro-ministro por duas vezes (em 1994 e entre o final de 2001 e início de 2002), ministro da Defesa e da Ordem Interna (Interior).
Foto: Mota Ambrósio
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