A classificação do Centro Histórico do Porto como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi decidida há duas décadas numa reunião na Cidade do México.
"O Porto cumpriu escrupulosamente o compromisso"
O presidente da Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) considera que a cidade tem cumprido “escrupulosamente” o compromisso assumido há 20 anos com a UNESCO, quando o seu centro histórico recebeu o título de Património Mundial.
“A SRU é a guardiã do cumprimento da gestão urbanística e das leis de salvaguarda e proteção do património, juntamente com Direção Geral do Património Cultural. Fiscalizamos e, quando tivermos de atuar, atuamos”, afirmou Álvaro Santos, em entrevista à Lusa a propósito dos 20 anos da classificação do Centro Histórico do Porto como Património Mundial, que hoje se assinala.
O responsável admite que o centro histórico enfrenta “novos desafios”, relacionados com o aumento do turismo, mas rejeita as críticas de “plastificação” do território classificado, notando que as entidades públicas estão já a “encontrar soluções”, nomeadamente através da política fiscal.
“A questão do IMI [a partir de 2017, serão as autarquias a definir a aplicação deste imposto nas áreas classificadas pela UNESCO] é importante para condicionar áreas de atividade: o turismo de uma forma desenfreada como tem acontecido, por exemplo”, descreve.
A par disso, “o agravamento carga fiscal no alojamento local”, prevista pelo Governo para o próximo ano, “vai evidentemente ter reflexos” no Porto.
Em todo o caso, o responsável garante que “tudo o que foi o compromisso da cidade com a UNESCO há 20 anos tem sido escrupulosamente cumprido”.
“Se os promotores da classificação do Porto Património Mundial lutaram por esse objetivo, não foi para terem o centro histórico enclausurado. Foi, naturalmente, um sinal de abertura ao mundo, de globalização, de atrair pessoas”, acrescentou.
De acordo com Álvaro Santos, é a SRU que tem a missão de zelar “pelo plano de gestão do Centro Histórico Património Mundial”.
“Preparamos esse trabalho para a Câmara do Porto prestar contas regularmente à UNESCO”, explicou.
“Com os seus 30 funcionários, a SRU zela por 5% do território do Porto. Tudo é analisado e perspetivado ao mais ínfimo pormenor e o resultado é plenamente satisfatório”, assinala o responsável da entidade criada em 2004 para promover a reabilitação urbana no centro histórico e na Baixa do Porto.
Para Álvaro Santos, há 12 anos, “teve de ser a SRU a investir onde os privados não chegavam”.
“Houve um capital público de semente que permitiu alavancar e atrair investimento privado. Hoje é diferente. Acho que as entidades públicas têm um papel cada vez mais regulador. O papel não é menos importante. É um papel diferente, de adequação aos novos desafios, aos novos problemas”, observou.
De acordo com o presidente da Porto Vivo, desde 2013, mas “sobretudo em 2014 e 2015”, registou-se “um crescimento exponencial da atividade de licenciamento para o centro histórico”.
O ano corrente parece não ficar atrás: “Em 2015, a SRU emitiu 112 alvarás de obra. Em 2016, até ao fim de setembro, já tinha emitido 109”, descreve Álvaro Santos.
Tudo isto leva a que, “nos últimos três anos”, o centro histórico do Porto receba, “em simultâneo, cerca de 150 a 200 obras por ano”.
A habitação aparece no topo da emissão de alvarás de obra, representando 60% de todos os licenciamentos, mas Álvaro Santos admite que, depois de concluídas, muitas destas intervenções se transformem em alojamento local (serviços de alojamento temporário a turistas).
“Não é a SRU que faz o registo do alojamento local. Admitimos, pelo que vemos no terreno, que muitos dos pedidos de licenciamentos para habitação sejam, depois, registados como alojamento local”, esclarece.
Quanto aos restantes licenciamentos, 23% são para comércio e serviços, 13% para alojamento local e 5% para hotelaria.
Comerciantes Satisfeitos
O presidente da Associação dos Comerciantes do Porto, Nuno Camilo, mostrou-se satisfeito com a evolução dos fluxos turísticos no Centro Histórico do Porto, realçando que o aumento de circulação de pessoas é benéfico para o comércio.
Em declarações à Lusa a propósito dos 20 anos da classificação do Centro Histórico do Porto como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), que se assinalam hoje, Nuno Camilo referiu que “do ponto de vista comercial o aumento do fluxo de pessoas só beneficia os comerciantes”.
“A classificação do Porto como Património Mundial é sempre enriquecedora para a região e também para as suas gentes. Nós, enquanto empresários e comerciantes da cidade, olhamos para essa classificação como algo que valoriza e torna a cidade ainda mais atrativa”, declarou o dirigente associativo sobre a classificação atribuída pela UNESCO em 1996.
Em relação às mudanças que têm vindo a ocorrer no centro da cidade e que têm gerado uma discussão em torno da chamada "turistificação", Nuno Camilo salientou que “o que está a acontecer é que a cidade tem vindo a crescer bastante e os comerciantes estão a crescer também”.
