Jaime Oliveira, que tem uma capacidade de visão quase nula, decidiu fazer este ano o caminho alternativo até Fátima, pelos campos, serras e estradas secundárias. É Pedro quem lhe vai mostrando "a beleza" do percurso.
Jaime segura no braço de Pedro, o seu guia na viagem, enquanto caminham por uma estrada de terra batida, em Alvorge, Ansião, onde o silêncio apenas é interrompido pelo chilrear dos pássaros e o zumbir de moscas e abelhas.
"Não há mais belo do que isto", comenta Jaime Oliveira, de Gaia, que partiu com Pedro Diogo do Porto para fazer pela primeira vez a peregrinação até Fátima, pelo caminho alternativo.
Pelo percurso, passam por aldeias, há quem lhes ofereça "o pequeno-almoço", ouvem "bons dias" e "boas tardes", apanham figos e amoras e falam das suas experiências. Tudo sem pressa, com tempo para observar a paisagem em redor, descrita por Pedro a Jaime.
"É a primeira vez que o Pedro está a guiar um cego e faz uma descrição imensa", conta à Lusa o estreante por estes caminhos, agradecido pelas imagens de plantas, de flores ou de lugares abandonados que lhe vão sendo traçadas pelo seu colega de viagem.
As paisagens "lindas" que vão encontrando são motivo para fotografias que Jaime tira e amplia "500 vezes" para conseguir ver os pormenores dos locais por onde passam.
Jaime, que lida com a quase cegueira "há sete anos" devido a um glaucoma, não conhecia Pedro e acabou por ser a necessidade a juntá-los no percurso, feito longe da nacional número 1 (N1) e dos seus perigos.
"Fiz contactos por telefone, falei com várias organizações e o preço que pediam pela viagem era exorbitante e todos faziam o circuito pela estrada nacional, que é perigosíssima", refere, explanando que surgiu posteriormente a possibilidade de fazer o caminho com Pedro Diogo, habituado ao percurso e que faz a viagem "por devoção" e de forma absolutamente voluntária.
Jaime é bastante crítico em relação à peregrinação que milhares de portugueses fazem todos os anos até Fátima.
Pelas estradas principais, "a maioria chega a Fátima e cai para o lado. Fazem disto uma correria", nota, considerando que para um cego o caminho pela nacional torna-se ainda mais perigoso.
"Eu não consigo aperceber-me se os carros se aproximam de nós. Só sinto a deslocação de ar e nós [os cegos] sentimos o triplo. É um susto terrível, assustador", relata, recordando os poucos quilómetros que tiveram de fazer pela N1 e em que tinha de "ir em fila indiana", não podia agarrar o braço de Pedro e não podia falar.
Se tivesse de o fazer durante vários dias, seria "terrível. Ia estar com o coração nas mãos", comenta.
Por outro lado, pelos campos, há "a verdura e o silêncio" que se torna especial quando a noite chega, realça, queixando-se apenas da falta de promoção do caminho.
Para Pedro Diogo, este percurso alternativo "é seguro, introspetivo e mais tranquilo".
Apesar de não conhecer Jaime no início da viagem, o percurso tem permitido "uma partilha gratificante" das experiências e dificuldades de cada um, salienta.
"É na partilha que o caminho tem interesse".
Lusa
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