“A reabilitação urbana foi um ‘boom’ que a cidade teve, que fez com que zonas completamente cinzentas passassem a ser zonas hoje que os comerciantes conseguem ocupar quer no que diz respeito aos seus andares inferiores quer no que diz respeito aos andares superiores, portanto temos hoje uma taxa de ocupação muito maior”, afirmou o responsável da Associação dos Comerciantes do Porto, dando como exemplo a rua das Flores.
Quem antes se sentia inseguro nas Flores num passeio noturno, hoje já anda pela rua tranquilo, considera Nuno Camilo, que sublinha que a reabilitação faz parte dos “processos de mutação das cidades”, algo que é “inevitável acontecer e ainda bem que acontece”.
Questionado sobre a eventual expansão de plataformas de alojamento local na baixa da cidade, Nuno Camilo rejeita que haja uma tentativa de afastamento de “pessoas de um estrato social inferior ou superior”, tratando-se “única e exclusivamente de uma circunstância do mercado”.
“Há um estigma de que o alojamento local, as lojas, afastaram muito as pessoas da cidade. Pelo contrário, foram poucas as que saíram e a reabilitação fez com que muitas outras pessoas pudessem vir para o Porto e ocupar espaços que estavam desocupados”, declara o presidente da Associação de Comerciantes do Porto.
De acordo com os dados do Censos de 2011, nas quatro freguesias abrangidas pela classificação de Património Mundial (Miragaia, São Nicolau, Sé e Vitória, hoje todas abrangidas numa só União de Freguesias da qual também fazem parte Cedofeita e Santo Ildefonso) residiam 9.334 pessoas, uma variação negativa comparativamente aos dados de 2001 que ia de uma perda de 26,4% em Miragaia a uma uma quebra de 35,1% em São Nicolau.
Em declarações à Lusa a propósito das duas décadas da classificação pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) Francisco Barata Fernandes sublinhou que o que tem valor e identifica o Centro Histórico da cidade “não era só a epiderme, a fachada, (…) mas o entrar em cada uma das casas e perceber a sua organização interna”, algo que acredita não estar a acontecer em obras recentes feitas na zona.
Por seu lado, o professor jubilado catedrático da FAUP Alexandre Alves Costa, que frisou falar apenas enquanto cidadão, admitiu não ter uma “visão otimista” sobre o tempo que passou desde a classificação, uma vez que acreditava que “a classificação iria introduzir alguma disciplina e até algum estímulo para que a recuperação fosse feita com critérios que mantivessem o valor patrimonial dos edifícios e não parece ser isso que está a acontecer”.
A análise que o geógrafo e catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Rio Fernandes faz dos 20 anos que passaram divide-se em três fases, com uma quarta ainda por se desenvolver: em primeiro lugar, a época pós-25 de Abril do Comissariado para a Renovação Urbana da Área de Ribeira/Barredo (CRUARB), que veio a dar lugar a uma segunda fase marcada pela Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana, num modelo “muito orientado para as parcerias público-privadas”, a que se seguiu a fase atual: a da “turistificação”.
“Diria que mais dois anos e estamos a entrar na quarta fase que é repensar este modelo e os seus limites”, declarou Rio Fernandes, que sublinhou diversas vezes à Lusa não se opor ao aumento dos fluxos turísticos, já que todas as pessoas são turistas em certo momento, mas sim aos excessos que possam “deixar mazelas” no tecido urbano.
Francisco Barata Fernandes responde no mesmo sentido de não ser contra o aumento do turismo (“uma cidade que não atrai outros deve estar muito mais preocupada do que uma cidade que atrai”, diz), mas lamenta que se esteja perante “uma atitude onde o que se privilegia é a imagem da fachada porque é isso que permite fazer o negócio turístico”.
Questionado sobre se é o preço da obra que motiva tais decisões de construção, o arquiteto responde não estar convencido de que assim seja: “Em muitas empresas é mais convidativo não pensar tanto, mandar abaixo o que está e fazer como fazem sempre, quer seja uma casa do século XXI como do século XX. Não estão predispostas nem com formação. O preservar o património exige uma coisa que qualquer pessoa que queira mesmo reabilitar património e não esteja a fazer negócio à pala do património acha natural: primeiro é estudá-lo”.
Alexandre Alves Costa mostrou-se “com expectativa de que esta nova câmara possa, tal como fez em relação à Cultura que deu um salto qualitativo no sentido positivo, ter uma visão mais culta, mais informada sobre as questões da renovação urbana”, uma ideia também realçada por Rio Fernandes.
O geógrafo disse ainda ser necessário perceber se os fundos investidos na reabilitação urbana, em particular sendo públicos, estão "a produzir uma melhor cidade ou se [estão] a acelerar estes processos de fachadismo e de concentração económica em poucas empresas".
Lusa / Sapo
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